Já escrevi aqui um post sobre os aspectos
mesquinhos, “petequeiros”, jocosos e até grotescos que envolvem as relações de
Rosemary Nóvoa Noronha, um cacho amoroso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, com a coisa pública. Eles acabam desviando a nossa atenção do essencial.
À sua maneira, as tentações ancilares do ex-mandatário retiram a óbvia
gravidade de mais um escândalo. Atrevo-me a dizer que a lambança que ora vem à
luz constitui, mais do que o próprio mensalão, um emblema do jeito petista de
fazer política — ainda que possa não ter o mesmo alcance. Por quê? Porque,
desta feita, além de todos os escrachos, encurta-se o caminho que separa o que
deveria ser a alta política das urgências ou incontinências do baixo ventre.
Lula levou para o ambiente palaciano o que
era, segundo ele próprio confessou em uma antológica entrevista, a sua rotina
no mundo sindical. Falando à revista Playboy em 1979, este gigante moral
confessou como atuava quando trabalhava na área de seguridade social do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Ficava de olho nas viúvas. Mal um
companheiro batia as botas, ele se apresentava para o trabalho de consolação.
Foi com essa disposição, ele próprio
contou, que conheceu sua atual mulher, Marisa Letícia. Um taxista lhe contara
que o filho havia sido assassinado e que sua nora havia prometido jamais se
casar. E Lula, este ser, como direi?, verdadeiramente aristotélico, orientado
teleologicamente para o bem, pensou com aquela dignidade que lhe é imanente: “Qualquer dia ainda voou papar a nora
desse velho”. Eu não estou fazendo caricatura, não! A fala é
dele mesmo! A “nora” era Marisa. Ela deu certo. Miriam Cordeiro nem
tanto. Deixemos que ele mesmo fale, com o seu estilo inconfundível:
“Nessa época, a Marisa apareceu no
sindicato. Ela foi procurar um atestado de dependência econômica para internar
o irmão. Eu tinha dito ao Luisinho, que trabalhava comigo no sindicato, que me
avisasse sempre que aparecesse uma viúva bonitinha. Quando a Marisa apareceu,
ele foi me chamar”.
O que diz mesmo Aristóteles no Capítulo I
do Livro I de “Política”? Isto: “A natureza de uma coisa é o seu estágio
final, porquanto o que cada coisa é quando o seu crescimento se completa nós
chamamos de natureza de cada coisa, quer falemos de um homem, de um cavalo ou de
uma família”.Como se nota, na consideração do filósofo, o Apedeuta
se encaixa também na espécie. O Lula da Rosemary já estava no Lula das viúvas
dos companheiros metalúrgicos. O Lula do Palácio já estava no Lula do sindicato
como a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos…
Aristóteles, Machado de Assis… Eu faço um esforço danado para fazer Lula
parecer mais interessantes do que é…
As folias de alcova são uma espécie de
ilustração e de emblema dos que se esbaldam no poder. Suetônio (mais um
esforço!), com os “Os Doze Césares”, nos legou certamente uma leitura
distorcida dos interiores do Império Romano, com os imperadores meio
afrescalhados dos filmes de Hollywood. Mas ilustrou como ninguém a corrupção de
caráter a que pode conduzir o poder. Sempre que Lula faz tábula rasa do passado
e se coloca como o ser inaugural da civilização, penso, por exemplo, em
Calígula, que mandou tirar do Capítólio e destruir as estátuas de homens
ilustres que Otávio Augusto mandara lá instalar. Tentou banir de Roma os poemas
de Homero (!!!), afirmando que o próprio Platão quisera expulsar os poetas da
República. Mandou cassar das bibliotecas as obras de Virgílio e Tito Lívio; ao
primeiro faltariam engenho e saber; o segundo seria loquaz demais e inexato. As
almas tiranas não se contentam em comprometer o futuro. Também querem
reescrever o passado.
Nosso Calígula não papou só viuvinhas.
