Doméstica apaixonada

Por Olavo de Carvalho –

Totalmente derrotado no seu esforço de ocultar por 17 anos as atividades do Foro de São Paulo, o grande jornal do sr. Otávio Frias dedica-se agora ao gerenciamento de danos, mas, movido por uma espécie de altruísmo mórbido, cuida menos das suas próprias feridas que das do partido governante – aquele mesmo que diariamente o xinga de burguês e vendido.

"PT barrou as Farc em foro de esquerda em São Paulo", proclama o volumoso diário, no tom de quem trouxesse a prova cabal de que as ligações entre Lula e a narcoguerrilha colombiana são uma sórdida invencionice da direita, isto é, deste humilde comentarista.

Mas, como geralmente ocorre nessas ocasiões, o texto da matéria desmente o título, mostrando que se trata apenas de mais uma aposta puerilmente maquiavélica na desatenção do leitor.

A prova que ali se anuncia consiste no depoimento de um advogado colombiano e professor da PUC–SP, Pietro Lora Alarcón. Este conta que foi procurado pelo representante das Farc, Olivério Medina, o qual, desejando participar do grupo de trabalho do Foro de São Paulo em julho de 2005, pedia que o advogado apresentasse uma solicitação formal, em seu nome, à secretaria executiva da entidade. Mas a secretaria – prossegue o depoente – recusou a autorização. O homem das Farc ficou de fora. A mensagem é clara: o PT, partido legalista e avesso à violência, abomina o terrorismo e não quer saber de conversa com narcotraficantes.

Infelizmente, o sentido dos fatos é o inverso disso. Logo antes da conversa entre Medina e Lora Alarcón, a revista Veja havia publicado as declarações do mesmo Medina, de que trouxera 5 milhões de dólares das Farc para a campanha eleitoral de Lula. O escândalo foi tamanho que, por uns instantes, o impeachment do presidente pareceu inevitável. Numa hora dessas, o PT precisaria ser totalmente louco para permitir que seus líderes aparecessem de braços dados com o alegado portador da propina, numa reunião que, para piorar as coisas, não se realizava em Havana nem em Manágua, mas na capital paulista, bem diante dos olhos da intrometida Veja.

Para que, ademais, as Farc iriam pedir autorização especial ao PT para entrar numa reunião do foro, se já participavam desses encontros fazia mais de uma década sem autorização de ninguém? Quem precisava de autorização não eram as Farc, bem-vindas por natureza e por hábito, mas a pessoa do senhor Olivério Medina. Chamar esse indivíduo de batata quente, àquela altura, seria eufemismo: o homem era uma granada de mão sem pino. O PT, ao vetar o ingresso de semelhante explosivo no recinto, não o fez, obviamente, movido pela repulsa às atividades criminosas das Farc – às quais prometera solidariedade integral na assembléia geral do foro em 2001 – mas pela urgência manifesta de recolocar o pino no lugar, o mais discretamente possível. As provas de que as relações PT-FARC continuaram íntimas e afetuosas são abundantes. Eis três - só a título de amostra:

1. Em março de 2006, o governo concedeu asilo político ao senhor Medina, antes mesmo que qualquer investigação séria se realizasse sobre o caso dos 5 milhões.

2. Conforme denunciou o colunista Diogo Mainardi, em 29 de dezembro de 2006 a esposa do senhor Medina foi premiada com um cargo de oficial de gabinete num dos ministérios de Lula.

3. Em dezembro de 2007, as Farc enviam à assembléia geral do foro um documento em que se derramam em elogios ao PT, reconhecendo que, como fundador dessa entidade, o partido do senhor Lula salvou da extinção o movimento comunista na América Latina.

Produzir do nada uma aparência de hostilidade entre PT e Farc é gentileza inútil que só serve para desmoralizar mais um pouco o jornal do senhor Frias, sem lhe dar em troca nem mesmo a gratidão dos esquerdistas. Mas o amor da Folha a essas criaturas é sem fim. Quanto mais a odeiam e desprezam, mais ela insiste em lhes prestar humildes serviços de faxina, como doméstica apaixonada pelo patrão que a maltrata. JB Online



NOVOS DADOS DO PC DE RAÚL REYS MOSTRAM COMO CHÁVEZ CORTEJOU A GUERRILHA

Por Jens Glusing - Der Spiegel

Eles o chamavam de "Anjo". Ele era a o mais alto contato fora da organização guerrilheira colombiana Farc. Cada vez mais detalhes estão emergindo que demonstram o relacionamento próximo entre o presidente venezuelano Hugo Chávez com os terroristas da floresta –

Ele já tinha uma foto dele mesmo posando com o general e herói revolucionário vietnamita Vo Nguyen Giap, e planejava sugerir ao líder cubano Fidel Castro que usasse seu uniforme de combate novamente para uma foto conjunta, disse o "Anjo" ao comandante das Farc Ivan Marquez. Só estava faltando para sua coleção, disse, uma foto com o "J.E.".

"Anjo" era o codinome das Farc para o presidente venezuelano Hugo Chávez e "J.E." era Manuel Marulanda, ou "Tirofijo" ("tiro certeiro"), legendário líder da mais antiga organização guerrilheira da América Latina.

Marulanda está morto, segundo confirmou o comandante das Farc "Timochenko", há dois finais de semana. As Farc alegam que ele morreu de ataque cardíaco, mas o governo colombiano acredita que o líder guerrilheiro foi morto em um ataque militar e ofereceu uma recompensa pelo corpo.

A morte de seu líder é a mais recente em uma série de inúmeros golpes contra às Farc. No início de março, o exército colombiano matou Raul Reyes, segundo no comando do grupo, em um ataque aéreo. Poucos dias depois, Ivan Rios, um comandante, foi morto por um guarda-costas em busca da recompensa oferecida pelo líder da guerrilha. Finalmente, há duas semanas, "Karina", uma das mais brutais e respeitadas guerrilheiras das Farc, entregou-se às autoridades. Acredita-se que ela foi responsável pelo assassinato do pai do presidente colombiano Álvaro Uribe. Essa série de contratempos alimentou especulações que toda a organização guerrilheira está prestes a se render.

Os rebeldes estão mais dependentes do que nunca de seu anjo guardião, Hugo Chávez. Mas Chávez está mantendo-se discreto. Após a morte de Reyes, ele exortou o Congresso venezuelano a observar um minuto de silêncio e até enviou tropas à fronteira colombiana em uma tentativa de intimidar o vizinho e da Venezuela. Entretanto, ele não fez comentários, ao menos inicialmente, em relação à morte de Marulanda. Na reunião de cúpula da União Européia e América Latina no Peru, há duas semanas, o "Anjo" procurou-se retratar como homem de paz.

Contra a parede, Chávez está tentando agradar aos colegas novamente. Entretanto, centenas de mensagens eletrônicas nos computadores de Reyes, muitas das quais obtidas pelo "Spiegel", o expõem como cúmplice da organização guerrilheira terrorista. Washington já expressou sua "preocupação" diante da aliança de Chávez com o grupo rebelde, considerado organização terrorista tanto nos EUA quanto na União Européia. O candidato presidencial democrata Barack Obama também pediu que a Venezuela justificasse seu apoio às Farc.

Novos detalhes estão surgindo constantemente dos computadores de Reyes; menos da metade das informações foram avaliadas até agora. Uma coisa está clara: o comandante barbudo era o guardião das portas do grupo. "Todos os contatos com Marulanda passavam por Reyes", disse o especialista em segurança colombiano.

O líder guerrilheiro direcionava drogas e armas de seu campo no Equador. Ele negociou diretamente com um associado do famoso traficante Juan Carlos Ramírez Abadía, chamado "Chupeta", preso no Brasil, em São Paulo, em agosto de 2007. De acordo com um e-mail que Reyes escreveu aos chefes em agosto, Chupeta embolsa US$ 15.000 (cerca de R$ 30.000) por quilo de cocaína contrabandeada para Europa, onde o preço de mercado é de US$ 30.000 por quilo. "Se as Farc decidirem entrar no negócio, podem fornecer o quanto quiserem: 5 10, 50, 100 ou mais", continuava o e-mail. Reyes estava se referindo a quilos.

Os especialistas estimam que ao menos um terço de toda a cocaína da Colômbia é contrabandeada para a Europa e os EUA pela Venezuela, com as autoridades aparentemente se mantendo cegas às atividades. De acordo com as fontes do governo em Bogotá, soldados da Colômbia em uma base militar na fronteira observam diariamente dezenas de aviões transportando drogas na vizinha Venezuela.

