Uma sociedade que se mostra desatenta ou tolerante em relação aos abusos do poder central está passando a corda no próprio pescoço e subindo num banquinho que logo mais desaparecerá de sob seus pés. Isso está em curso no Brasil, e fica para sua escolha crer se ocorre como parte de uma estratégia ou se é algo que os fatos, por si mesmos, espontânea e descontroladamente, se encarregam de desencadear. Em qualquer das possibilidades, saiba: somente a atenção social, a percepção para a natureza do problema, a rejeição de suas conseqüências e a mobilização política podem interromper o que vem por aí.
Muito tenho escrito sobre o desequilíbrio que marca as relações entre os membros da federação brasileira na repartição dos recursos fiscais, que concentra na União mais de dois terços de tudo o que o poder público arrecada no país.
Essa dinheirama, que abarrota os cofres federais em sucessivos recordes de arrecadação, transforma a Presidência da República num poderoso patronato junto ao qual todos os demais entes federados e seus representantes mendigam verbas para atender, minimamente, as demandas de suas comunidades. O presidente e a ministra ungida circulam por aí distribuindo recursos, assinando convênios e recolhendo afagos. São a versão moderna, em dois gêneros, dos antigos mecenas, de cujos gostos flui dinheiro grosso.
Assim, algo que sequer deveria existir (e que, existindo, precisaria ser puramente institucional) se torna subjetivo, pessoal. Não mais se trata, sequer, da velha relação amigo-inimigo – “para os amigos os favores e para os inimigos os rigores”. Não. É coisa bem diferente: sumiram os inimigos, cooptados no indispensável balcão das súplicas, longe do qual nada acontece. Por incontornável exigência dos fatos, ninguém antagoniza o governo federal porque isso prejudica a saúde financeira do Estado ou município que o fizer. E foi assim que subimos no banquinho.
A recente campanha eleitoral serviu para tornar evidente que poucos candidatos se situavam distante da mão indulgente do Planalto. Para os mais chegados, aliás, a expressão “buscar recursos federais” era a palavra mágica de onde derivavam as soluções para quaisquer dificuldades dos municípios.
Era como se estes estivessem dispensados de ter recursos próprios e o orçamento da União fosse a fonte inesgotável que podia irrigar com abundância os programas locais. Quando isso pareceu muito natural a todos e quando nenhuma voz se ergueu para apontar o absurdo da situação, a corda da tirania envolveu nosso pescoço.
Onde foi parar o espírito libertário da nossa gente? Onde o senso de justiça? Estamos submetidos a uma condição servil, a uma sujeição obscena, que se caracteriza pelo aspecto monolítico do poder federal e por sua sedutora e irresistível capacidade de compra. “De todas as tiranias, aquelas exercidas para o bem de suas vítimas acabam sendo as mais opressivas”, ensina-nos o novelista irlandês Clive Staple Lewis. Há que refletir com urgência sobre isso enquanto as autonomias não afundarem totalmente sob o peso das hipotecas políticas depositadas nos cofres da União.
Ali há de tudo, créditos bons e podres, derivativos e subprimes, formando perigosa e faminta bolha de poder. Saiba, leitor: pode haver democracia sem federação. No entanto, havendo federação, tornar ridícula a autonomia dos seus membros é acabar com a democracia. É chutar o banquinho. Jornal Zero Hora
Muito tenho escrito sobre o desequilíbrio que marca as relações entre os membros da federação brasileira na repartição dos recursos fiscais, que concentra na União mais de dois terços de tudo o que o poder público arrecada no país.
Essa dinheirama, que abarrota os cofres federais em sucessivos recordes de arrecadação, transforma a Presidência da República num poderoso patronato junto ao qual todos os demais entes federados e seus representantes mendigam verbas para atender, minimamente, as demandas de suas comunidades. O presidente e a ministra ungida circulam por aí distribuindo recursos, assinando convênios e recolhendo afagos. São a versão moderna, em dois gêneros, dos antigos mecenas, de cujos gostos flui dinheiro grosso.
