Gabeira diz que governo vive a fábula da raposa e das uvas
Estadão
Fernando Gabeira
Fernando Gabeira
Uma
nação não deve ser medida pelo PIB, e sim pelo que faz por suas crianças e
adolescentes. A frase de Dilma Rousseff não é de todo uma fuga da realidade,
como querem alguns críticos. Na Rio+20 o PIB foi muito criticado como
indicador. Surgiram até pessoas fascinadas pela experiência do Butão, pequeno
país encravado no Himalaia que trocou o PIB pelo Índice de Felicidade Nacional.
A
fábula da raposa e as uvas é um dos textos de maior sucesso no governo. Quando
o PIB cresce, é trombeteado como prova "de que nunca antes nesse
país", etc. Quando cai, perde importância porque o essencial é cuidar das
criancinhas, que num passado não muito distante éramos acusados de comê-las.
Embora
tenha apenas a agenda de Dilma como referência, não creio que ela tenha
dialogado com o rei Wangchuck, do Butão. Mas tanto quanto ele, num momento de
desconforto com o PIB ela está buscando novos indicadores. O Butão, segundo
alguns estudiosos da felicidade, como Derek Bok, formulou com critérios
interessantes a nova maneira de avaliar o país.
Dilma
falou das crianças dependentes de uma boa educação como passaporte para o
futuro. Mas os índices internacionais nos colocam em 53.º lugar em leitura e
57.º em matemática, numa lista de 65 países.
Existe
um ponto em que a teoria do Butão daria um socorro a Dilma. Segundo ela, o
primeiro fundamento da felicidade é o desenvolvimento equilibrado. E o programa
Bolsa-Família é um marco internacional na distribuição de renda aos mais
pobres.
A
ideia de equilíbrio implica uma noção de conjunto. Numa das pontas, o
financiamento do BNDES a empresários, conhecido como a bolsa dos ricos, ainda é
uma incógnita à espera de um estudo sobre sua adequação às necessidades
nacionais. Isso não é feito porque o BNDES se recusa a fornecer detalhes e o
pedido da imprensa investigativa para ter acesso a eles foi parar na Justiça.
Na semana passada, o BNDES apareceu financiando o Fusca do século 21, o UP da
Volkswagen, com R$ 352 milhões. Talvez seja uma homenagem a Itamar Franco, que
tinha o sonho nostálgico de ressuscitar o Fusca.
Fui
muito criticado pelos adeptos do governo quando alinhei alguns pontos
preocupantes na conjuntura. Governos não gostam de vê-los alinhados, preferem
uma visão cor-de-rosa. No passado era o "ame-o ou deixe-o",
consagrado pela ditadura militar, que fantasiava um País onde todos os críticos
se exilam.
De
modo geral, previsões otimistas sobre o Brasil continuam a surgir. Fernando
Henrique Cardoso disse, em entrevista recente, que o País está no rumo certo.
Ee le é de oposição. A OCDE lançou um relatório afirmando que o Brasil tem as
melhores perspectivas estratégicas de crescimento entre os países emergentes. E
um dos pensadores mais aclamados do momento, Parag Khanna, também acentuou as
grandes possibilidades do País na economia do futuro, a economia híbrida
fortemente marcada pela conectividade. Estrategicamente, estamos bem na foto.
Mas o futuro não pode ser visto como um o reino dos céus, um marco religioso. No
universo místico, derrotas e sofrimentos terrenos não importam porque eles nos
levam à salvação. No mundo real, um conjunto de erros pode nos afastar das
promessas estratégicas. Daí a necessidade do debate, das críticas.
Que
papel podemos esperar no futuro, se o Brasil aparece em 58.º lugar no ranking
de invenção da Organização Mundial de Propriedade Industrial, bem atrás do
Chile, o 36.º? Caímos nove posições. O atraso brasileiro não se deve só ao
governo. Mas uma política científica e tecnológica ajudaria muito. E deveria
ter sido inaugurada em 2003, no primeiro governo Lula. O PIB está lá embaixo,
fatores que nos trariam esperança para o futuro, ensino e invenção, têm
desempenho desanimador no ranking internacional.
Alguns
adeptos do governo querem nos convencer de que nunca fomos tão felizes, como
quiseram também os militares, em outras circunstâncias. Para ganhar seu
dinheirinho, atacam os críticos e nos chamam de urubus. No meu caso, deviam ter
o salário descontado. Urubu é o símbolo de parte da torcida do Flamengo. Além
disso, tive a sorte de ouvir Tom Jobim falar de pássaros e ele sempre destacava
a elegância do voo do urubu.
O
Brasil está cheio de gente otimista que nos envia beijos no coração e toda essa
ternura de candidato em campanha. Precisamos de alimento para pensar. O futuro
luminoso não é uma fatalidade à prova de um medíocre oba-oba. Ele pode chegar
tarde ou desaparecer no horizonte. O que mais incomoda é associar os impasses
econômicos à decadência política. A Ferrovia Norte-Sul virou mais uma piada, a
última do Juquinha, ex-presidente da Valec, que teve os bens bloqueados. Ele
ganhava em torno de R$ 20 mil e tinha vários imóveis, até uma fazenda de R$ 20
milhões.
De
fora chegam sinais animadoras: Paulo Maluf perdeu os recursos na Justiça de
Jersey e a São Paulo pode reaver US$ 22 milhões desviados de suas obras
públicas. Na Suíça, Joseph Blatter pede a João Havelange que deixe a
presidência de honra da Fifa depois do escândalo da propina. Os torcedores do
Rio querem mudar o nome do Estádio João Havelange para João Saldanha.
Dizem
os economistas que na maré alta todos se movem com facilidade, mas quando ela
baixa descobrimos quem tomava banho nu. Agora que a maré baixou, diante da
nudez de pouco adianta o argumento da beleza interior. É preciso coragem e boas
ideias para um mundo em transição. Anos de poder amolecem e deformam quem se
aproveita dele. Onde está a energia para um novo tempo?
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