Como escrevi em 2009, olhou um dia para Brizola e Arraes e pensou: “Ainda vou
papar a base política deles”. No governo, olhou para FHC e pensou: “Ainda vou
papar o Plano Real dele”. Lula é assim: vai papando o que encontra pela frente:
as viúvas, as biografias alheias, a história… Na entrevista à Playboy, ele
também aborda folguedos sexuais com animais — mas não me alongo a respeito
Antes que continue, respondo a alguns
tontos que resolveram invadir o blog para, claro!, atacar… FHC! Então este
também não tivera um caso amoroso fora do casamento? Não acabou assumindo um
filho, que depois se comprovou não ser seu? Tudo verdade! Só que há uma
diferença essencial: o ex-presidente tucano não alojou uma amante, que depois
passou a atuar em benefício de uma quadrilha, num cargo público. Ora, a
imprensa brasileira jamais se ocupara antes das namoradas de Lula. O nosso
jornalismo é muito diferente do americano ou do inglês. Se os jornalistas
contassem 10% do que sabem das festinhas de Brasília, a República cairia
algumas vezes por ano. Mas se calam. Há um pacto de silêncio que, às vezes,
milita contra a verdade e contra o interesse público. Jornais à moda dos
tabloides ingleses fariam a farra por aqui. E não precisariam cometer nenhum
dos crimes do News of the World. Tendo a achar que fariam um bem aos
brasileiros.
Na imprensa americana, casos amorosos de
autoridades são notícia, esteja ou não o interesse público envolvido.
Entende-se que aqueles que se apresentam para representar a sociedade —
presidentes, congressistas, juízes — têm de comungar de alguns de seus valores
médios. Talvez fosse o caso de lembrar Aristóteles outra vez: a “cidade tem precedência
sobre cada um de nós individualmente”. Na sua vertente maligna, o princípio
justifica ditaduras; na sua vertente benigna, faz as grandes democracias. Se o
sujeito quer ter o poder da representação, obriga-se a acatar certas noções de
decoro — e, nesse caso, amantes nunca são uma questão privada; são questões
sempre públicas. Desconfio daqueles que acusam o “excesso de moralismo” do povo
americano nessas questões. Acho que se trata apenas de uma República que leva a
sério seus fundamentos. Por aqui, um ministro do Supremo tem o topete de
defender na corte que criminosos do colarinho branco não cumpram pena em regime
fechado.
Em Banânia, mais lassos, mas relaxados,
mais tolerantes, fazemos esta distinção: se a(o) amante nada tem a ver com a
administração pública, então não há notícia. Notem que o caso Rosemary circulou
por alguns bons dias sem que se desse o devido nome às coisas — ou às relações.
O que os petistas queriam desta vez? Calígula resolve misturar os seus
folguedos com as questões da República — sua amante está no centro de um
escândalo —, e o país deve fazer de conta que se trata de “questão pessoal”?
Tenham paciência. O Babalorixá de Banânina já chamou de “questão privada” os
milhões que a Telemar (hoje Oi) investiu na empresa de um seu filho — a gigante
da telefonia tem entre seus sócios o BNDES e foi beneficiada por decisão
pessoal do então presidente. Tudo questão privada!!!
Chega, né, Fanfarrão Minésio? A coisa já
foi além da conta! Perguntem, por exemplo, se a televisão americana noticiou ou
não o caso entre Bill Clinton e aquela estagiária. Ora… E ele estava no
exercício da Presidência. Não tentem me provar que somos mais sábios por aqui.
Acho que não! Tanto não somos que mal um escândalo chega a termo na Justiça,
outro já surge.
Caso grave
A coisa é grave, sim, por qualquer ângulo que se queira. Rosemary até podia não reivindicar para si somas fabulosas — uma Pajero em que ela circula pertence ao esquema criminoso —, mas aqueles em favor dos quais atuava mexiam com interesses bilionários. Tanto ela como Paulo Vieira, apontado como o chefe da quadrilha, estavam em seus respectivos postos por vontade de Lula — aquele que nunca sabe de nada. Nunca antes nestepaiz tantas pessoas traíram tanto um só homem, não é mesmo?
A coisa é grave, sim, por qualquer ângulo que se queira. Rosemary até podia não reivindicar para si somas fabulosas — uma Pajero em que ela circula pertence ao esquema criminoso —, mas aqueles em favor dos quais atuava mexiam com interesses bilionários. Tanto ela como Paulo Vieira, apontado como o chefe da quadrilha, estavam em seus respectivos postos por vontade de Lula — aquele que nunca sabe de nada. Nunca antes nestepaiz tantas pessoas traíram tanto um só homem, não é mesmo?
Não dá! A VEJA desta semana traz uma foto
da decoração que Rosemary escolheu para o escritório da Presidência em São
Paulo. Há um painel gigantesco de Lula brincando com uma bola. As almofadas dos
sofás trazem impressas a imagem de… Lula! É a perfeita ilustração da captura do
bem público por interesses privados.
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