Assim, algo que sequer deveria existir (e que, existindo, precisaria ser puramente institucional) se torna subjetivo, pessoal. Não mais se trata, sequer, da velha relação amigo-inimigo – “para os amigos os favores e para os inimigos os rigores”. Não. É coisa bem diferente: sumiram os inimigos, cooptados no indispensável balcão das súplicas, longe do qual nada acontece. Por incontornável exigência dos fatos, ninguém antagoniza o governo federal porque isso prejudica a saúde financeira do Estado ou município que o fizer. E foi assim que subimos no banquinho.
A recente campanha eleitoral serviu para tornar evidente que poucos candidatos se situavam distante da mão indulgente do Planalto. Para os mais chegados, aliás, a expressão “buscar recursos federais” era a palavra mágica de onde derivavam as soluções para quaisquer dificuldades dos municípios.
Era como se estes estivessem dispensados de ter recursos próprios e o orçamento da União fosse a fonte inesgotável que podia irrigar com abundância os programas locais. Quando isso pareceu muito natural a todos e quando nenhuma voz se ergueu para apontar o absurdo da situação, a corda da tirania envolveu nosso pescoço.
Onde foi parar o espírito libertário da nossa gente? Onde o senso de justiça? Estamos submetidos a uma condição servil, a uma sujeição obscena, que se caracteriza pelo aspecto monolítico do poder federal e por sua sedutora e irresistível capacidade de compra. “De todas as tiranias, aquelas exercidas para o bem de suas vítimas acabam sendo as mais opressivas”, ensina-nos o novelista irlandês Clive Staple Lewis. Há que refletir com urgência sobre isso enquanto as autonomias não afundarem totalmente sob o peso das hipotecas políticas depositadas nos cofres da União.
Ali há de tudo, créditos bons e podres, derivativos e subprimes, formando perigosa e faminta bolha de poder. Saiba, leitor: pode haver democracia sem federação. No entanto, havendo federação, tornar ridícula a autonomia dos seus membros é acabar com a democracia. É chutar o banquinho. Jornal Zero Hora
Reajustes custarão R$8 bilhões extras em 2008, valor gasto até outubro no programa federal - Por Cristiane Jungblut
O governo federal deve fechar 2008 gastando com pessoal e encargos sociais nos três poderes cerca de R$8 bilhões acima do autorizado inicialmente no Orçamento da União deste ano, que era de R$137,6 bilhões. Em novembro, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo (Siafi), a verba máxima autorizada para a folha de pagamento do funcionalismo está em R$145,9 bilhões. O governo reconhece o aumento, mas fixa o gasto global com funcionalismo num patamar um pouco menor, R$143,9 bilhões, conforme reprogramação orçamentária divulgada em setembro. Segundo cálculos da Comissão Mista de Orçamento, de 2000 a 2009 houve um crescimento de 224% nos gastos do governo com pessoal - na comparação direta dos valores autorizados nos orçamentos.
O Ministério do Planejamento editará novo relatório em novembro, elevando um pouco mais o teto dos gastos com a folha. Segundo técnicos do governo, é possível que não seja utilizada toda a verba autorizada (R$8,3 bilhões), mas algo em torno de R$6,3 bilhões acima do previsto na lei orçamentária.
Para se ter uma idéia do que representa o gasto extra com pessoal, o orçamento do Bolsa Família para 2008 é de R$10,4 bilhões. Além disso, a despesa extra é praticamente o mesmo valor já liberado pela União já para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até 23 de outubro (R$8,2 bilhões). Ou quase metade do total previsto para o PAC este ano.
O crescimento nas despesas do governo com pessoal é fruto do impacto dos reajustes salariais concedidos e do preenchimento de cargos criados este ano. O impacto total dos reajustes - concedidos em quatro medidas provisórias - será de R$11,2 bilhões este ano. Em julho, para cobrir o rombo dos reajustes negociados com quase todas as categorias do serviço público, o governo aprovou no Congresso crédito adicional de R$7,55 bilhões.
Para 2009, o gasto global com funcionalismo saltará para R$169,1 bilhões, sendo R$128,5 bilhões só para o Poder Executivo. São mais R$31,5 bilhões nas contas públicas, se comparados aos R$137,6 bilhões fixados inicialmente para 2008. Só os reajustes dos servidores, aprovados este ano, terão um impacto financeiro de R$29 bilhões em 2009.
Esse impacto já foi incorporado ao relatório preliminar do relator do Orçamento de 2009, senador Delcídio Amaral (PT-MS), o que gerou irritação na área econômica. O relatório do senador, aprovado semana passada pela Comissão Mista de Orçamento, mostra preocupação com os gastos com pessoal: "Para 2009, a estimativa é que as despesas com pessoal representem 37,4% da receita corrente líquida do governo".
Em reunião com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o senador petista avisou que será necessário fazer cortes em custeio devido à crise financeira, que provocará uma queda na receita da União para 2009. Delcídio ponderou que, em tempos de crise financeira internacional, a prioridade deve ser investimento:
- Como relator, acredito que temos que priorizar mais do que nunca os investimentos. O papel do governo, num momento como esse, é fundamental para que a economia sofra menos o impacto da crise. Quanto ao gasto com pessoal, o governo precisa fazer uma reavaliação da gestão. Nem sempre mais quantidade é qualidade - disse.
Arrecadação pode cair em 2009
A própria equipe econômica prevê uma queda de arrecadação em 2009 de mais de R$15 bilhões, com um efeito direto para a União de R$8 bilhões. Além disso, o governo já admitiu que vai cumprir em 2009 apenas a meta de 3,8% do PIB para superávit primário, sem poupança extra, como vinha fazendo, com um superávit na prática de 4,3%.
A discussão sobre os gastos do governo com o funcionalismo é reforçada pela oposição, que impediu, semana passada, a aprovação na Câmara da criação de cargos para a Educação. O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que acompanha a aprovação de projetos e MPs a respeito do assunto, diz que o governo promove uma "irresponsabilidade fiscal". Os tucanos apostam que a folha chegará a R$152,9 bilhões este ano.
- O governo está com um certo irrealismo. Parece que, cada vez mais, tem compromisso com aumento de salários e criação de novos cargos. O governo não observa a responsabilidade fiscal quando dá aumentos que ficarão para 2011 e 2012. Quando o ministro (Paulo Bernardo) diz que não vai dar aumento, se não tiver o dinheiro, está confessando que não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal - critica Madeira.
Paulo Bernardo tem demonstrado irritação com as críticas à política de reajuste e de criação de cargos. Perguntado sobre o assunto na última quinta-feira, ficou extremamente irritado e se recusou a falar, ressaltando apenas que os gastos já estavam previstos e sob controle.
Paulo Bernardo sempre prefere dizer que os gastos com folha são de R$133,3 bilhões. Ele exclui a Contribuição Patronal da Seguridade do Servidor (CPSS), de cerca de R$10 bilhões, da conta.
Para a professora-adjunta e integrante do Grupo Conjuntura da UFRJ, Margarida Gutierrez, a arrecadação deverá ter uma queda, devido à desaceleração da economia brasileira em 2009:
- É um quadro diferente do experimentado até agora pelo governo Lula. O padrão anterior foi rompido, porque o crescimento dos gastos tinha como base um aumento da carga tributária. Agora, o país vai crescer menos. Terá que haver mudanças no Orçamento, não há milagres - disse.
Leia também sobre o assunto na Folha de São Paulo
FUNCIONALISMO CUSTA MAIS QUE DÍVIDA
Os gastos com o funcionalismo federal vão superar neste ano os encargos da dívida pública e se tornar a segunda maior despesa da União, só atrás dos benefícios da Previdência Social. Desde 2006, o Planalto aproveita os recordes na arrecadação tributária para dar aos servidores reajustes salariais muito superiores aos da iniciativa privada.
GOVERNO GASTA MAIS R$ 6,5 BI COM AUMENTOS
Planalto aproveita recordes na arrecadação para dar ao funcionalismo reajustes muito superiores aos da iniciativa privada. Como os desembolsos com salários, aposentadorias e juros são obrigatórios, União deverá cortar investimentos para reequilibrar as contas.
