Folha do Estado de São Paulo
Por FERREIRA GULLAR
Falando
francamente, qual é a imagem que se tem de Lula? Melhor dizendo, se alguém lhe
pedisse uma definição do nosso ex-presidente da República, qual daria? Diria
que se trata de uma pessoa desligada, pouco objetiva, que mal repara no que se
passa à sua volta? Estou certo de que não diria isso, nem você nem muito menos
quem privou ou priva com ele.
Ao contrário de alguém desligado, que entrega aos
outros a função de informar-se e decidir por ele, Lula sempre se caracterizou
por querer estar a par de tudo o que acontece à sua volta e, muito mais ainda,
quando se trata de questões ligadas a seu partido e à realidade política em
geral.
As pessoas que o conheceram no começo de sua vida
política, como os que lidaram com ele depois, são unânimes em defini-lo como
uma pessoa sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber do que se passava
na área política e, particularmente, o que dizia respeito às disputas,
providências e articulações que ocorriam dentro do seu partido e no plano
político de um modo geral.
Isso já antes de sua chegada ao poder. Imagine você
como passou a agir depois que se tornou presidente da República. Se hoje mesmo,
quando já não ocupa nenhum cargo no governo nem no partido, faz questão de
saber de tudo e opinar sobre tudo, acreditaria você que, no governo, deixava o
barco correr solto, sem tomar conhecimento do que ocorria? Isto é, sabia de
tudo menos do mensalão?
Veja bem, hoje mesmo, alguma coisa se faz na Câmara
dos Deputados ou no Senado sem o conhecimento da Dilma? Os repórteres, os comentaristas
políticos estão diariamente a nos informar do controle que o Planalto exerce
sobre o Parlamento.
A cada problema que surge, a cada decisão importante,
Dilma convoca os líderes da base parlamentar para dizer a eles como devem agir,
como devem votar, que decisões tomar. Isso Dilma, hoje. Imagine o Lula, quando
presidente, mega como sempre foi, mandão por natureza. Sem dúvida que estava a
par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados. Dá para
acreditar, então, que ele só não sabia do mensalão, nem sequer ouvira falar?
Claro que você não acredita nisso, nem eu.
É evidente que Lula não podia ignorar o mensalão
porque não se tratava de uma questão secundária de seu governo. Longe disso, o
mensalão foi o procedimento encontrado para, com dinheiro público, às vezes, e
com o uso da máquina pública, noutras vezes, comprar o apoio de partidos e os
votos de seus representantes no Congresso.
Não se tratava, portanto, de uma iniciativa
secundária, tomada por figuras subalternas, sem o conhecimento do chefe do
governo. Nada disso. Tratava-se, pelo contrário, de um procedimento de
importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao
funcionamento do governo. Portanto, Lula não apenas sabia do mensalão como
contava com o apoio dos mensaleiros para governar.
Certamente,
o leitor perguntará: por que Lula, esperto como é, arriscou-se tanto? Pela
simples razão de que não desejava dividir o poder com nenhum partido forte,
capaz de lhe impor condições. Como é próprio de seu caráter e de seu partido,
só admitia aliança com quem não lhe ameaçasse a hegemonia.
Não estou inventando nada. Todo mundo leu nos jornais, logo após a vitória nas
eleições presidenciais, que José Dirceu articulava a aliança do novo governo
com o PMDB.Bem mais tarde, com a cara de pau que o caracteriza, afirmou que nunca houve mensalão mas, ainda assim, tentou chantagear um ministro do Supremo. Afinal, por tudo isso, recebeu o título de doutor honoris causa! Merecidíssimo, claro!
Só que Lula não aceitou e, em seu lugar, buscou o
apoio dos pequenos partidos, aos quais não teria que entregar ministérios e
altos cargos nas estatais. Em vez disso, os compraria com dinheiro. E foi o que
fez, até que, inconformado, Roberto Jefferson pôs a boca no mundo.
Lula,
apavorado, advertiu os seus comparsas para que assumissem a culpa, pois, se
ele, Lula, caísse, todos estariam perdidos. E assim foi para a televisão, disse
que havia sido traído e se safou.
Um comentário:
Nada mais zen do que cento e oitenta milhões de carneirinhos pastando resignados, e uma lula contemplando. ( do Livro Desaforismos de Georges Najjar Jr )
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