AGORA, NÃO DÁ MAIS
Não é de hoje que se sabe que a competência do governo Lula para tocar os seus projetos é inversamente proporcional à sua capacidade de falar deles como se fossem fatos consumados. Parafraseando um dito conhecido, estará no lucro quem comprar o governo pelas suas realizações e vendê-lo por suas promessas.
É bem verdade que a distância entre intenções e resultados é um dado da realidade do setor público em geral, onde "tirar as coisas do papel" é uma dor de cabeça crônica para os governantes de todas as tendências. Mas não tem paralelo na crônica da administração federal brasileira o contraste, sob o lulismo, entre a celebração exacerbada dos seus programas e a sua efetiva materialização - salvo, justiça se lhe faça, no caso do Bolsa-Família.
A retórica presidencial, cada vez mais compartilhada pela pré-candidata Dilma Rousseff, daria a um marciano recém-chegado à Terra a certeza de que nunca antes na história deste país houve um governo tão operoso.
A rigor, é o que parecem achar os muitos milhões de brasileiros que endeusam o presidente, porque o seu carisma e talento incomum para a comunicação os levaram a crer que a ele devem tudo o que melhorou nas suas vidas nos últimos anos.
Vá-se explicar àqueles novos membros da classe média que os correspondentes estrangeiros vivem entrevistando para ilustrar as mudanças no País que o seu ídolo, como ele próprio já se permitiu admitir, teve a sorte de estar no lugar certo no período de maior bonança da economia mundial, cujos principais beneficiados foram as nações chamadas emergentes, como o Brasil.
Enquanto durou a idade de ouro, a Lula praticamente bastava o palanque; o dinamismo da economia global, na qual estamos inseridos, se incumbia do resto. Agora que, da noite para o dia, as coisas mudaram dramaticamente de figura, quando a ação governamental se torna crucial, o que se vê é mais do mesmo: tapumes de palavras escondendo a inaptidão em levar as mãos à obra.
Tome-se o programa de construção de 1 milhão de moradias até 2010, imaginado como a iniciativa por excelência do Estado para ativar a economia, criar empregos e reduzir o déficit de habitações para a população de baixa renda, fazendo girar ao todo cerca R$ 70 bilhões. O formato do programa deveria ter sido apresentado em 20 de janeiro. Depois de sucessivos adiamentos, fala-se agora na última semana de março, "se todas as pendências forem resolvidas", algo altamente improvável, segundo especialistas familiarizados com a profusão de questões ainda em aberto. Mas desde quando isso é problema para o governo contar vantagem? Em uma das três palestras de cunho eleitoral que promoveu na quarta-feira - esta para políticos do Nordeste -, a ministra Dilma Rousseff prometeu que as novas casas - pelas quais os mais pobres entre os futuros proprietários pagarão apenas uma prestação simbólica - serão entregues em 11 meses, em vez dos habituais 33, a contar da compra do terreno. Faltou explicar como se chegará a essa proeza.
O Planalto comemora por antecipação, mas, como diria Garrincha, ainda não combinou "com os russos" - construtoras, Estados e municípios, instituições como a Caixa Econômica e o BNDES. E as dúvidas decorrentes dessa decisão de abreviar para 11 meses o prazo de construção são mais numerosas e complexas do que os "detalhes técnicos" a que as fontes do governo querem reduzi-las. Nem sequer está claro o nível de renda, medido em salários mínimos, até o qual as famílias beneficiadas farão jus aos robustos subsídios de mais de R$ 20 bilhões no total, de que fala a ministra.
Além disso, a intenção é tolerar inadimplência de até 36 prestações, mas não se decidiu a origem dos recursos do fundo garantidor do crédito que cobrirá os pagamentos não efetuados. Permanecem também nebulosas questões como a do seguro dos financiamentos e a da linha especial de crédito para a infraestrutura das áreas onde serão erguidas as casas.
A menção das dificuldades a superar não pretende sugerir que o programa seja necessariamente fantasioso ou inexequível. O ponto, que o retrospecto da era Lula obriga a ressaltar, é a desenvolta, irresponsável ligeireza com que os seus integrantes "inauguram" obras cuja concretização depende de um insumo notoriamente escasso nesse governo: competência.
Antes do tombo de 3,6% essa escassez era disfarçada com discurso. Agora, não dá mais. - EDITORIAL - O ESTADO DE S. PAULO
Leia também
1 - GOVERNO PROMETE MAIS E INVESTE MENOS
Apesar do discurso de "ousadia e coragem" de Lula, o investimento público caiu nos últimos meses. Matéria completa aqui
2 – BRASIL PERDE MIL EXPORTADORES
Mais de duas mil empresas deixaram de atuar no comércio exterior no Brasil somente em janeiro deste ano, tanto em exportação como importação, segundo levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "É um número assustador", diz o vice-presidente da entidade, José Augusto de Castro. A maior parte é de pequeno e médio porte. Matéria completa aqui
Não é de hoje que se sabe que a competência do governo Lula para tocar os seus projetos é inversamente proporcional à sua capacidade de falar deles como se fossem fatos consumados. Parafraseando um dito conhecido, estará no lucro quem comprar o governo pelas suas realizações e vendê-lo por suas promessas.
É bem verdade que a distância entre intenções e resultados é um dado da realidade do setor público em geral, onde "tirar as coisas do papel" é uma dor de cabeça crônica para os governantes de todas as tendências. Mas não tem paralelo na crônica da administração federal brasileira o contraste, sob o lulismo, entre a celebração exacerbada dos seus programas e a sua efetiva materialização - salvo, justiça se lhe faça, no caso do Bolsa-Família.
A retórica presidencial, cada vez mais compartilhada pela pré-candidata Dilma Rousseff, daria a um marciano recém-chegado à Terra a certeza de que nunca antes na história deste país houve um governo tão operoso.
A rigor, é o que parecem achar os muitos milhões de brasileiros que endeusam o presidente, porque o seu carisma e talento incomum para a comunicação os levaram a crer que a ele devem tudo o que melhorou nas suas vidas nos últimos anos.
Vá-se explicar àqueles novos membros da classe média que os correspondentes estrangeiros vivem entrevistando para ilustrar as mudanças no País que o seu ídolo, como ele próprio já se permitiu admitir, teve a sorte de estar no lugar certo no período de maior bonança da economia mundial, cujos principais beneficiados foram as nações chamadas emergentes, como o Brasil.
Enquanto durou a idade de ouro, a Lula praticamente bastava o palanque; o dinamismo da economia global, na qual estamos inseridos, se incumbia do resto. Agora que, da noite para o dia, as coisas mudaram dramaticamente de figura, quando a ação governamental se torna crucial, o que se vê é mais do mesmo: tapumes de palavras escondendo a inaptidão em levar as mãos à obra.
Tome-se o programa de construção de 1 milhão de moradias até 2010, imaginado como a iniciativa por excelência do Estado para ativar a economia, criar empregos e reduzir o déficit de habitações para a população de baixa renda, fazendo girar ao todo cerca R$ 70 bilhões. O formato do programa deveria ter sido apresentado em 20 de janeiro. Depois de sucessivos adiamentos, fala-se agora na última semana de março, "se todas as pendências forem resolvidas", algo altamente improvável, segundo especialistas familiarizados com a profusão de questões ainda em aberto. Mas desde quando isso é problema para o governo contar vantagem? Em uma das três palestras de cunho eleitoral que promoveu na quarta-feira - esta para políticos do Nordeste -, a ministra Dilma Rousseff prometeu que as novas casas - pelas quais os mais pobres entre os futuros proprietários pagarão apenas uma prestação simbólica - serão entregues em 11 meses, em vez dos habituais 33, a contar da compra do terreno. Faltou explicar como se chegará a essa proeza.
O Planalto comemora por antecipação, mas, como diria Garrincha, ainda não combinou "com os russos" - construtoras, Estados e municípios, instituições como a Caixa Econômica e o BNDES. E as dúvidas decorrentes dessa decisão de abreviar para 11 meses o prazo de construção são mais numerosas e complexas do que os "detalhes técnicos" a que as fontes do governo querem reduzi-las. Nem sequer está claro o nível de renda, medido em salários mínimos, até o qual as famílias beneficiadas farão jus aos robustos subsídios de mais de R$ 20 bilhões no total, de que fala a ministra.
Além disso, a intenção é tolerar inadimplência de até 36 prestações, mas não se decidiu a origem dos recursos do fundo garantidor do crédito que cobrirá os pagamentos não efetuados. Permanecem também nebulosas questões como a do seguro dos financiamentos e a da linha especial de crédito para a infraestrutura das áreas onde serão erguidas as casas.
A menção das dificuldades a superar não pretende sugerir que o programa seja necessariamente fantasioso ou inexequível. O ponto, que o retrospecto da era Lula obriga a ressaltar, é a desenvolta, irresponsável ligeireza com que os seus integrantes "inauguram" obras cuja concretização depende de um insumo notoriamente escasso nesse governo: competência.
Antes do tombo de 3,6% essa escassez era disfarçada com discurso. Agora, não dá mais. - EDITORIAL - O ESTADO DE S. PAULO
Leia também
1 - GOVERNO PROMETE MAIS E INVESTE MENOS
Apesar do discurso de "ousadia e coragem" de Lula, o investimento público caiu nos últimos meses. Matéria completa aqui
2 – BRASIL PERDE MIL EXPORTADORES
Mais de duas mil empresas deixaram de atuar no comércio exterior no Brasil somente em janeiro deste ano, tanto em exportação como importação, segundo levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "É um número assustador", diz o vice-presidente da entidade, José Augusto de Castro. A maior parte é de pequeno e médio porte. Matéria completa aqui
Nenhum comentário:
Postar um comentário