Wilton Tapajós em foto postada no seu perfil do Facebook
Ventos indulgentes batem na cela de Cachoeira
Por Guilherme Fiuza - O Globo
Carlinhos Cachoeira disse
que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos
agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto
visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em
cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado
brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros
profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob
suspeita, imediatamente, os investigados pela operação Monte Carlo – alvos do
agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.
O ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é
leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a
operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no
lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas
exageram. No enterro, alguém de bom senso poderia ter soprado ao ouvido do
ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima,
excelência, é uma leviandade.
Mas ninguém fez isso, e nem
poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era
subordinado ao seu Ministério, atuava na principal investigação da Polícia
Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo
devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do
que a agenda do ministro). Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado
pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo
popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim como o consultor
Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o
príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro
nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de
todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se
aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso
plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo).
Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a
ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a
oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não
se sente leviano.
Carlinhos Cachoeira era
comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e
desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta,
intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz
Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual
Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que
começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos.
O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da
máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça
preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja
neutralidade.
Montar golpes contra o
Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o
golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às
vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de
ser inocentado, candidamente, à luz do dia.
Graças a uma providencial
decisão do Tribunal de Contas da União – contrariando parecer técnico anterior
do próprio TCU –, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do
Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve
mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que
permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT,
acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda
descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se
sacrificou por este país).
O melhor de tudo é que uma
lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da
arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado
gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi
operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo
mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo
Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não
vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de
confiar no seu voto.
Esses ventos indulgentes
naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso
com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria
leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.
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