"Quero ser adotado, tio", repete. "Quase foi". Menino dorme em cama de casal em calçada de higienópolis, em SP

"Como posso dormir sabendo que a poucos metros da minha casa, alguém vai dormir todo molhado em com dor?", pergunta Dulce. Por enquanto, a rua está ganhando. 

EMILIO SANT'ANNA
Aos poucos, a rua vai ganhando. Primeiro, em cima de uma árvore. Depois, dentro de uma barraca e, agora, dormindo em uma cama de casal retirada do lixo, o garoto se tornou parte daquele lugar. G., 15, morador de rua.
Por três vezes, ele quase inverteu esse placar. Por três vezes voltou para a rua, em Higienópolis, num dos pontos mais luxuosos de São Paulo.
Conhecido dos moradores do local e, de uns tempos para cá, de todo o bairro, G. insiste em trocar a casa da família, em Cachoeiras de Macacu, no Rio, pela rua do bairro de classe alta paulistano, para a compaixão de alguns e desespero de muitos outros.
"Veja bem onde ele está. Não dá para achar que todo mundo vai gostar", diz um morador da rua, que pede para não se identificar.
Em novembro, como a Folha mostrou, G. morava em uma barraca, no mesmo lugar onde agora, sem cerimônia, montou uma cama de casal, colocou colchão, travesseiro e estendeu um lençol. Antes, já havia passado um mês dormindo em cima de uma árvore na mesma calçada.
"Quero ser adotado, tio", repete. "Quase foi".
No final do ano passado, um grupo de moradores da região se uniu para tentar arrumar um destino adequado para o menino. Resolveram compartilhar abrigo e alimentação do menino.
Poucas semanas antes do Natal, foram até ele, que lutava para conter a água da chuva que inundava sua barraca. Convidaram G. para jantar. Cercado por cinco meninos de rua, saiu-se com esse. "Só vou se vocês levarem ela também", apontando para uma menina do grupo.
Dias depois, no entanto, o garoto cedeu e finalmente saiu da rua. No Natal, levaram-no para a casa da mãe. Era, então, o segundo retorno ao Rio. Esperava-se que fosse o fim da aventura de G. por São Paulo. Não foi.
Da mesma forma como chegou das outras vezes à capital paulista, saiu de casa, foi para a estrada e entrou no primeiro caminhão que concordou em traze-lo até o Ceagesp, na Vila Leopoldina, zona oeste da cidade. De lá até Higienópolis, "um pulo".
Também da mesma forma como antes, a presença de G. começa a incomodar. "Agora mesmo fui até lá e dei um remédio para ele porque estava se queixando de dor nas costas", diz a aposentada Dulce Santucci, 80. "Mas tenho que fazer isso quase escondida porque já estou ficando numa situação ruim com os outros moradores."
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social diz que acompanha o garoto por meio de seus orientadores e técnicos. Segundo a pasta, ele já foi encaminhado para um abrigo, "mas não permaneceu no local".

"Como posso dormir sabendo que a poucos metros da minha casa, alguém vai dormir todo molhado em com dor?", pergunta Dulce. Por enquanto, a rua está ganhando. 

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