Impulsionados pelo maior pacote de reajustes salariais concedido pelo governo Lula, os gastos com o funcionalismo federal vão superar neste ano os encargos das dívidas interna e externa e assumir o posto de segunda maior despesa da União, só atrás dos benefícios da Previdência Social.
Pelas previsões oficiais, a mesma ordem será mantida em 2009, quando o governo será obrigado a reduzir seus gastos em pelo menos R$ 8 bilhões devido aos efeitos da crise.
Como aposentadorias, salários de servidores e juros são despesas obrigatórias, e todas em tendência de alta, o corte pende, mais uma vez, para o lado dos investimentos, incluindo os do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) -justamente o que o Planalto promete poupar.
Será de R$ 133,4 bilhões, segundo as estimativas mais atualizadas do Orçamento, a folha de pagamentos aos funcionários ativos e inativos em 2008, um aumento de R$ 6,5 bilhões em relação ao que era estimado antes da edição de três medidas provisórias, duas ainda em tramitação no Congresso, com benefícios para praticamente todas as carreiras do Poder Executivo. Para comparação, os gastos neste ano com o Bolsa Família devem chegar a R$ 10,6 bilhões.
Juros e discursos
Outrora maiores vilões do déficit público, os gastos com juros da dívida federal deverão cair pelo terceiro ano consecutivo. Depois do recorde de R$ 129 bilhões contabilizado em 2005, a conta anual deverá ficar R$ 25 bilhões menor até dezembro, segundo as projeções da área econômica. Dos grandes grupos de despesas da União, a financeira é a única que tem crescido em ritmo inferior ao da renda nacional.
Apesar do discurso histórico do PT de ataque às despesas com juros e das estreitas ligações do partido com os sindicatos do funcionalismo, a conta financeira sempre superou a folha salarial no governo Lula -exceção feita a 2004, quando houve uma queda momentânea das taxas do BC.
Desde o ano da reeleição do presidente, porém, o Planalto aproveita os recordes na arrecadação de tributos para distribuir aos servidores reajustes salariais muito superiores aos da iniciativa privada e só comparáveis aos aplicados ao salário mínimo. Não por acaso, as despesas com pessoal e aposentadorias têm crescido mais que o Produto Interno Bruto.
Como os gastos com os salários dos servidores federais são obrigatórios e permanentes, sua expansão torna o Orçamento da União mais engessado -como o próprio governo admitiu no lançamento do PAC, ao enviar ao Congresso projetos para limitar tanto as benesses do funcionalismo como o aumento do mínimo, com o objetivo de abrir mais espaço para os investimentos prioritários em infra-estrutura.
No primeiro caso, propunha-se que os gastos com pessoal só poderiam subir 1,5% anual acima da inflação. Não só a proposta ficou parada no Legislativo como o Executivo tratou de desmoralizar a regra, ao expandir os gastos deste ano eleitoral em algo como 8% acima do IPCA esperado.
No ano que vem, o pacote de reajustes escalonados significará um aumento real de gastos na casa dos 10%.
Para o salário mínimo, a norma do PAC prevê reajustes equivalentes à variação da inflação mais o crescimento do PIB apurado dois anos antes. Embora o projeto tampouco tenha sido aprovado pelo Congresso, a fórmula, ao menos, está sendo aplicada no Orçamento de 2009 -no entanto, ela só funciona para limitar o aumento dos gastos se o crescimento econômico se mantiver.
Como a economia do país cresceu acima dos 5% previstos pelo PAC em 2007, mas sofrerá uma desaceleração no próximo ano devido à crise global, o salário mínimo terá, mais uma vez, um reajuste superior ao crescimento do PIB. O resultado é que, no projeto de Orçamento, 75% das despesas não-financeiras são obrigatórias. As despesas nas quais o governo tem algum poder de decisão, entre as quais os investimentos do PAC, somam R$ 151,9 bilhões. É sobre essa fatia que recairá o corte de gastos destinado a compensar a esperada queda na arrecadação. Folha de São Paulo – Por Gustavo Patu
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