Depois de garantir a reeleição com a beatificação do marido morto, dezenas de modelitos pretos e a cara de choro de quem enviuvou ainda no berço, Cristina Kirchner resolveu aterrissar espetacularmente no clube dos governantes domadores de cânceres, fundado e dirigido por Hugo Chávez. “Exames de rotina, realizados no dia 22, localizaram um carcinoma papilar no lóbulo direito da glândula tireoide, e a presidente será operada no próximo dia 4 de janeiro”, comunicou em 28 de dezembro o porta-voz da Casa Rosada, Alfredo Scoccimarro, tentando dissimular a animação de quem sabe que, na terra do tango, tragédia dá voto.
Nos anos 50, Juan Domingo Perón prolongou a permanência no poder expondo à visitação pública uma Evita em ruínas e, depois, o cadáver da protetora dos descamisados. Cristina foi mais ousada: em vez de explorar a doença dos outros, optou por um câncer pessoal e intransferível. Deu certo. Em vigília permanente, milhares de devotos atravessaram a semana passada acampados na Plaza de Mayo. Sobraçando faixas com a inscrição Fuerza Cristina, cantaram hinos peronistas, rezaram e choraram. Para a seita dos loucos por um martírio, foi um reveillon de sonho.
Excitado com o ingresso de Cristina Kirchner no quadro de sócios, que já incluía o cubano Fidel Castro, os brasileiros Lula e Dilma Rousseff e o paraguaio Fernando Lugo, o chefe da entidade informou que a primeira reunião da turma seria realizada assim que a companheira argentina tivesse alta. E aproveitou a oportunidade para assombrar o mundo com a revelação: as enfermidades que andam surpreendendo governantes sul-americanos são coisa dos ianques. Mais precisamente da CIA, que teria descoberto como se faz para instalar tumores malignos em defensores do povo.
O entusiasmo de Chávez contagiou o amigo Lula. Ainda no meio do tratamento, o ex-presidente brasileiro reiterou que, em fevereiro, vai desfilar no Sambódromo a bordo de um carro alegórico da Gaviões da Fiel. Também avisou que, em março, já com a faixa de campeão do Carnaval de São Paulo, homenageará o Rio com uma visita ao Morro do Alemão. Dilma, Lugo e Fidel estavam prontos para entrar na festa desencadeada pela tireoide de Cristina quando se soube que a colega argentina só esqueceu de combinar com os médicos. Ao fim da cirurgia de três horas, só foi encontrado um único e escasso tumor benigno.
“O exame histopatológico definitivo constatou a presença de nódulos nos dois lóbulos da glândula tireoide, mas descartou células cancerígenas, alterando o diagnóstico inicial”, conformou-se o porta-voz Scoccimarro, esforçando-se para conter a decepção. “O novo diagnóstico levou os médicos a considerarem desnecessário o tratamento de quimioterapia”. Durante quase dez dias, portanto, Cristina Kirchner enfrentou bravamente um câncer imaginário. Quem conta com a proteção do Beato Néstor vence quaisquer inimigos. Mesmo os que não existem.
No mundo civilizado, enquanto milhares de cientistas perseguem a cura da doença, incontáveis pacientes famosos ou anônimos enfrentam tumores malignos com coragem e discrição. No subcontinente acanalhado pelo primitivismo populista, o espetáculo deprimente protagonizado por canastrões de bolero, heróis de chanchada e prima-donas de ópera demonstra que gente obcecada pelo poder transforma até câncer em cabo eleitoral.
Um comentário:
O sebão não abraça, ele se atraca....
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