Os métodos de combate usados pelas forças do governo do Sudão (na foto) e pelas milícias árabes apoiadas por Cartum contra tribos da região do Darfur são uma coleção completa de quase todos os crimes que podem ser praticados numa guerra - estupros, pilhagem, destruição de residências, deslocamentos populacionais forçados e assassinatos. Reuters e The Guardian, Londres
As atrocidades aparecem no relato de um militar desertor do Exército sudanês, identificado pelo jornal britânico The Guardian apenas como Kajabier, de 34 anos. Ele descreveu os crimes cometidos por ele e por um batalhão de outros 400 militares em abril de 2003, em diversos vilarejos de Darfur, na fronteira entre o Chade e o Sudão.
"Não deixem sobreviventes", foi a ordem dada pelo coronel Samir Jaja a seus homens. "Estuprem as mulheres, matem as crianças. Não deixem nada para trás."
Depois de desertar, Kajabier fugiu do Sudão e passou a denunciar o governo. "Meu povo está sofrendo e eu quero uma resposta do mundo", disse.
Depois do ataque de abril, Kajabier disse ter-se recusado a participar de novas ofensivas. Como castigo pela insubordinação, foi torturado.
Ele diz que é impossível precisar o número de vítimas desses ataques, mas conta que, em alguns dos vilarejos, havia mais de 500 casas. Segundo Kajabier, os vilarejos de Ber Tawila e Sani Koro, em Darfur, estão abandonadas até hoje.
PESADELOS
A violência contra civis não era cometida apenas pelas forças do governo, mas também pela milícia janjaweed ("diabo montado no cavalo", em árabe), apoiada por Cartum.
"Nós cercávamos os vilarejos e os janjaweed vinham logo atrás, em camelos e a cavalo, e caçavam os que fingiam estar dormindo depois de nosso ataque", contou Kajabier. "Nós começávamos queimando as cabanas, uma por uma. Depois, atirávamos. Poucas pessoas escapavam."
O militar desertor afirma que até hoje tem pesadelos com os ataques lançados em Darfur. Kajabier também diz que só consegue dormir sob efeito de medicamentos.
Segundo ele, as imagens mais difíceis de ser esquecidas sãos as que envolvem crimes sexuais contra crianças. "Isso ficará comigo para sempre", disse ajabier.
Estima-se que 300 mil pessoas morreram e 2,7 milhões foram obrigadas a deixar suas casas desde o início do conflito na região do Darfur, em 2003.
Organizações de defesa dos direitos humanos acusam o governo sudanês de ter apoiado as milícias que cometeram crimes contra a humanidade e crimes de guerra em larga escala durante o conflito de Darfur.
O caso de Darfur é um reflexo recente das inúmeras guerras civis, golpes de Estado e revoltas populares que têm dominado o Sudão desde os anos 50. Além de disputas étnicas e tribais, o conflito atual também é influenciado pela luta pelo acesso à água. Mesmo antes de 2003, os janjaweeds, tribos nômades de Darfur, já vinham invadindo propriedades na região que tinham maior acesso à água e melhores pastos.
ATAQUES
Kajabier - Militar desertor
"Começávamos queimando as cabanas, uma por uma. Cercávamos os vilarejos e os janjaweed vinham logo atrás, em camelos e a cavalo, e caçavam os que fingiam estar dormindo depois do nosso ataque". O Estado de São Paulo
SUDÃO DESCONTA NA POPULAÇÃO
Acusado de crimes de guerra, Bashir expulsa agências humanitárias e ameaça 2 milhões de pessoas
As primeiras vítimas da decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), que lançou um mandado internacional de captura para o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, podem ser as próprias pessoas que a corte procurou defender.
Numa ação que pode tornar a atual crise humanitária uma catástrofe de grandes proporções, o governo do Sudão já expulsou 13 entidades de auxílio humanitário, que fornecem comida, água e atendimento médico para mais de dois milhões de pessoas na região de Darfur. Segundo a ONU, quase cinco milhões de pessoas ficaram em risco devido à decisão do presidente acusado de massacrar sua própria população.
