MAIS UM FIASCO
O Pacote de Lula ignora aspectos urbanísticos e é criticado pelos especialistas
“Vamos produzir um montão de casas sem cidade, infraestrutura, emprego, reproduzindo nosso modelo clássico de desenvolvimento urbano: Cidade de Deus 2."
Para especialistas, medidas do governo são mais "imobiliárias" do que "habitacionais'; relatora da ONU teme novas "Cidades de Deus”. Após mais de um ano de debates, plano em vigor hoje não está sendo aproveitado para a formulação das novas medidas, avaliam estudiosos
O plano de construir 1 milhão de casas até o fim de 2010 é visto como incapaz de atacar as principais carências habitacionais do país -e reduzir, de fato, o déficit de 7,9 milhões de casas. As principais medidas aventadas focam aumento de recursos orçamentários, desonerações, criação de um fundo garantidor e ampliação do teto de recursos do FGTS para financiamento.
A arquiteta Raquel Rolnik, da USP, relatora de direito à moradia da ONU, diz que há "uma diferença muito grande entre medidas de fomento à construção civil e política habitacional", e o pacote é mais imobiliário do que outra coisa, afirma.
Para Rolnik, uma intervenção dessa magnitude não pode prescindir de uma estratégia fundiária e urbanística - ponto que, até agora, não foi tocado pela cúpula do governo. Caso contrário, diz Rolnik, vai haver substancial aumento no preço dos terrenos, com duas possíveis consequências: o subsídio do governo vai escorrer para os donos de terras ou a baixíssima renda vai ser alocada nos terrenos mais baratos - e apartados.
"Ou seja, vamos produzir um montão de casas sem cidade, infraestrutura, emprego, reproduzindo nosso modelo clássico de desenvolvimento urbano: Cidade de Deus 2."
Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular, diz que para alguns problemas centrais o pacote não propõe solução: "Onde as casas serão feitas? O que vamos fazer para segurar o preço da terra? Prefeitos que usarem as Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social] terão prioridade?".
A especialista em política da habitação e professora da USP Erminia Maricato diz que o pacote é "louvável" como medida antirrecessão -mas há "travas". "Acho que o governo não percebeu que a questão fundiária pode ser uma trava, ouve muito o mercado; e eu dirijo o principal da minha crítica à regressão nas cidades brasileiras, que se recusam a aplicar a função social da propriedade para fazer inclusão social."
Rolnik diz que a própria lógica de moradia que orienta o pacote está equivocada: pensa-se em uma única estratégia -produção de mais casas- para diferentes necessidades habitacionais existentes. A professora propõe outras ações, como urbanização e regularização de áreas precárias já construídas, aluguel subsidiado e ocupação de prédios vazios (6,6 milhões).
Outra contradição apontada no pacote é a desarticulação com o PlanHab (Plano Nacional de Habitação), formulado ao longo de um ano e meio de discussões públicas. O objetivo do plano, finalizado em dezembro, era servir como base das estratégias do Ministério das Cidades para equacionar o problema da habitação até 2023.
O PlanHab tem quatro eixos: financeiro, urbano-fundiário, institucional e produtivo. Para o coordenador do plano, o arquiteto Nabil Bonduki, da USP, as medidas divulgadas até agora se fixam no eixo financeiro e flertam com o produtivo.
Do primeiro, aproveita a ideia do fundo garantidor. Mas, no PlanHab, ele seria permanente e voltado ao grupo com renda de até R$ 1.600. Para o presidente da FEA (Federação Nacional de Arquitetos), Ângelo de Arruda, o aumento do fundo para até dez mínimos tira recursos da renda mais baixa e dificulta a redução do déficit nessa faixa. Crítica parecida é feita em relação à ampliação do valor financiado pelo FGTS.
Outro dispositivo do plano era o ranking dos municípios a partir do tratamento que eles dessem às questões urbanísticas, que seria usado na distribuição dos recursos da União. Até agora, não há estímulo à regulação fundiária no pacote. Por Natalia Paiva da Folha de São Paulo
PACOTE HABITACIONAL NÃO ALIVIARÁ DÉFICIT DE MORADIA NO PAÍS
O pacote habitacional que o Lula da Silva deve anunciar esta semana será um conjunto de medidas que estão longe de resolver o déficit de oito milhões de moradias no país, alertam representantes do setor privado e os próprios técnicos do governo.
Matéria de Martha Beck e Geraldo Doca mostra que o plano, que prevê subsídios e corte de impostos para incentivar a construção de 1 milhão de unidades até o fim de 2010, é mais uma forma de ajudar a construção civil - para gerar empregos e reaquecer a economia diante da crise global - do que um programa de longo prazo para permitir que os brasileiros realizem o sonho da casa própria.
Com subsídios que podem superar R$ 24 bilhões, incluindo R$ 12 bilhões do FGTS até 2011 e recursos do Fundo Soberano, o programa federal corre o risco de não ter continuidade em um outro governo.
- Se o próximo governo não quiser manter esse tipo de subsídio, não há nada que se possa fazer - admite um técnico da equipe econômica. Apesar do risco, o coordenador do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), disse esperar que a novas medidas contribuam para implantar uma política de longo prazo para o setor. Martha Beck e Geraldo Doca – O Globo
O Pacote de Lula ignora aspectos urbanísticos e é criticado pelos especialistas
“Vamos produzir um montão de casas sem cidade, infraestrutura, emprego, reproduzindo nosso modelo clássico de desenvolvimento urbano: Cidade de Deus 2."
Para especialistas, medidas do governo são mais "imobiliárias" do que "habitacionais'; relatora da ONU teme novas "Cidades de Deus”. Após mais de um ano de debates, plano em vigor hoje não está sendo aproveitado para a formulação das novas medidas, avaliam estudiosos
O plano de construir 1 milhão de casas até o fim de 2010 é visto como incapaz de atacar as principais carências habitacionais do país -e reduzir, de fato, o déficit de 7,9 milhões de casas. As principais medidas aventadas focam aumento de recursos orçamentários, desonerações, criação de um fundo garantidor e ampliação do teto de recursos do FGTS para financiamento.
A arquiteta Raquel Rolnik, da USP, relatora de direito à moradia da ONU, diz que há "uma diferença muito grande entre medidas de fomento à construção civil e política habitacional", e o pacote é mais imobiliário do que outra coisa, afirma.
Para Rolnik, uma intervenção dessa magnitude não pode prescindir de uma estratégia fundiária e urbanística - ponto que, até agora, não foi tocado pela cúpula do governo. Caso contrário, diz Rolnik, vai haver substancial aumento no preço dos terrenos, com duas possíveis consequências: o subsídio do governo vai escorrer para os donos de terras ou a baixíssima renda vai ser alocada nos terrenos mais baratos - e apartados.
"Ou seja, vamos produzir um montão de casas sem cidade, infraestrutura, emprego, reproduzindo nosso modelo clássico de desenvolvimento urbano: Cidade de Deus 2."
Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular, diz que para alguns problemas centrais o pacote não propõe solução: "Onde as casas serão feitas? O que vamos fazer para segurar o preço da terra? Prefeitos que usarem as Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social] terão prioridade?".
A especialista em política da habitação e professora da USP Erminia Maricato diz que o pacote é "louvável" como medida antirrecessão -mas há "travas". "Acho que o governo não percebeu que a questão fundiária pode ser uma trava, ouve muito o mercado; e eu dirijo o principal da minha crítica à regressão nas cidades brasileiras, que se recusam a aplicar a função social da propriedade para fazer inclusão social."
Rolnik diz que a própria lógica de moradia que orienta o pacote está equivocada: pensa-se em uma única estratégia -produção de mais casas- para diferentes necessidades habitacionais existentes. A professora propõe outras ações, como urbanização e regularização de áreas precárias já construídas, aluguel subsidiado e ocupação de prédios vazios (6,6 milhões).
Outra contradição apontada no pacote é a desarticulação com o PlanHab (Plano Nacional de Habitação), formulado ao longo de um ano e meio de discussões públicas. O objetivo do plano, finalizado em dezembro, era servir como base das estratégias do Ministério das Cidades para equacionar o problema da habitação até 2023.
O PlanHab tem quatro eixos: financeiro, urbano-fundiário, institucional e produtivo. Para o coordenador do plano, o arquiteto Nabil Bonduki, da USP, as medidas divulgadas até agora se fixam no eixo financeiro e flertam com o produtivo.
Do primeiro, aproveita a ideia do fundo garantidor. Mas, no PlanHab, ele seria permanente e voltado ao grupo com renda de até R$ 1.600. Para o presidente da FEA (Federação Nacional de Arquitetos), Ângelo de Arruda, o aumento do fundo para até dez mínimos tira recursos da renda mais baixa e dificulta a redução do déficit nessa faixa. Crítica parecida é feita em relação à ampliação do valor financiado pelo FGTS.
Outro dispositivo do plano era o ranking dos municípios a partir do tratamento que eles dessem às questões urbanísticas, que seria usado na distribuição dos recursos da União. Até agora, não há estímulo à regulação fundiária no pacote. Por Natalia Paiva da Folha de São Paulo
PACOTE HABITACIONAL NÃO ALIVIARÁ DÉFICIT DE MORADIA NO PAÍS
O pacote habitacional que o Lula da Silva deve anunciar esta semana será um conjunto de medidas que estão longe de resolver o déficit de oito milhões de moradias no país, alertam representantes do setor privado e os próprios técnicos do governo.
Matéria de Martha Beck e Geraldo Doca mostra que o plano, que prevê subsídios e corte de impostos para incentivar a construção de 1 milhão de unidades até o fim de 2010, é mais uma forma de ajudar a construção civil - para gerar empregos e reaquecer a economia diante da crise global - do que um programa de longo prazo para permitir que os brasileiros realizem o sonho da casa própria.
Com subsídios que podem superar R$ 24 bilhões, incluindo R$ 12 bilhões do FGTS até 2011 e recursos do Fundo Soberano, o programa federal corre o risco de não ter continuidade em um outro governo.
- Se o próximo governo não quiser manter esse tipo de subsídio, não há nada que se possa fazer - admite um técnico da equipe econômica. Apesar do risco, o coordenador do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), disse esperar que a novas medidas contribuam para implantar uma política de longo prazo para o setor. Martha Beck e Geraldo Doca – O Globo
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