Além disso, Chávez aparentemente forneceu documentos venezuelanos a milhares de colombianos, inclusive muitos guerrilheiros. As agências de inteligência temem que altos membros da ação Farc também tenham viajado para a Alemanha usando passaportes venezuelanos - turistas venezuelanos têm tratamento mais relaxado no país do que os colombianos.

Chávez também aparentemente ajudou os rebeldes das Farc a obterem armas colocando-os em contato com dois contrabandistas de armas australianos. Seus agentes de inteligência prometeram às Farc que dariam peças para a construção de mísseis terra-ar. Em um e-mail para Reyes, no dia 1º de março de 2007, o comandante das Farc Timochenko escreveu que os venezuelanos garantiriam a viagem para um de seus homens para o Oriente Médio, "para que ele possa fazer um curso no uso dos mísseis". A compra dos sistemas de armas completos "é muito complicada, por causa das inspeções", escreveu Timochenko.

Aparentemente, Reyes sentia-se seguro no Equador. A maior parte da correspondência não estava codificada; apenas algumas codificadas por uma "camarada Tânia" em Caracas. Não seria pouco razoável assumir que seu escritório não ficava longe do palácio de Miraflores, que abriga o escritório do presidente venezuelano. O comandante das Farc, Ivan Marquez, quem os agentes de inteligência colombianos acreditam estar morando na Venezuela, aparentemente era visitante freqüente do escritório de Chávez. De fato, a Venezuela parece ter tido um papel crucial no "plano estratégico" do grupo guerrilheiro. Auto-proclamado líder da "Revolução Bolivariana", o ambicioso Chávez está secretamente armando a Venezuela para uma guerra assimétrica contra os EUA -uma estratégia que se parece com a guerrilha que as Farc vêm travando há décadas.

Chávez conferiu a tarefa de administrar as comunicações com as Farc ao ministro do interior Ramón Rodríguez Chacín e ao general Hugo Carvajal, diretor da inteligência militar venezuelano. Rodríguez Chacín, proprietário de uma fazenda na fronteira com a Colômbia, era convidado freqüente nos campos das Farc na Venezuela.

O ministro do interior - descrito pelas Farc como "um verdadeiro mau humorado"- aparentemente ficou tão impressionado com os guerrilheiros que pediu sua assistência para o treinamento das milícias venezuelanas.

"Rodríguez Chacín perguntou sobre formas nas quais ele poderia compartilhar nosso conhecimento de guerrilha", escreveu Marquez no dia 14 de novembro de 2007, em um e-mail para Reyes. De acordo com a mensagem, os venezuelanos estavam buscando informações sobre "modos de operação, explosivos, acampamentos na floresta, preparação de emboscadas, logística e mobilidade... tudo o que seria exigido para reagir apropriadamente a uma invasão americana".

Chávez admirava Marulanda, fundador das Farc, e era "totalmente obcecado" com suas habilidades estratégicas, disse o agente de inteligência colombiano. O líder venezuelano teria oferecido a seu ídolo uma injeção financeira de US$ 300 milhões (cerca de R$ 600 milhões) -a quantia que Marulanda estimou que custaria para seu grupo tomar o controle do governo em Bogotá.

O líder guerrilheiro, que estava sem caixa como resultado da intensificação da campanha de combate às drogas do governo colombiano, precisava urgentemente do dinheiro. As mensagens eletrônicas, contudo, não indicam claramente se o pagamento foi feito de fato. Chávez nega. No entanto, Marulanda, Reyes e os comandantes das Farc trocaram dezenas de mensagens nas quais ele se referiam ao "dossiê" ou aos "300", código para a quantia.

De acordo com a mensagem enviada às Farc, o ministro do interior Rodríguez Chacín tinha preparado um pagamento inicial de US$ 50 milhões. "Um pássaro na mão vale mais do que dois voando", observou a velha raposa Marulanda. Ele também menciona o assunto em seu último e-mail, datado de 20 de novembro de 2007: "Precisamos esclarecer se este é um empréstimo ou uma doação por solidariedade... cria a impressão de que Chávez está interessado em contribuir para a causa das Farc para fortalecer seu projeto geopolítico em uma série de países.”

Esse raciocínio levou Marulanda a emitir uma ordem clara para os comandantes da Farc, dizendo que deveriam manter "boas relações de vizinhança" com a Venezuela.

Tradução: Deborah Weinberg

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