É a hora de marcar uma missa em memória do outrora admirado e respeitado Ipea, o velho e bom Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Se algo restava de sua boa imagem, foi liquidado com a publicação de um panfleto em defesa do aumento do emprego público. Deslavada apologia do empreguismo? Cada um escolha a palavra segundo seu gosto e julgamento, mas quanto aos fatos essenciais não há dúvida.
O espantoso estudo intitulado Emprego público no Brasil: comparação internacional e evolução, datado de 30 de março, termina com uma peroração a favor de mais contratações para o governo.
Segundo o "estudo", o aparelho estatal não é inchado e "há espaço para a criação de ocupações emergenciais no setor público", especialmente nas áreas mais afetadas pelo desemprego. Contratações, portanto, podem ser um instrumento contracíclico.
Os autores da "pesquisa" comparam a situação do emprego público no Brasil e em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A comparação é baseada na relação entre o número de empregados do setor público e o total dos ocupados. O setor governamental, nessa comparação, inclui a administração direta, as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
No Brasil, a proporção detectada em 2005 e 2006 era de 12,5%. Em 2005, a relação era mais alta nos Estados Unidos e em mais 11 países desenvolvidos de uma lista de 15. Era bem menor na Coreia, no Japão e na Suíça. Na América Latina, proporção maior que a brasileira foi encontrada, em 2006, em sete países. Abaixo do Brasil estavam Chile, Colômbia e, provavelmente, México (o último dado mexicano, 8,7%, era de 2004).
Conclusão: o emprego público, no Brasil, é significativamente menor do que noutros países. O critério seguido nessa avaliação é esquisitíssimo. Coréia, Japão e Suíça não valem. Também não valem latino-americanos com bons padrões administrativos, como Chile e Colômbia, nem a segunda maior economia latino-americana, o México. Mas valem os europeus, em geral com grandes burocracias associadas ao Estado do Bem-Estar, e os Estados Unidos. Como funcionários militares e civis não são discriminados nas tabelas de comparações internacionais, o raciocínio fica ainda mais estranho.
Onde fica, nessa história, o peso das Forças Armadas americanas? Ou as outras organizações dos Estados Unidos ligadas diretamente à segurança (como a CIA) e indiretamente (como os departamentos vinculados à exploração espacial)?
Pergunta semelhante a respeito de Forças Armadas e de organismos de segurança vale para vários países europeus - e ainda seria preciso lembrar outras diferenças estruturais, como a presença de grandes empresas de transportes controladas pelo Estado. Mas são empresas, e não repartições públicas, e sua eficiência não tem muita relação com a da maior parte das velhas estatais brasileiras. As comparações são evidentemente impróprias e toscas e servem apenas para enganar quem quer ser enganado.
Se o confronto dos números fosse correto, a conclusão inevitável seria muito diferente. O aparelho estatal brasileiro é, sim, inchado e balofo, e essa observação vale para boa parte dos municípios criados depois de 1988, mencionados também no "estudo". Muitos desses municípios não tinham e não têm condições de funcionar sem transferências federais.
Comparem-se, além disso, os tributos cobrados nos vários países citados na "pesquisa". Em 2006, a carga tributária de Estados Unidos, Canadá, México, Chile, Japão, Coreia, Suíça e Grécia era menor - em alguns casos, muito menor - que a brasileira. As da Espanha (36,7%), Reino Unido (37,4%), Alemanha (35,7%) e Nova Zelândia (36,5%) eram pouco maiores que a do Brasil, estimada, naquele ano, em 35,2%. Comparem-se, agora, os serviços públicos de quaisquer desses países com os do Brasil.
Comparem-se as condições sociais: com uma das cargas tributárias mais altas do mundo, e muito maior que a da maior parte dos países de nível semelhante de desenvolvimento, o Brasil ocupou, na última comparação, o 70º lugar na classificação pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), numa lista de 179 países.
Nessa pesquisa, preparada pelo ONU, 13 países da América Latina e do Caribe aparecem acima do Brasil. Esse grupo inclui Argentina (36º), Chile (38º), Uruguai (43º) e México (53º), entre outros. Todos têm carga tributária menor que a brasileira e dois têm emprego público menor que o do Brasil. O Estado de São Paulo – Por Rolf Kuntz
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