O Ministério Público investiga um contrato da Petrobras na Bolívia. O MP quer entender por que a estatal pagou US$ 600 milhões por um combustível “sem nenhuma utilidade”

APURAÇÃO A refinaria  na Bolívia e o relatório dos procuradores (ao alto). Eles defendem  uma auditoria  na Petrobras (Foto: Jose Luis Quintana/LatinContent/Getty Images)


ÉPOCA
ISABEL CLEMENTE COM THAIS LAZZERI
Mergulhada em denúncias de corrupção e fraudes em contratos que podem ter tirado R$ 10 bilhões de seus cofres, com ex-diretores presos e sob a mira da Polícia Federal, aPetrobras vê mais uma tempestade se aproximar no horizonte. O Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU) quer entender por que a Petrobras pagou, em agosto deste ano, US$ 434 milhões (R$ 1,126 bilhão) a mais que o previsto em contrato à YPFB, a estatal boliviana de petróleo e gás, pela “extração teórica” de um combustível “sem nenhuma utilidade”.
A investigação do Ministério Público do TCU ainda não contempla o valor real dessa fatia. Ele pode chegar a US$ 596 bilhões, com a soma de um repasse de US$ 100 milhões (R$ 259,6 milhões) aos bolivianos em 2010 e do perdão de uma multa de US$ 62 milhões (R$ 161 milhões), por falhas na entrega do produto. O anúncio do perdão foi feito pelo presidente boliviano, Evo Morales, para a imprensa local, na cidade de Santa Cruz de la Sierra, durante a assinatura do acordo milionário com a Petrobras. No Brasil, a benesse não foi divulgada. Os pagamentos foram feitos no início de 2010, após Morales ser reeleito pela primeira vez, e em agosto deste ano, às vésperas das eleições nos dois países. Os detalhes da ficção por trás dos pagamentos estão num aditivo ao contrato de fornecimento de gás entre Bolívia e Brasil a que ÉPOCA teve acesso.


A soma das operações na Bolívia, US$ 596 milhões – ou R$ 1,550 bilhão –, supera o prejuízo contábil de US$ 530 milhões (R$ 1,376 bilhão) deixado pela compra da refinaria de Pasadena, outro escândalo sob investigação. Com uma diferença: no caso de Pasadena, a Petrobras ficou com a refinaria, que pode valer menos que o valor pago, mas existe – é um ativo. A YPFB recebeu milhões de dólares pela “extração teórica” de um subproduto do gás já vendido anteriormente à Petrobras, como estabelecido no aditivo do contrato. “Esse aditivo não tem sentido comercial nem técnico. Muda a regra e não oferece nenhuma vantagem em troca. Está fora das melhores práticas da indústria do petróleo, que lida com contratos de longo prazo. É uma jabuticaba internacional”, afirma o advogado Claudio Pinho, professor da Fundação Dom Cabral na área de Petróleo e Gás. “Em mais de 20 anos no setor, nunca vi um contrato que vendesse gás com a molécula fracionada.”

Eis um resumo das tecnicalidades da manobra. O documento estabeleceu que a Petrobras deveria pagar mais pela “extração teórica” da “parte rica” do gás (elementos com nomes que lembram as aulas de química, como etano, metano, propano e butano; submetidos a alta pressão e baixas temperaturas, eles se tornam líquidos). A operação seria como se um frigorífico, depois de ter negociado com um criador de gado o preço da arroba do boi, tivesse de pagar uma quantia a mais pela “extração teórica” do filé-mignon que havia naquela arroba. Com um agravante: a extração dessa parte nobre do gás, tratada no aditivo como “teórica”, jamais foi rea­lizada. Por uma razão simples. Não existe no Brasil nem na Bolívia indústria processadora capaz de dar conta de extrair a “parte rica” de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia, volume do fornecimento da Bolívia. Para ter uma ideia, a maior unidade brasileira, em Caraguatatuba, processa 7 milhões de metros cúbicos por dia.     



Outro aspecto que chamará a atenção dos investigadores: a Agência Nacional do Petróleo (ANP) precisaria autorizar a importação do gás líquido. Consultada, a ANP informou que “não autorizou a importação de líquidos do gás natural proveniente da Bolívia”, porque hoje há “importação de gás natural por gasoduto”. A importação do gás liquefeito, afirma a ANP em nota, precisaria ser feita “de forma segregada. A separação dos líquidos na Bolívia e sua importação por meio de instalação dutoviária específica”, depois de obtida “uma autorização prévia da ANP”.

Herança das negociações do ex-presidente Lula com Evo, o acerto de contas entre as duas petrolíferas, concluído em setembro, foi comunicado de forma seca ao mercado como “um acordo vantajoso”. Na mesma nota, a Petrobras admitiu que o negócio teria um impacto negativo de US$ 268 milhões no balanço trimestral – aquele cuja divulgação foi adiada para se adequar às investigações em andamento na Operação Lava Jato. Continue a leitura no site da Época

Nenhum comentário: