Nas entrelinhas: Bendito despreparo

É premente a necessidade de evitar que os militares sejam periodicamente vítimas do conceito de culpa coletiva, uma idéia de raízes nazifascistas. Por Alon Feuerwerker – Correio Braziliense

Quem é o comandante-em-chefe das Forças Armadas (FFAA)? O presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem é o responsável pela segurança pública no Rio de Janeiro? O governador Sérgio Cabral.

Num crime horrendo, traficantes do Rio mataram três rapazes, entregues aos bandidos por militares que supostamente haviam sido desacatados pelo trio. Os oficiais e soldados envolvidos já estão presos e irão pagar na forma da lei, militar ou civil. Parabéns às FFAA pela rapidez nas providências. Já os traficantes homicidas continuavam soltos até o momento em que escrevia esta coluna. Vamos aguardar como age no caso a polícia do governador Cabral.

Há todo um movimento de opinião pública para imputar às FFAA, como instituição, a responsabilidade pelo terrível episódio. Isso é tão razoável quanto culpar a Igreja Católica por um eventual caso de pedofilia de um padre. É tão lógico quanto apontar o dedo acusador contra a direção nacional de um partido pelo fato de um vereador da legenda cobrar propina para acompanhar o prefeito nas votações da Câmara Municipal.

Também está na moda dizer que as três mortes indicam a falta de preparo das FFAA para cumprir missões na esfera da segurança pública. Até gente do governo defende a tese. Não deixa de ser curioso, já que, segundo a própria administração federal, as FFAA estão bem preparadas para executar esse tipo de missão no Haiti. Talvez porque nossa presença militar naquelas paragens do Caribe seja pedra de toque do lobby de Lula para obtermos uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Se os militares brasileiros podem estar em Cité Soleil, por que não podem marcar presença no Morro da Providência? Claro que podem. Desde que o façam com o mesmo profissionalismo mostrado, até agora, nas favelas de Porto Príncipe. Evidente que problemas podem acontecer. Soldados são seres humanos, gente de carne e osso sujeita a fraquezas. Para preveni-las e puni-las, aliás, é que existe a lei.

Outro equívoco é defender que as FFAA devem restringir sua ação à defesa do país contra o inimigo externo. As FFAA não só podem como devem empregar seus recursos e sua conhecida capacidade em missões internas nas esferas do desenvolvimento econômico e do progresso social. Fora os lobbies contrariados, não vejo ninguém reclamar quando as FFAA são chamadas pelo presidente Lula para realizar obras rodoviárias. Ou quando se envolvem no apoio material à saúde e à educação de populações necessitadas.

Falsos argumentos à parte, o problema hoje enfrentado pelas FFAA é principalmente político. Nas hostes do antimilitarismo há os sinceros, que no íntimo ainda não conseguiram apagar a memória dos anos da ditadura. E há os espertos, que se valem do compreensível sentimento dos sinceros para tentar encurralar os militares e impedir que exerçam, no âmbito da democracia, seu papel constitucional na defesa do Estado brasileiro e contras as ameaças internas e externas. Um exemplo é a reserva indígena Raposa Serra do Sol.

As FFAA devem habituar-se à dura fiscalização pela sociedade, elemento constitutivo do regime democrático. E a sociedade deve acostumar-se ao fato de as FFAA serem uma instituição como outra qualquer, com bons e maus integrantes. Daí a absoluta e premente necessidade de evitar que os militares sejam periodicamente vítimas do conceito de culpa coletiva, uma idéia de raízes nazifascistas, para não irmos mais longe.

Por falar em esperteza e sinceridade, talvez você esteja a se perguntar por que as duas interrogações no primeiro parágrafo desta coluna. Ora, as FFAA não estariam cumprindo sua atual missão carioca sem a anuência do comandante-em-chefe. E soldados não poderiam confraternizar com traficantes se a polícia do Rio estivesse realmente empenhada em combater os criminosos.

Elementar. Mas, assim como no recente caso da epidemia de dengue no Rio, Lula e Sérgio Cabral decidiram mergulhar e fazer que não é com eles. É uma tecnologia conhecida: fingir-se de morto na hora da batalha e aparecer depois para dividir os bônus da vitória.

Cabral e Lula são momentaneamente beneficiados por uma situação política peculiar. A presença do Exército no Morro da Providência relaciona-se com um projeto do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), candidato a prefeito da capital fluminense. O episódio das três mortes caiu, neste ano eleitoral, como uma luva para os muitos adversários do senador e da igreja dele, a Universal do Reino de Deus (Iurd). Como a igreja tem angariado mais inimigos do que recomendaria a prudência, o tempo fecha para Crivella e ninguém cobra nada do presidente e do governador.

Pensando bem, talvez num aspecto as Forças Armadas estejam mesmo despreparadas. Parece faltar aos nossos militares o necessário adestramento para freqüentar os meandros e labirintos de uma política partidária conduzida sem o menor apreço à verdade e ao interesse público. Bendito despreparo.




LULA ASSINA DECRETO QUE HOMOLOGA RESERVA INDÍGENA NO PARÁ
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta quinta-feira decreto de homologação da terra indígena Bau, no Pará. A reserva tem 1,540 milhão de hectares e é habitada pelos índios Caiapó, no município de Altamira (PA).
O processo de demarcação teve início em 2003, mas desde 1994 o governo tentava demarcar a terra indígena. Segundo a FUNAI, o processo foi lento porque houve disputa pelas terras entre índios, posseiros e madeireiros.

A assinatura ocorreu durante encontro do presidente Lula com CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista) no Ministério da Justiça. O grupo discute temas como saúde e educação nas terras indígenas, além de mudanças na estrutura da FUNAI. No total, 15 ministros acompanham o encontro, entre eles Tarso Genro (Justiça), Dilma Rousseff (Casa Civil), Nelson Jobim (Defesa), José Gomes Temporão (Saúde). Leia matéria aqui, por Gabriela Guerreiro na Folha Online



LULA AUTORIZA MAIS AUTONOMIA PARA DISTRITOS INDÍGENAS, DIZ FUNAI
O Lula da Silva já tomou a decisão de autorizar a autonomia administrativa e financeira para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis). Foi o que afirmaram o diretor de saúde da FUNASA, Wanderley Guenka, e o presidente da FUNAI, Márcio Meira, após reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista. - "O próprio Ministério da Saúde e a Funasa estão empenhados nesse sentido de que haja um fortalecimento dos distritos. Esse é um ponto muito importante para a melhoria da qualidade do serviço de assistência à saúde indígena", afirmou Meira. Segundo Meira, os distritos vão receber recursos do Fundo Nacional de Saúde e poderão aplicá-los com maior eficácia na estrutura de atendimento. Essa mudança na gestão dos distritos era uma das principais reivindicações das comunidades indígenas. - Agência Brasil





ENTREVISTA COM GENERAL CARLOS JANSEN

Comandante da ocupação das ruas cariocas durante a Rio 92 diz que única saída é “descer o morro” – Por Ricardo Miranda - Da equipe do Correio

Responsável pela grande — e possivelmente a mais importante da história — mobilização das Forças Armadas nas ruas do Rio, que comandou durante a megaconferência Rio 92, há 16 anos, o general-de-brigada Carlos Eduardo Jansen acredita que os militares sofreram no Rio a baixa mais temida por um exército: a de sua credibilidade. Resultado da ação de um grupo que, no último sábado, entregou três jovens moradores do Morro da Providência a uma facção criminosa rival do Morro da Mineira, provocando sua tortura e morte. “Isso produziu um desgaste inédito na imagem da instituição. Foi um erro — um erro de concepção, um erro de avaliação”, diz, lembrando que as Forças Armadas sempre foram consideradas a última trincheira da decência na cidade onde a polícia tem péssima reputação.

Com ou sem decisão da Justiça, Jansen acha que ao Exército só resta uma saída agora: descer o morro e encerrar sua missão. Não apenas porque não há qualquer amparo legal para a presença dos militares, e pelo clima de hostilidade gerado pela morte de três jovens, mas também pelo risco que representa uma exposição longa de soldados numa área controlada pelo tráfico.

“Isso é um alerta para que o Exército só seja empregado se forem cumpridos todos os requisitos legais”, afirmou. Embora não acredite na hipótese, Jansen diz não duvidar mais que o grupo de militares que entregou os três jovens a bandidos do morro rival pudesse ter ligações com o tráfico. O Morro da Providência é dominado pelo Comando Vermelho (CV) e o vizinho Morro da Mineira pela Amigos dos Amigos (ADA). “Diante do que aconteceu, não seria mais uma surpresa”, admitiu. Mas se o tenente (Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade) agiu assim porque tinha um contato anterior com os traficantes, vou concluir que a infiltração do crime organizado já está também tangenciando o Exército Brasileiro”, completou. Em sua casa na Tijuca, Zona Norte do Rio, ele falou com o Correio:

“Foi um erro”

- Há algum amparo legal para a ação do Exército no Morro da Providência, que já dura quase seis meses?

Não existe amparo legal. O Exército só poderia intervir na complexa situação urbana do Rio com a decretação do Estado de Defesa no estado, o que não é o caso. O Exército, portanto, não está empregado no quadro que lhe compete. Quando os militares atuam em operações em área urbana, de garantia da lei e da ordem, como agora, não têm um diploma legal que os escoltem, não estão no efetivo exercício do seu dever. É assim que a PM atua e que, quando mata um bandido em confronto, simplesmente elabora um auto de resistência e pronto. Ela está isenta da ação penal. Não é o caso do Exército. O militar está completamente exposto por falta de amparo para ações numa favela. Isso jamais foi definido. Na Rio 92, fizemos um acordo de cavalheiros, mas ali havia cavalheiros dos dois lados...

- Isso significa que a presença do Exército na Providência ocorre à margem da lei?

É um vazio legal, não existe nada que respalde a presença deles lá. É uma loucura! E se não existe uma regra clara de engajamento, o que pode e o que deve fazer um soldado que for agredido à bala, que sofrer uma ameaça à sua integridade, à sua vida? Se o soldado não reagir, pode morrer. Se reagir, pode ser processado e condenado por assassinato. A situação é insustentável para os militares e para os seus comandantes, que ficam numa situação delicadíssima. É uma situação dificílima em todos os escalões. É de alto risco. E, olha, sem possibilidade de vitória. A única coisa que um soldado quer é a possibilidade de vitória. Quando não há possibilidade de vitória, o moral da tropa despenca.

E eles já estão no morro há quase seis meses...
Por isso eu digo, o Exército está ali para dar segurança, muito bem. Para quem? Para a comunidade, para os operários da obra. Mas contra quem?

Quem é o inimigo?
Pois é, quem é o oponente? Se os traficantes do Morro da Providência resolverem investir e comprometer a segurança dos operários que trabalham lá no tal Projeto Cimento Social, o que o Exército vai fazer? Vai olhar passivamente aquilo tudo? Vai reagir? Se só olhar, não vai estar cumprindo a missão. Se reagir à bala, pode ser processado, condenado por assassinato, não tem cobertura legal alguma. Agora, no caso da morte dos três jovens, isso extrapola qualquer tipo de falta ou presença de legislação específica.

O senhor ficou chocado ao ver colegas de farda praticando tal covardia com jovens desarmados?
Esse foi um ato surpreendente para mim. Como um oficial da Academia Militar das Agulhas Negras (o tenente Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade) procede de maneira tão irresponsável? Não acredito que haja um vínculo dele com o crime organizado, mas, diante do que aconteceu, não seria mais uma surpresa. A gente não sabe onde ele mora, quais são suas amizades... Isso aí é um alerta para que o Exército só seja empregado se forem cumpridos todos os requisitos legais.

O senhor crê na responsabilidade final do tenente?
Talvez em face desse quadro impossível, de cumprir uma missão para a qual não se tem autoridade, nem o devido diploma legal, ele quis dar um castigo extra-oficial. E não sei se avaliou todos os desdobramentos disso, se foi algum tipo de conselho dado por um subordinado de forma indevida. Custo a crer que ele tivesse concordado com uma pena antecipada de morte para um simples desacato. Pode ser voluntarismo meu, mas quero crer que não. Se ele agiu assim porque tinha um contato anterior com os traficantes — e as investigações vão provar ou descartar isso — realmente será um choque muito profundo. Porque aí vou concluir que a infiltração do crime organizado já está também tangenciando o Exército Brasileiro.

O Exército deve sair logo da Providência?
Não podia nem ter entrado. Agora, tem que sair rápido!E, após esse terrível episódio, já há um clima de hostilidade da comunidade com o Exército...
Isso produziu um desgaste inédito na imagem da instituição. Foi um erro — um erro de concepção, um erro de avaliação.

O senhor acredita que o Exército foi usado politicamente para favorecer o senador Marcelo Crivella e seu Projeto Cimento Social?
Parece que sim. Mas foi uma decisão do presidente da República. O Exército deveria ter demonstrado os inconvenientes disso ao ministro da Defesa (Nelson Jobim) e ao presidente com mais veemência.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não é o Lula da Silva, que quando acusam sua CORJA de ROUBO, sai dizendo que não pode julgar? Não foi o Lula da Silva, o sabe tudo, que disse: que o caso da menina Isabela, os assassinos não podiam ser acusados sem antes provar? Nesse caso, ele queria mais prova ainda - do que as que foram apresentadas? Ora, esse Lula aponta esse dedo SUJO para todos os lados, quando lhe é conveniente. Que raio de indignação é essa dele? Nunca vi esse senhor vir à público lamentar a tragédia da GOL, e outros crimes bárbaros acontecidos em seu desgoverno. Um lembrete: Perdemos a conta da lista de corrupção do governo Lula,deve ter passado dos 200.

Anônimo disse...

Embora o autor desse fato incrível seja um oficial do Exército, quero crer que não seja exatamente um oficial da AMAN, conforme diz o digno general, o qual tive o prazer de conhecer, ou melhor servir com ele, no 1º Batalhão de Guardas.

Pela falta de experiência e de formação humana e filosófica, parece-me que a ação vem de um oficial da reserva de segunda classe, oficial R/2.

Não que os CPORs formem oficiais que não sejam bons profissionais. Todavia, trata-se de um curso intensivo onde não há tempo para uma formação mais completa.

Naturalmente que não se descarta a possibilidade de um oficial da Academia vir a cometer um desvio dessa gravidade. Contudo, acho muitas vezes mais improvável.

Resta confirmar.