Infanticídio – Denis Lerrer Rosenfield

O Brasil está sendo tão acometido da sanha do politicamente correto que o olhar de muitos não consegue ver coisas que acontecem ao nosso redor. Assim, há em curso uma tentativa de resgate de nossa história que está escorregando no seu contrário, como quando os indígenas são vistos segundo a ótica do "bom selvagem", no sentido de Rousseau. A política indigenista aí enraizada, com apoio explícito de movimentos ditos sociais, termina por pactuar com comportamentos que atentam diretamente contra a própria Constituição. Em nome do relativismo moral, da igualdade entre todas as culturas, comportamentos dos mais inusitados, para não dizer bárbaros, são admitidos.

Há vários relatos de infanticídios entre as populações indígenas, que são simplesmente tolerados, se não explicitamente admitidos, em nome da igualdade entre culturas. As causas podem ser as mais variadas, desde a existência de gêmeos até a escolha de sexo, passando pelos mais distintos motivos. Em terra ianomâmi, tão celebrada como exemplo de política indigenista, tudo indica que se trata de uma prática comum.

Observe-se que esses índios são os que vivem mais à parte do contato com os civilizados, embora em muitas aldeias existam postos da Funai e da Funasa. Habitam um imenso território e, no entanto, vivem subnutridos, o que é visível à simples observação dos homens e das mulheres. O argumento de que amplas extensões de terras são fundamentais para a sua reprodução física parece não se sustentar, dadas as suas condições precárias de vida. A ideia do bom selvagem em condições idílicas parece ser mais um produto ideológico da Funai, do Cimi e dos movimentos sociais em geral.

Numa das aldeias, é comum o relato do infanticídio enquanto prática cultural dessas populações. Nas palavras de um interlocutor, matar ou não um recém-nascido é uma "decisão dos pais". Ou seja, cabe ao livre-arbítrio dos pais manter ou não em vida um recém-nascido, não havendo nenhuma lei que se sobreponha a essa. Nesse sentido, eles se situariam fora ou acima da Constituição brasileira, que assegura o direito à vida. Os argumentos apresentados podem ser vários, desde o tamanho da roça até o fato de os indivíduos do sexo masculino serem privilegiados, com a morte consequente de recém-nascidos do sexo feminino. Imaginem se tal prática fosse universalizada, tornando-se válida para todos os brasileiros!

Ora, quem sustenta o infanticídio como sendo apenas uma prática cultural compactua, na verdade, com um crime severamente punido pela legislação brasileira. Os indígenas são, assim, tratados como se não fossem brasileiros, a lei não se aplicando a eles. Temos aqui um evidente paradoxo: como a Constituição brasileira não se aplicaria a eles, estando suas aldeias situadas em território nacional e sendo auxiliados, e mesmo apoiados, por instituições do Estado? Como pode uma cláusula pétrea ser relativizada dessa maneira?

Ainda numa outra aldeia, da mesma tribo, há relatos de que o infanticídio seria cometido com o conhecimento de missionárias ali instaladas. As mulheres vão para o mato antes do parto, costumam ter seus filhos sozinhas, voltando, depois, sem o recém-nascido. A morte é feita por sufocamento, com a mãe asfixiando a criança no chão, com o pé. A situação não poderia ser mais escandalosa, pois esse tipo de conivência contraria frontalmente os princípios do cristianismo e, de modo mais geral, de toda a humanidade. Os princípios mesmos do Evangelho são frontalmente desrespeitados. Como pode uma prática dita cultural se sobrepor a um princípio universal? Salvo se partirmos de uma outra posição, a saber: a inexistência de princípios universais, o que equivaleria a remeter toda a humanidade à barbárie. Por que não reintroduzir, então, a antropofagia, prática que foi comum a determinadas tribos na história brasileira, em nome da "igualdade" entre diferentes culturas?

A situação deveria suscitar a indignação moral. Em nome de uma "prática cultural", haveria conivência com o assassinato de recém-nascidos, como se esta prática devesse ser "culturalmente" preservada. Ou ainda, em nome do "estruturalismo", é como se devêssemos abdicar de nossa capacidade de julgar. Parece, no entanto, haver uma tergiversação geral sobre o assunto, englobando as diferentes autoridades envolvidas. Trata-se de uma manobra propriamente política perante a opinião pública brasileira, que desaprovaria tal prática se dela tivesse conhecimento. Vendem, porém, um outro produto, o de que os indígenas são "bons selvagens", havendo uma harmonia natural entre eles, como se o assassinato, por exemplo, fosse fruto do mundo civilizado. Para que possam guardar as suas respectivas posições de poder, continuam insistindo nessa ideia rousseauniana ao arrepio completo da verdade.