Em represália por ter sido acusado de crimes de guerra e contra a Humanidade pelo TPI, Bashir decidiu expulsar as agências, que não são ligadas à ONU. Foram expulsas duas seções dos Médicos Sem Fronteiras, duas seções da Save the Children, a Oxfam, a Care International, o Comitê Internacional de Resgate, a Solidarites, a Ação Contra a Fome, a CHP International, o Mercy Corps, o Conselho de Refugiados Norueguês e a Padco.
Ao todo, as agências tinham 6.500 funcionários, entre sudaneses e estrangeiros, cerca de 40% do total de trabalhadores de ajuda humanitária de 76 organizações que estavam até ontem no país. Segundo a ONU, sem as 13 agências, 1,1 milhão de pessoas ficaram sem comida, 1,1 milhão sem atendimento médico, e mais de um milhão sem água potável.
- Milhões de vidas estão em risco, e esta não é a hora de jogos políticos. Estas agências de auxílio fornecem a maior parte da ajuda humanitária necessária para mais de dois milhões de pessoas vulneráveis - alertou ontem Tawanda Hondora, subdiretora para a África da Anistia Internacional. - Ao expulsar as agências, o governo sudanês está, na verdade, mantendo a população civil inteira de Darfur como refém, um ato agressivo que deve ser condenado nos termos mais fortes possíveis pela União Africana, pelos Estados da Liga Árabe e por toda a comunidade internacional.
União Africana e China apoiam Bashir
Bashir fez mais comícios ontem na capital do país, Cartum, em que acusou o TPI de ter uma atitude "colonialista". Numa reunião de seu Gabinete, disse, referindo-se às 13 agências expulsas, que elas são "ferramentas do colonialismo".
- Nós, no Sudão, sempre fomos alvo da ONU e destas organizações porque dizemos não. Dizemos que os recursos do Sudão devem ir para o povo do Sudão - disse Bashir, que ameaçou as agências que permaneceram no país de serem expulsas e "humilhadas" se não "cumprirem a lei".
O chefe da agência governamental que coordena assuntos humanitários, Hasabo Abdel-Rahman, acusou as agências de fornecerem informações para o TPI - acusação negada por todas elas.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, protestou ontem contra a expulsão. Em nota, afirmou que "as organizações humanitárias são imprescindíveis para tentar assegurar a sobrevivência de 4,7 milhões de sudaneses na região de Darfur".
A China, maior compradora do petróleo do Sudão e acusada de violar sanções internacionais por vender armas para o país, pediu que o Conselho de Segurança da ONU suspendesse a ordem de prisão de Bashir.
Mas a embaixadora americana junto à ONU, Susan Rice, que tem direito a veto no conselho, declarou que os EUA apoiam a decisão do TPI, mas mostrou cautela sobre a elevação das tensões na região:
- Os EUA apoiam as ações do TPI para levar ao banco dos réus os responsáveis pelos crimes horríveis ocorridos em Darfur. Mas os EUA também estão engajados em construir e fortalecer um processo de paz duradoura na região - disse ela.
O presidente da Assembleia Geral da ONU, o nicaraguense Miguel d'Escoto, lamentou a decisão do TPI:
- A ordem de prisão de Bashir mina os esforços de paz na região. Esta foi certamente uma decisão tomada muito mais em função de razões políticas do que pelo desejo de avançar na causa da justiça.
O presidente Bashir é acusado de ser o responsável pela morte de 300 mil pessoas e da expulsão de 2,7 milhões de suas casas.
Ontem, um dia depois de a Liga Árabe ter demonstrado solidariedade com Bashir, foi a vez de a União Africana (UA) defender o presidente sudanês. O bloco protestou contra a ordem de prisão de Bashir, perguntando o motivo pelo qual o tribunal não se pronunciou sobre denúncias de crimes contra a Humanidade em Gaza, no Iraque ou na guerra da Geórgia.
Analistas creditam a posição da UA tanto ao corporativismo como ao fato de vários chefes de Estado do continente serem possíveis alvos de investigações por crimes contra a Humanidade, como os de Zimbábue, Quênia, Uganda, Etiópia, Eritreia, Chade, Costa do Marfim e Ruanda.
Com agências internacionais Marília Martins - O Globo
'Violem as mulheres, matem as crianças'
Desertor do Exército sudanês relata horror dos ataques contra a população civil de Darfur
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário