Precipício consignado

Em vez de dar aumento ao aposentado, INSS amplia empréstimo


Depois de negar aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) correção dos benefícios maior do que 5,9%, ante os 12% aplicados ao salário mínimo, o governo decidiu compensá-los com algo que parece um refresco. Mas, como mostra a história recente, trata-se de perigosa armadilha.

O governo autorizou o aumento de 20% para 30% do limite de comprometimento da renda bruta mensal com a prestação do empréstimo consignado.

A medida já vinha sendo estudada desde o fim do ano passado, quando a crise financeira mundial afetou o crédito em geral e passou a influir na queda do consumo das famílias. Anunciada na terça-feira, dia em que o país viveu o impacto da divulgação da maior queda do PIB trimestral da história recente, a ampliação do percentual de endividamento dos aposentados foi classificada pelo governo como medida que chega em boa hora. Mas muitas famílias de aposentados sabem muito bem que a verdade é bem outra.

Como o Estado de Minas vinha denunciando em várias reportagens, há pelo menos quatro anos, o crédito consignado estava levando ao desespero muita gente que tinha passado a vida inteira sem jamais comprar fiado. Criada em 2003, essa modalidade de crédito é de fácil contratação pelo tomador e de custo baixo para o banco, já que as prestações são descontadas em folha e o aposentado não corre o risco do desemprego. Em pouco tempo, já respondia por quase metade de todo o crédito concedido às pessoas físicas no país, acumulando saldo de R$ 30 bilhões. Mas o efeito na vida de cerca de 9 milhões de aposentados, pouco acostumados aos perigos do endividamento e aos cálculos da matemática financeira, não foi o de aumentar seu conforto ou proporcionar uma viagem.

Foram milhares os casos de descontrole do endividamento, inclusive para quitar compromissos de filhos e sonhos de consumo de netos. Não faltaram idosos em dificuldade para comprar remédios com o que sobrava da aposentadoria.

A redução, em janeiro de 2008, do limite para 20% e a reserva dos 10% restantes para uso exclusivo por meio de um cartão de crédito, que cobra juros mais caros, funcionou como um redutor da perigosa febre do crédito consignado. Em novembro (últimos dados disponíveis), o saldo das operações dos aposentados do INSS tinha baixado para R$ 23,8 bilhões. A ampliação do endividamento reabre a cratera do precipício. Na verdade, a participação dos aposentados e pensionistas do INSS na reativação do consumo poderia ser saudável para todos desde que se desse pela correção decente de seus benefícios.

Atropelados, ora pela inflação não corrigida, ora pela política de não compensação do aumento real do salário mínimo, os trabalhadores da iniciativa privada, que contribuíram e se aposentaram com renda mais perto do teto, têm sido condenados a perdas continuadas de sua renda. É uma injustiça que se acumula e que, até agora, o governo tem se recusado a enfrentar com seriedade, dando margem a projetos que engordam a popularidade de certos políticos, mas que apenas alimentam a ilusão dos aposentados. Melhor seria se fosse dado a eles renda possível e não o atoleiro do endividamento.Editorial do Estado de Minas

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