A opinião pública condena severamente o infanticídio. Uma menina que teria sido assassinada pelo pai e pela madrasta, atirada de um edifício, ocupou durante semanas o noticiário radiofônico, televisivo e impresso do País, causando indignação geral. Provocou uma verdadeira comoção nacional. Outros casos são também relatados com detalhes, produzindo uma intensa reação e suscitando fortes emoções. Mesmo criminosos, nos presídios, não compactuam com essa prática, procurando eliminar fisicamente os que realizam tais atos. O próprio "código" dos criminosos exclui essa prática, por se colocar fora dos parâmetros de qualquer tipo de humanidade. Por que seria ela tolerável entre os indígenas? No fundo, o que está em questão, para aqueles que defendem tais posições ou são omissos em relação a elas, é o medo da perda de suporte junto à opinião pública. Se fossem mostrados coniventes e cúmplices com tal prática, perderiam sustentação e seriam forçados a abdicar de suas posições ideológicas e políticas. Eis por que o ocultamento é aqui a regra. Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS -
O Estado de São Paulo





DINHEIROS HUMANOS
Após mulheres torturadas nas cadeias, a governadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) levou mais R$ 500 mil do governo federal para convênio relacionado a direitos humanos, sem indicação para onde vai o dinheiro. Por Cláudio Humberto


Comentário
Como é possível essa "Cangaceira" continuar no poder depois do genocídio no Pará, onde 300 recéns-nascidos morreram pelo pouco caso dessa pestista? Essa sujeita desclassificada devia sair algemada direto para a cadeia, com outros 30 presos, homens, para experimentar os "direitos humanos" que ela merece. Por Gabriela/Gaúcho





FILME REACENDE POLÊMICA EM TORNO DO ABORTO
Documentário, com depoimentos defendendo a descriminalização da prática, recebeu R$80 mil da Fiocruz

A polêmica sobre a legalização do aborto, que opõe o Ministério da Saúde à Igreja e à bancada evangélica no Congresso, vai ganhar um novo capítulo nas telas. A Fundação Oswaldo Cruz, vinculada à pasta, liberou R$80 mil para a filmagem do documentário "O fim do silêncio", uma coleção de depoimentos de mulheres que interromperam a gravidez e defendem a descriminalização da prática. Em fevereiro, o órgão vai distribuir gratuitamente duas mil cópias em DVD para escolas e entidades feministas.

O projeto venceu 35 concorrentes e foi o único documentário de média-metragem selecionado no primeiro edital de vídeo da Fiocruz, referência em pesquisa e produção de vacinas. Também receberam patrocínio filmes de ficção que abordam temas de saúde.

Documentário é "claramente a favor do aborto", diz diretora.

A diretora Thereza Jessouroun diz ter idealizado o roteiro ao ouvir declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a favor da descriminalização do aborto. De acordo com ela, o projeto se materializou após a abertura do edital da Fiocruz, cuja direção é nomeada pelo ministro.

- Assim que tomou posse, o ministro Temporão disse que o aborto é uma questão de saúde pública. Achei a declaração corajosa e comecei a pesquisar o tema, até sair o edital da Fiocruz - conta.

Thereza nega que seu documentário seja uma peça de propaganda, mas admite que o filme só dá espaço a um dos lados da discussão.

- Documentário não é como jornalismo, que tem a obrigação de ser imparcial. Tem que ter posição marcada, e este é claramente a favor do aborto - afirma.

A cineasta diz que chegou a entrevistar especialistas contrários e favoráveis à prática, como previa o projeto original, mas optou por manter apenas a participação das mulheres. A pedido da direção da Fiocruz, o material descartado será incluído nos extras do DVD.

- Ficava muito fraco. Editei de mil maneiras e não ficava bom - diz ela, sobre a versão prevista originalmente.

Antes do lançamento, filme já desperta crítica de religiosos

Há um mês no YouTube, o trailer de "O fim do silêncio" já recebeu mais de 2,5 mil visitas e tem provocado um debate caloroso entre os espectadores. O filme mostra os rostos das entrevistadas, que são identificadas com nomes e profissões. Na montagem, os depoimentos foram encadeados por estimativas segundo as quais 200 mulheres morrem em cerca de um milhão de abortos realizados a cada ano no país. A fita entregue à Fiocruz tem 52 minutos, mas a diretora pretende reaproveitar o material numa versão estendida para a tela grande.

Mesmo antes do lançamento, o filme já desperta críticas de religiosos. Dom Antonio Augusto Dias Duarte, bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio e integrante da Comissão de Vida e Família da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), critica o patrocínio da Fiocruz:

- Não me parece correto, do ponto de vista ético, financiar com dinheiro público um filme que defende posições pessoais do ministro.

Diretor da Fiocruz diz que debate é bem-vindo Um relatório sobre a concorrência, disponível no site da fundação, informa que, "como critério principal, ficou estipulado que os projetos a serem selecionados devem estar de acordo com o ideário da Fiocruz".

O diretor do selo Fiocruz Vídeo, Umberto Trigueiros, diz que o documentário foi selecionado por uma comissão integrada por críticos e não sofreu interferências do órgão, além do pedido para incluir argumentos pró e contra o aborto nos extras do DVD. Ele afirma que o debate é bem-vindo:

- A Fiocruz é uma instituição acadêmica, tem que estar aberta à polêmica. - Por Bernardo Mello Franco O Globo

Nenhum comentário: