Se conseguisse manter
na vertical a espinha dorsal, o chanceler Antonio Patriota estaria celebrando
desde sábado, a exemplo dos democratas do mundo inteiro, a chegada ao Brasil de
um perseguido político asilado há 15 meses numa representação do Itamaraty — e
impedido de dali sair pela arrogância de um tirano de ópera-bufa. Como vive de
joelhos, Patriota determinou a a divulgação da seguinte nota sobre a libertação
do senador boliviano Roger Pinto Molina:
O
Ministério das Relações Exteriores foi informado, no dia 24 de agosto, do
ingresso em território brasileiro, na mesma data, do Senador boliviano Roger
Pinto Molina, asilado há mais de um ano na Embaixada em La Paz. O
Ministério está reunindo elementos acerca das circunstâncias em que se
verificou a saída do Senador boliviano da Embaixada brasileira e de sua entrada
em território nacional. O Encarregado de Negócios do Brasil em La Paz, Ministro
Eduardo Saboia, está sendo chamado a Brasília para esclarecimentos. O
Ministério das Relações Exteriores abrirá inquérito e tomará as medidas
administrativas e disciplinares cabíveis.
“A nota de hoje do
Ministério das Relações Exteriores reflete a crise moral por que passa a
diplomacia brasileira”, retrucou o advogado Fernando Tibúrcio, que defende o
parlamentar cassado e caçado por Evo Morales. “Ao invés de proteger e
prestigiar um funcionário que deveria ser visto como exemplo, alguém que
corajosamente tomou a única medida cabível numa situação de emergência, o
Itamaraty optou por jogar Eduardo Saboia aos leões. Pior, inviabilizou a sua
volta à Bolívia, por razões óbvias de segurança”.
Tibúrcio constatou
que, na ânsia bajular o lhama-de-franja, o chanceler “não foi capaz nem mesmo
de lembrar que a esposa do Ministro Conselheiro Eduardo Saboia, funcionária do
Consulado-Geral em Santa Cruz de la Sierra, e os filhos do casal, permanecem na
Bolívia”. A nota oficial abjeta confirma que, se dependesse do ministro, a
clausura de Pinto Molina se estenderia por muitos meses, ou anos. A sorte do
senador é que ainda há no Itamaraty homens que honram o legado da instituição,
cultivam valores morais e não desengavetam os direitos humanos apenas quando
lhes convém.
“Se tudo deu certo, se
uma grave questão humanitária foi resolvida, foi graças aos funcionários
da embaixada”, afirma Tibúrcio. Segundo o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES),
presidente da Comissão de Relações Exteriores e um dos participantes do resgate
de Pinto Molina, a vítima de Evo Morales viajou de La Paz para o Brasil
acompanhado por Eduardo Saboia e escoltado por fuzileiros navais que integram o
esquema de segurança da embaixada. (Nessa espécie de missão no exterior,
militares se subordinam não ao Ministério da Defesa, mas ao chefe da
representação diplomática).
Na viagem de 22 horas
até Corumbá, a 1.600 km de distância, os dois carros com placas consulares que
transportaram o grupo passaram por cinco postos policiais antes de alcançar a
fronteira da Bolívia com Mato Grosso do Sul. Já em território brasileiro,
Saboia telefonou para Ferraço. “Ele me disse que não tinha como levar o
senador até Brasília”, relata o parlamentar capixaba. “Tentei falar com o
presidente Renan Calheiros e com outras autoridades, sem sucesso. Então
consegui um avião e fui buscá-lo e levá-lo para Brasília”.
Ferraço confirmou que
Sabóia se vinha mostrando crescentemente preocupado com a situação de Pinto
Molina: “Ele me disse que advertiu o Itamaraty, porque a situação logo ficaria
inadministrável. Molina estava com depressão, sua saúde estava se
deteriorando”. Inconformado com o teatro do absurdo, Saboia avisou que, se
aparecesse alguma oportunidade, ele próprio trataria de resolver o impasse.
“Não sei se o governo acreditou”, diz Ferraço.
Não acreditou,
grita a reação repulsiva dos condutores da política externa da
cafajestagem. Também surpreendido com a viagem rumo à liberdade do senador que
ousou enfrentá-lo, Evo Morales determinou ao Ministério das Relações Exteriores
que rebaixasse Pinto Molina a “fugitivo da Justiça”. Se pudesse, o chanceler de
Dilma Rousseff já teria deportado o perseguido. Agora é tarde: por
enquanto alojado na casa de Ferraço, Roger Pinto Molina é um asilado político
que o governo está obrigado a proteger.
Os democratas venceram
mais uma. E terminaram o fim de semana estimulados pela reafirmação de que um
Eduardo Paes Saboia vale mais que centenas de antonios patriotas. AQUI
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