Direita vê "socialização" dos EUA

Críticos de medidas econômicas de Obama não distinguem entre social-democracia e comunismo. Historiador aponta cultura que valoriza mérito como origem da polêmica e vê paradoxo em democratas antes inclinados ao centro.


Em parachoques, adesivos aludem ao "camarada Obama" e aos "USSA" (Estados Socialistas Unidos da América). Em discursos, conservadores gritam contra o "eurossocialismo" e "a volta de Lênin e Stálin". A partir de uma leitura particular do momento histórico, críticos conservadores do presidente dos EUA, Barack Obama, estão evocando o adjetivo "socialista" para descrever suas ações.

A onda vem da campanha eleitoral. Mesmo antes de dizer a um eleitor que seu plano de subir os impostos para os ricos pretendia "espalhar a riqueza", havia quem achasse Obama um esquerdista "radical".

Mas agora, com seu Orçamento expansionista, planos de aumentar a cobertura da Seguridade Social e do sistema de saúde e as intervenções anticrise na economia, a grita cresceu - e na maior parte das vezes não faz distinção entre a social-democracia e o "socialismo real" da antiga URSS.

Obama não é contrário a um Estado mais presente na economia - enquanto o democrata Bill Clinton (1993-2000), ainda no embalo do reaganismo, declarou que "a era do governo grande acabou", ele diz defender um governo "eficiente".

No site Real Clear Politics, Cathy Young lembra que nem sob Reagan (1981-1989) os EUA tiveram Estado mínimo: "Nem Reagan nem o Congresso republicano foram capazes de reverter a expansão do governo".

O debate sobre o teor de "socialismo" de Obama tomou tanto meios mais identificados com a direita, como a Fox News, quanto de linha moderada. A "Newsweek" estampou em sua capa a manchete "Somos Todos Socialistas", e até Roger Cohen, colunista do "New York Times" que crê que as ações de Obama contra a crise vão na direção correta, alertou que "é preciso se afastar da tentação de uma nova França".

Para o historiador Alexander Keyssar, da Universidade Harvard, os que usam a palavra "socialismo" têm em geral duas coisas em mente. Primeiro, ligam qualquer intervenção social ou econômica do governo ao "Estado de bem-estar", que consideram um termo pejorativo. "Muitos americanos veem a Europa como um lugar de assistencialismo, economia estagnada e pouca iniciativa individual", diz ele.

Nesse ponto entra a comparação negativa com governos europeus, principalmente os nórdicos. "Com os efeitos de uma grande expansão do governo, os Estados de bem-estar europeus são uma janela para nosso futuro: padrões de vida permanentemente 30% abaixo do que temos hoje", escreveu no "Wall Street Journal", o economista Michael Boskin.

Ecos culturais
Antes de Obama, Franklin Roosevelt (1933-45) já foi chamado de socialista. E Keyssar diz que a comparação também foi exagerada então. "É mais correto dizer que Roosevelt esvaziou o risco de uma revolução socialista nos EUA. Ele tentou, por exemplo, assegurar depósitos bancários e fomentar o emprego público. A longo prazo, fortaleceu o poder dos trabalhadores e baixou a tensão."

Parte da questão, segundo ele, é cultural. Os EUA são um país que valoriza o individualismo e o sucesso pessoal e rejeita a noção de redistribuir renda para quem não teve o mérito de ganhar dinheiro. "O que as pessoas não enxergam é que o sistema de impostos atual redistribui a riqueza, só que favorecendo o topo da pirâmide."

Mas há também no debate um paradoxo político. Keyssar lembra que grande parte dos democratas hoje no poder foi formada na era Clinton, que levou o partido mais para o centro. Sua linguagem mudou. "Ninguém fala mais de classe trabalhadora e sim de classe média. Há uma extraordinária relutância da centro-esquerda em fazer críticas ao mercado. Eles morrem de medo de levantar o conceito de luta de classes.

Keyssar acrescenta que a geografia e o racismo também contam. Os locais onde os republicanos mais conservadores retêm poder estão no sul do país. E ali há uma compreensão particular de intervenção federal, historicamente comparada a um "desarranjo" das antigas relações raciais. Contribui para isso o fato de programas de assistência muitas vezes beneficiarem minorias, numerosas em grupos de baixa renda.

Ainda assim, ele acredita que a recessão e o aumento do desemprego, que hoje atinge 12,5 milhões de americanos, fazem baixar a resistência às ações governamentais. É por isso, afirma, que a popularidade de Obama segue acima dos 60%. – Por
Andrea Murta de Nova York - Folha de São Paulo

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