Raposa: Clima tenso marca véspera da desocupação

A proximidade do prazo final para a retirada de fazendeiros, pecuaristas e moradores "não-índios" da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, acirrou os ânimos e criou um clima tenso na região.

A federação estadual das associações de moradores promete fechar a BR-174 e ocupar os prédios de Incra, Ibama e Funai na capital Boa Vista se houver retirada à força pela Polícia Federal e a Força Nacional. E parte dos produtores de arroz, liderados pelo gaúcho Paulo César Quartiero, promete resistir e permanecer nas fazendas situadas dentro da terra indígena. A PF informa que controla a delicada situação com 300 agentes na reserva.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março, pela demarcação em área contínua da reserva de 1,7 milhão de hectares, equivalente a 12 municípios de São Paulo. Os ministros da Corte também determinaram a saída dos "não-índios" da área até amanhã. A decisão colocou em conflito os fazendeiros e dois grupos de índios, um favorável à permanência dos "não-índios" e outra contrário aos "invasores" da terra. A situação piorou desde que o governo federal prometeu, e não cumpriu, indenizar e reassentar quem fosse retirado da reserva. Ainda não há áreas aptas e disponíveis para acolher os "desocupantes" e os valores pagos pela União são contestados na Justiça por produtores, pecuaristas e moradores da área.

Integrante do "Movimento Pró-Roraima", que reúne lideranças e empresários da indústria, comércio e agricultura, a Federação das Associação de Moradores de Roraima (Famer) prepara uma reação. "Se houver a prisão de algum morador dentro da reserva, a gente fecha o acesso ao Estado", avisa o presidente da Famer, Faradilson Mesquita. "Essa é a posição da sociedade roraimense. Não tem como haver essa retirada total até dia 30 (amanhã)". Para ele, o STF agiu de maneira "intransigente" e faltou "bom senso" para evitar o acirramento dos ânimos. "A Justiça tinha que fazer uma reunião com o governo estadual, com as partes interessadas e decidir sobre retirada e reassentamento dentro de um prazo aceitável", afirma.


Mesquita, cujas ligações políticas incluem o líder arrozeiro Quartiero e o deputado Marcio Junqueira (DEM-RR), afirma que o problema mais grave é retirar os pequenos produtores e os moradores "não-índios". "Os grandes produtores já saíram. O Quartiero vai plantar na Guiana. Mas tem o impacto social em pessoas que moram no interior e terão que se adequar para viver na periferia e viver do Bolsa Família", afirma.

Uma comissão do Congresso tentou intermediar uma solução alternativa, como estender o prazo até a colheita do arroz e a retirada total das 10 mil cabeças de gado da terra indígena. Mas o ministro Carlos Ayres Brito, relator do caso no STF, disse ontem que o prazo está mantido. "Se algo de ruim acontecer lá, e tomara que nada aconteça, a culpa será do ministro e do presidente Lula", disse o deputado Marcio Junqueira. A comissão deve voltar hoje a Roraima para acompanhar as ações de retirada da PF.

Principal opositor da retirada, Paulo César Quartiero diz que resistirá. "Vou ficar na fazenda, esperar a polícia chegar e me levar preso. Só saio de lá dessa forma", promete o ex-prefeito de Pacaraima, eleito pelo DEM. "E o pior é que até agora não apareceu ninguém para nos notificar". Ele informa ter retirado "100 carretas" com equipamentos, insumos, gado e material de construção de suas duas fazendas na reserva. "E ainda falta metade do gado", afirma. "Esse prazo é inviável, inclusive pela colheita do arroz e a retirada do gado", reclama. Quartiero, que já foi preso pela PF em um episódio de confronto com os índios, diz que o governo não cumpriu sua parte. "Nada foi feito. E não tem para onde ir porque o governo não indenizou e não deu outra área", afirmou. Segundo ele, o Ibama o multou ontem em R$ 20,5 milhões por danos ambientais na Fazenda Providência. Antes, ela já tinha sido multado em R$ 36 milhões. "Eles avaliaram meu arroz em R$ 900 mil, mas vale pelo menos R$ 3 milhões. É o roubo legalizado." Valor Econômico - Mauro Zanatta




RESERVA CORTA “RAÍZES” DE CASAL
Para algumas famílias de Roraima, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem o amargo gosto das diásporas. É o caso da família de Adolfo Esbell.

Ele nasceu 82 anos atrás numa casinha às margens do Inamará, igarapé de água escura e fresca que corre no sopé das montanhas que separam o Brasil da Guiana, no norte de Roraima. O pai era venezuelano e a mãe, brasileira, de origem indígena. Ali cresceu, casou, teve 16 filhos, criou gado, cultivou arroz e feijão, fincou raízes que sonhou serem para sempre. Seu sonho desmoronou, porém, no último dia 25.

Foi quando o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua e deu prazo de pouco mais de um mês para todas as famílias não-indígenas saírem da área, levando seus pertences. O nome de Esbell figurava na lista dos expulsos.

O prazo de saída vence amanhã. Mas, até ontem à tarde, Esbell e a esposa, Zilda, de 80 anos, não haviam mudado nada na rotina da área herdada dos pais e que tem 320 hectares. No final da tarde, o rebanho de 150 cabeças de gado já estava recolhido. Ao escurecer, alguns dos filhos, que moram na cidade de Normandia, a dois quilômetros dali, foram visitá-los.

"Aqui é o meu lugar, o lugar do meu gosto, o lugar onde quero ficar, onde moram meus filhos", disse Esbell. "Sempre me dei bem com os índios, eles não têm nenhuma queixa de mim. Foi aqui que conheci minha mulher, de quem eu gosto cada dia mais. Nesta quarta feira faz 60 anos que estamos juntos."

As instituições do governo que estão cuidando da remoção dos não indígenas ofereceram a Esbell R$ 134 mil de indenização pelas benfeitorias da fazenda e uma área de 280 hectares, num assentamento da reforma agrária, a quase duas centenas de quilômetros dali. É um lugar de difícil acesso, estradas precárias, sem luz elétrica. "Nem fui ver. Pelo que me disseram, não é lugar para mim", disse ele. No domingo passado, ao visitar Esbell, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ficou impressionado com sua história. Foi ele quem inspirou o deputado a encaminhar um pedido ao STF para que dê mais tempo para a saída das pessoas com mais de 80 anos que vivem na reserva. Roldão Arruda O Estado de S. Paulo

2 comentários:

Anônimo disse...

gostei mesmo foi daquele arrozeiro que saiu destruindo tudo que havia construído.
Só faltava essa turma receber tudo de mão beijada!

Negona disse...

Posturaativa,

eu gostei também!
Esse é o pior Supremo de toda história desse país, com exceção do único Ministro que votou contra, Marco Aurélio de Mello. Raposa do Sol" vai virar terra do narcotráfico.
Só matando!