Sindicalismo e escândalos - Por Jarbas Passarinho


Além dos detonadores militares da deposição do presidente Goulart, na área civil, dentre outros fatores decisivos destacou-se a ação açodada dos sindicatos dominados por pelegos e comunistas e as inúmeras greves em íntima ligação com Jango, na preparação para a República Sindicalista, à moda Perón.

Com a eleição do presidente Lula, a temida ameaça da República Sindicalista fez-se realidade. O presidente recompensou os companheiros mal sucedidos nas eleições. Quatrocentos dos mais expressivos foram, de pronto, nomeados para postos na administração federal, quarenta deles no topo da hierarquia das estatais. Nada tenho contra sindicalistas capacitados assumirem funções de relevo no governo, desde que tenham qualificação para ocupá-las. Muitos, porém, não as têm. O critério é serem parte da grei sindicalista do presidente. Um geólogo de pequena empresa particular, perdida a eleição foi agraciado com a presidência da Petrobras. Perdida outra eleição, nova nomeação na própria Petrobras.

A distribuição do butim excedeu as estatais. Para dirigir um órgão superior do Sesi nacional, na estrutura empresarial, veio o fundador da CUT. O mérito para postos bem remunerados é direito adquirido na República Sindicalista onde alguns têm se dado mal funcionalmente e muitos outros decepcionaram no trato desonesto do dinheiro público. Dos escândalos de corrupção ativa e passiva, em seqüência ininterrupta, marco inicial foi o "mensalão", produto da cúpula dirigente do PT, a compra de votos de deputados venais que emporcalharam a Câmara dos Deputados.

No uso dos dinheiros públicos, para fins imorais ou até pessoais, misturaram-se sindicalistas e um lobista beneficiado por licitações fraudadas em estatais dirigidas por sindicalistas do PT. A quarenta deles o íntegro procurador-Geral da República, Antônio Silva de Souza, indiciou e chamou de "organização criminosa". Entre os mais ouvidos no Conselho de Ética da Câmara, o principal foi o cérebro do mensalão, José Dirceu. Todos os membros do Conselho, petistas inclusive, menos um, o consideraram falto de decoro. Só o presidente, que o tinha ao lado, na sala do Palácio, de nada sabia. Compelido a pedir exoneração, fé-lo a pedido. O presidente, visivelmente abalado, concedeu-lha com uma carta afetuosa, cujo vocativo fala por si mesmo: "Meu querido Zé". Revelava a diretriz de seu comportamento.

Todos os corruptos e corruptores, são demitidos a pedido (quando o são), desde Waldomiro Diniz, impune até hoje, e elogiados pelo chefe de um Partido dos Trabalhadores, nascido supostamente para ensinar ética aos outros partidos desprezíveis, "todos farinha do mesmo saco", os mesmos com que hoje governa. Teria melhorado o trigo, com o tempo. Os delinqüentes nitidamente corruptos são justificados, "vítimas do denuncismo" ou do "preconceito racial", caso da ex-ministra da Igualdade Racial. Comprou no freeshop, a serviço de sua nobre causa usando cartão corporativo, um dos mais recentes escândalos. São tantos que o mais novo acaba apagando da memória popular os outros.

As CPIs são inócuas, porque assim os faz a maioria, que antes se vendia por dinheiro, e agora por divisão dos cargos públicos. A dos cartões corporativos proporcionou, a um petista menor, um relatório em que os desonestos não foram incomodados. Só praticaram erros por descuido. Ao mesmo tempo, a chantagem feita contra o casal Fernando Henrique Cardoso, de dossiê comprometedor vira inocente cadastramento de quadros. Este descuido, mais grave, envolve uma vestal e faz voltar às denúncias de tráfico de influência um íntimo amigo e compadre do presidente da República, na venda da Varig.

O Estado de S.Paulo, em dois editoriais sucessivos, deixa o leitor estupefacto, com a citação de fatos e nomes. Destes, um é recorrente na seção policial. É Roberto Teixeira, o generoso amigo e compadre de Lula, que lhe cedeu gratuitamente casa para morar, por oito ou nove anos, pobre torneiro mecânico, livrando-o da despesa de aluguel. Entrementes, segundo o noticiário, o compadre era denunciado por petista histórico de assaltar o cofre de uma prefeitura petista, reservando generosamente uma parcela para o caixa 2 do PT. Sindicância composta por petistas probos, Hélio Bicudo, o hoje deputado federal José Cardoso e Paul Singer, confirmaram a ilicitude. O presidente do PT, naturalmente grato e confiante no amigo, teria mudado de São Paulo para o Rio a reunião do Diretório Nacional do PT, que divergiu dos sindicantes e fez, do denunciante, réu. Disponho de nota de jornal, de Hélio Bicudo e José Cardoso, lastimando a decisão do Diretório.

Agora, reaparece o senhor Teixeira, citado pelo doador da suposta propina de US$ 5 milhões. De início negou, mas já admite ter recebido de honorários US$3,5 milhões por remoção legal de dificuldades também legais, assim afirmadas pela então diretora da Anac. Ganhou o benemérito Teixeira. As "dificuldades" foram removidas", o impedimento legal idem e a Varig vendida fraudulentamente. As dificuldades foram junto à Casa Civil, ou seja, a ministra Dilma Rousseff, mal saída da festa pomposa do casamento da filha, homenageada pela alta burguesia reverente ao poder. Ao mesmo tempo, explode o escândalo do BNDES, parte na corrupção do sindicalista, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, da Força Sindical, com influência no governo por ser aliado. Viva a República Sindicalista, custou desde 64 mas veio.

Jarbas Passarinho é coronel reformado, ex-governador do Pará (1964-1966), ex-ministro do Trabalho e Previdência Social (1967-1969), Educação (1969-1974), Previdência (governo João Figueiredo), da Justiça (governo Collor). Foi presidente do Congresso Nacional (1981-1983). Terra Magazine





A RESPOSTA DE USTRA

Coronel acusado de comandar a tortura no DOI paulista diz que Romeu Tuma sabia de tudo e pede testemunho dos atuais comandantes militares. Por Matheus Leitão

Alvo de uma ação do Ministério Público que tenta obrigá-lo a arcar até com as despesas da União com indenização de presos políticos, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra já montou sua defesa num possível processo. Ustra foi comandante do DOI-CODI paulista entre 1970 e 1974, período em que pelo menos 60 presos políticos perderam a vida sob tortura e centenas foram submetidos a formas diversas de violência e maus tratos.

Para defender-se, Ustra faz um apelo genérico e uma convocação específica. Ele quer que o atual senador Romeu Tuma seja ouvido como testemunha de sua defesa. Num texto de 31 páginas, ao qual ÉPOCA teve acesso com exclusividade, Ustra diz que Romeu Tuma “acompanhou e viveu a situação de violência e o trabalho do DOI, já que, como delegado da Polícia Civil, era o elemento de ligação entre o Comando do II Exército e o Departamento de Ordem Política e Social, órgão no qual estava lotado.” Ustra constituiu um advogado para orientá-lo no processo, Paulo Esteves.

Além do senador Romeu Tuma, Ustra convoca quatro oficiais da ativa do Exército para servirem com suas testemunhas. Ele não está falando de baixas patentes, mas do próprio comandante do Exército, Enzo Martins Peri; do comandante militar do Sudeste, onde funcionava o DOI paulista; do Chefe do Estado Maior do Sudeste e do chefe do Centro Inteligência do Exército, CIEx. Referindo-se a oficiais de gerações posteriores, que fizeram carreira após a democratização, Ustra escreve que “tais militares, ainda que jovens naquela época, vivenciaram ou acompanharam a violência daquela quadra conturbada.”

Com esse pedido, a investigação sobre o passado da ditadura pode transformar-se em confusão e constrangimento no presente.

O argumento de Ustra contra Tuma é que o então delegado assistiu de perto aos trabalhos dos órgãos de repressão que prenderam e eliminaram adversários do regime, em particular integrantes de organizações armadas. No texto de sua defesa, ele implica o delegado no desaparecimento de presos políticos, ao alegar que é possível localizar os restos mortais destes militantes a partir de inquéritos realizados pelo DOPS paulista. A escolha de Tuma não é casual.

