O berreiro dos
cardeais, os uivos dos apóstolos, a choradeira dos devotos, as lamentações das
carpideiras ─ nada disso vai adiantar. Nenhuma espécie de chilique da seita
lulopetista impedirá que o mestre seja obrigado a quebrar a mudez malandra.
Desde 23 de novembro, quando a Operação Porto Seguro tornou nacionalmente
conhecida uma certa Rosemary Noronha, Lula foge de comentários sobre a
quadrilheira de estimação. O silêncio que começou há mais de um mês pode até
estender-se por duas, três semanas. A trégua do Ano Novo ajuda. Mas o
ex-presidente não escapará da hora da verdade.
A menos que todos os
jornalistas resolvam perder definitivamente a voz, o homem que nunca sabe de
nada será confrontado com perguntas e cobranças que exigirão álibis menos
bisonhos e respostas mais criativas. Se repetir, por exemplo, que se sente
“apunhalado pelas costas”, Lula se arriscará a ouvir de volta uma
desmoralizante gargalhada nacional. Se confirmar que “não se surpreendeu” com o
que houve, como balbuciou em Berlim, terá de ser menos ambíguo: não se
surpreendeu com as gatunagens de Rose, com o atrevimento do bando, com a
eficiência da Polícia Federal ou com o quê?
O colecionador de
escândalos já deveria ter aprendido que nenhuma patifaria de grosso calibre
deixa de existir ou fica menor só porque o protagonista da história finge
ignorá-la. Atropelado pelas apurações da PF, passou as duas primeiras semanas
enfurnado no Instituto Lula, de onde só saiu para uma festa no Rio e uma
discurseira para catadores de papel em São Paulo. Sempre cercado por muros
humanos, não concedeu aos repórteres um único segundo de sua preciosa atenção.
Depois, viajou para longe do Brasil e passou uma semana driblando jornalistas
com saídas pelos fundos e escapadas pela cozinha. Para quê? Para nada.
Se já era de bom
tamanho quando partiu, a encrenca ficara um pouco maior quando voltou.
Indiciada pela Polícia Federal, Rosemary Noronha foi em seguida denunciada pelo
Ministério Público por formação de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de
influência e falsidade ideológica. Entre os comparsas incluídos na denúncia
figuram os irmãos Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA),
Rubens Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e
Marcelo Vieira, que vive de expedientes. Os três bebês de Rosemary são os
líderes da máfia dos pareceres técnicos forjados.
Os lucros da
organização criminosa aumentaram extraordinariamente depois do recrutamento da
chefe de gabinete do escritório paulista da Presidência. Rose apresentava-se
aos interlocutores conforme o grau de intimidade. Para os íntimos, era a mulher
do Lula. Para o resto, a namorada do presidente. Nas reuniões com subordinados,
declamava o primeiro verso do hino dos novos-ricos: “Aqui tudo é chique”.
Parecia-lhe especialmente chique a decoração do escritório na esquina da
Paulista com a Augusta. Numa das paredes, um imenso pôster mostra Lula (com a
camisa do Corinthians) batendo um pênalti.
Enquanto esteve
acampada na casa da filha Mirele, também demitida da Anac, Rose pôde contabilizar
os estragos causados pela brusca tempestade. De um dia para o outro, perdeu o
emprego oficial, o posto de primeira-dama oficiosa, o escritório, o salário
superior a R$ 10 mil, os amigos e o namorado. Acabou a vida mansa proporcionada
pelos lucros da quadrilha. Acabaram as viagens internacionais ou mesmo
domésticas: excluída das comitivas presidenciais desde a posse de Dilma
Rousseff, agora não pode sequer sonhar com outro cruzeiro no mar de lhabela, ao
som da dupla sertaneja Bruno e Marrone.
Sempre à beira de um
ataque de nervos, Rose acha que os companheiros do PT não lhe estenderam a mão
na hora da tormenta. É uma caixa-preta até aqui de mágoa. Tão perigosa
quanto Paulo Vieira, que anda sondando o Ministério Público sobre as vantagens
da delação premiada. Nesta segunda-feira, a sindicância aberta pelo Planalto
para apurar o envolvimento de funcionários públicos com a quadrilha foi
prorrogada por dez dias. Talvez dê em nada. Mas o processo judicial
começou a andar. E o desfecho do julgamento do mensalão avisou que ninguém mais
deve considerar-se condenado à perpétua impunidade.
Nos escândalos
anteriores, havia entre Lula e os meliantes em ação um comando formado por
companheiros ─ que funcionou como um oportuníssimo airbag na hora do estrondo.
Desta vez nâo há intermediários entre o candidato a inimputável e a turma da
delinquente que protege há quase 20 anos. As impressões digitais do
ex-presidente estão por toda parte. Foi Lula quem instalou Rosemary Noronha no
gabinete em São Paulo e pediu a Dilma que a mantivesse no cargo.
Foi Lula quem, a
pedido de Rose, transformou os irmãos Vieira em diretores de agências
reguladoras. Sem Lula, Rose não se teria juntado à comitiva presidencial em 23
viagens internacionais. Sem Lula, uma alpinista social de subúrbio jamais teria
feito carreira como traficante de influência. Era Lula a fonte de poder da
quadrilha, que não teria existido sem ele. Pouco importam os balidos do
rebanho, a vassalagem dos governadores ou as genuflexões de Dilma Rousseff (que
conhecia muito bem a representante da Presidência em São Paulo).
Rose é um caso de
polícia criado por Lula. Todos são iguais perante a lei. Ele que trate de
encontrar explicações ─ se é que existe alguma.
2 comentários:
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"todos os jornalistas resolvam perder definitivamente a voz".
É disso que eu tenho medo! Lula só chegou até aqui exatamente porque muitos jornalistas,radialistas e apresentadores de TV. escravos dos favores do planalto e que ainda não desceram do palanque lulista. Por muito menos muitos políticos,governadores e prefeitos foram presos e um ex. presidente da repúblico foi deposto.
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