O Brasil muda com velocidade espantosa. Quem era ontem um reles ladravaz hoje é um pilar da boa sociedade. A velhota patusca que anteontem desfiava rosários para converter a Rússia vermelha agora está cheia de botox e pilota uma ONG incrementadíssima, que incluiu excluídos de todos os modelitos. Como se repaginar com elegância diante dessas mutações todas? É de bom-tom cobrar a propina antes de sair a licitação? Como demonstrar consciência social sem abdicar do esqui em Aspen? É chique chamar o Exército para servir cocaína numa festa evangélica íntima? Como engravidar do roqueiro sexagenário de passagem pelo Rio e arrumar um programa na TV? É melhor chantagear ou extorquir? Comprar a prazo ou vender a juros? O que fazer com um quadro pintado por José Sarney?
São perguntas de difícil resposta, sobretudo para quem pensa que dá no mesmo falar "para mim fazer" ou "para eu fazer". Foi para orientar o gentil leitor na selva dos novos costumes desses tempos sombrios que The piauí Herald, infatigável na sua missão civilizatória, recorreu aos préstimos do renomado etiquetólogo Rovélson Whitebotton. Nascido no sertão do simpático estado que dá nome a este magazine, o próprio Whitebotton - ou simplesmente Rô, como ele prefere - é um exemplo do caráter semovente da sociedade brasileira, e do que ela pode ensinar a quem estiver disposto a aprender. "Eu achava que resolvia tudo com a peixeira, quando é muito mais ameno e chique fazer amigos e influenciar pessoas", ele conta.
O nosso irrequieto especialista em bons modos foi antes assessor parlamentar, mexeu com moda, lançou projetos, teve um escritório de gerência de crises, tornou-se acadêmico e hoje lidera uma bem-orquestrada consultoria fashion. Seu caminho foi longo. Os percalços, imensos. Mas ele não esquece quem o ajudou. "Devo muito a minha amiga Glorinha Kalil, que me ensinou que ser chique dá um dinheirão, desde que não se esqueça de botar o preço na etiqueta".
DINHEIRO VELHO & DINHEIRO NOVO
Rovélson, meu velho,
Estava pilotando meu iate, em Ilhabela, quando, subitamente, ao dar mais um golinho no meu brüt, senti um ligeiro solavanco. Um marinheiro veio contar que havíamos abalroado um homem não identificado e sem espírito esportivo, que reclama sem parar. Devo socorrê-lo ou deixo por isso mesmo?
LOBO DO MAR DISTRAÍDO
Convém dar uma olhada, Distraído: o preço da elegância é a eterna vigilância. Traga o estraga-prazeres a bordo e pergunte-lhe o nome. Se ele se chamar Kleôncio, Elcione, Neucymar, Ônyx ou correlatos, avise: "Assim que terminar o passeio, direi a meu motorista para levá-lo a um posto de saúde." Garanta que, se ele recobrar o uso da mão (perna, antebraço), você o empregará como marinheiro da lancha, mas sem carteira assinada porque a vida está difícil. Se o nome dele for duplo - Luiz Gustavo, Carlos Alberto etc. -, interrompa o passeio e leve-o você mesmo a uma clínica particular. Mande uma caixa de Cohiba para o pai/padrasto e outra de chocolates Godiva para a mãe/madrasta. Peça para a secretária ligar de dois em dois dias. Na eventualidade de ele responder dando nome e sobrenome - Antonio Pederneiras Bulhões, Luciano Castro e Braga -, vá diretamente ao heliponto e, mesmo que ele tenha sofrido apenas uma leve escoriação no mindinho, levo-o para o Einstein. Caso ele diga que não é necessário, seja firme: "Insisto, e já mandei o jatinho pegar o Pitanguy."
Róv,
Depois de uma noitada alegre, convidei todo mundo a dar uma esticada em Angra. Chegando ao heliponto, me dei conta de que estávamos em vinte, e o meu Sikorsky S-92 só tem lugar para 19 pessoas. Voar espremido é feio, não?
PERPLEXO NO HANGAR
Feíssimo, Perplexo, nada mais feio que um Sikorsky S-92 superlotado. Mas não é uma situação incomum, dado o afluxo de emergentes e agregados. Minha sugestão é que, discretamente, você aplique a minha famosa e eficaz tabelinha de pontos, aquela que embaralha cifrões com aparições na mídia. Quem tiver a menor pontuação é dispensado com uma desculpa educada, do tipo "o piloto tem alergia a seu perfume". Eis a tabela, para você recortar e guardar na sua carteira de crocodilo do Nilo:
TABELINHA piauí Herald DE PONTUAÇÃO SOCIAL
*É letra de música de Caetano Veloso: 20 pontos
*Foi mencionado por Caetano Veloso em entrevista: 13 pontos
* É Caetano Veloso: menos 2 pontos
* Paulo Coelho o chama pelo primeiro nome: 12 pontos
* Sabe de cor o telefone de Arnaldo Jabor: 10 pontos
* É jogador e foi pego com travestis num motel barato: 50 pontos
* Foi mencionado favoravelmente na The Economist: 40 pontos
* Criou uma ONG para inserção social de excluídos: 17 pontos
* Conseguiu com que o Exército reforme o seu curral: 12 pontos
* O presidente o chama de "companheiro": 70 pontos
* O presidente o chama de "aloprado": 85 pontos
* O presidente o chama de José Dirceu: 100 pontos
* Apareceu no último Big Brother: 6 pontos
* Apareceu na Globo News: 5 pontos
* Apareceu na TV Record: menos 5 pontos
* Apareceu no SBT: menos 8 pontos
* Namorou Adriane Galisteu: menos 2 pontos
* Tem um quadro de José Sarney: menos 5 pontos
Continue lendo outras dicas do etiquetólogo Rovélson Whitebotton aqui, na Revista Piauí
Etiqueta para tempos sombrios
BOAS MANEIRAS & AFINS
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2 comentários:
Espetacular e muito chique o Blog de vocês, desse Movimento Vigília. Parabenizo pelas matérias e comentários.
abraços
Vocês não esmorecem!
As pinçadas das desgraças que ocorrem *neste país* estão ótimas!
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