Filiado ao PTB, o senador integra a base parlamentar do governo Lula, de onde têm partido sinais de estímulo à reabertura de investigações dos crimes ocorridos durante a ditadura militar e também sobre o papel de Ustra à frente do DOI. Leia matéria completa aqui, na Revista Época




A VOLTA DA CENSURA À IMPRENSA
O Estado de São Paulo

Nos primeiros anos da era Lula, não faltaram motivos para a imprensa temer por sua liberdade. Desde a malfadada tentativa de criar um conselho federal e conselhos regionais para 'fiscalizar' a atividade jornalística à tentativa, igualmente abandonada, de expulsar o correspondente estrangeiro que escrevera sobre o presidente e a bebida - para citar os exemplos mais escabrosos -, o governo emitiu sucessivos sinais de estar interessado em intimidar e, no limite, manietar os meios de comunicação.

Em cada caso, a pronta reação da sociedade e do conjunto dos órgãos de mídia fez ver ao Planalto que o Brasil havia amadurecido o suficiente para não se intimidar diante de quaisquer ameaças dos poderosos de turno ao fundamento constitucional que, acima de todos os outros, distingue o sistema democrático dos regimes de força. Hoje em dia, escolado, o máximo que Lula se permite são eventuais diatribes contra tópicos do noticiário. Ficando nisso, o essencial está preservado.

Ou assim parecia, antes que as baldadas ameaças do Executivo cedessem lugar a um perigo ainda maior, por vir de onde tem vindo - o Judiciário. Pelo País afora, juízes que parecem ter perdido a noção do valor concreto das liberdades públicas vêm tomando decisões francamente incompatíveis com o exercício do direito de informar e ser informado, como se este não precedesse todos os demais na hierarquia jurídico-legal das democracias. Tais decisões nem sempre repercutem com a devida intensidade por afetar pequenas empresas jornalísticas a distância dos principais centros metropolitanos. Nem por isso se deve desconsiderar o seu potencial de gerar perniciosos efeitos cumulativos, fomentando, no limite, uma cultura liberticida. O fato de se tratar de sentenças de primeira instância, passíveis de revogação em escalões superiores, não retira a gravidade da ameaça. Seja porque produzem conseqüências objetivas desde o primeiro momento, seja porque obrigam os atingidos a onerosas e demoradas contestações.

Agora, enfim, a opinião pública nacional tem diante de si atos do Ministério Público e da magistratura que talvez só se expliquem por uma visão distorcida do trabalho da imprensa e das garantias constitucionais que o protegem. Estão aí as multas impostas por juízes eleitorais a um jornal e a uma revista - a Folha de S.Paulo e a Veja São Paulo - por terem publicado entrevistas com a pré-candidata Marta Suplicy, que configurariam propaganda antecipada.

Significativamente, uma ação similar contra o Estado, por uma entrevista com o prefeito Gilberto Kassab, foi arquivada pelo juiz eleitoral Antonio Martin Vargas. Mas o que literalmente passou do limite foi a liminar do juiz substituto Ricardo Geraldo Rezende Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, proibindo o Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo de publicar uma reportagem sobre presumíveis irregularidades no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), sob investigação do Tribunal de Contas da União.

A censura prévia - não há outro termo para a decisão - evoca os anos de chumbo da ditadura militar, quando a imprensa era proibida de publicar o que não interessasse ao regime. Pior, afronta a Constituição que não só veda expressamente a censura à imprensa, como estipula que nenhuma lei poderá 'constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística'. Ao conceder a liminar pedida pelo Cremesp, o juiz intimou o Grupo Estado a 'prestar esclarecimentos' em 72 horas. 'Esclarecimentos sobre o quê?', indignou-se o jurista Dalmo Dallari, da USP. 'Sobre o que vai publicar? Sobre a intenção? Isso é censura.' Antes da decisão, o presidente do Cremesp, Henrique Carlos Gonçalves, advertiu que processaria quem divulgasse o que entende ser uma 'difamação'. Está no seu direito. 'O abuso (jornalístico) é punido a posteriori, jamais previamente', atesta o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. Espanta que a esta altura da história brasileira ainda seja necessário chamar a atenção para essa verdade elementar, consagrada nas leis e na jurisprudência.

Ou para a amarga observação do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, segundo o qual 'o grande inimigo da imprensa hoje é o Poder Judiciário'.

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