REMENDO
PMDB, DEM, PCdoB, PT e PPS entregam terça-feira à Câmara uma proposta alternativa ao sistema de lista fechada. Apresentado como mais “digerível”, o projeto tem travas para evitar a chamada ditadura da cúpula partidária. A proposta é levar os filiados de cada legenda a uma eleição interna para escolher o lugar de cada candidato na lista. Há quem diga que, se aqueles que apoiam a lista fechada estão cedendo, é porque a aprovação não é favas contadas como se dizia há alguns dias. Por Denise Rothemburg - Correio Braziliense
CRETINISMO PARLAMENTAR
A expressão pertence a Marx, e indica certo tipo de doença grave e contagiosa que toma conta do organismo legislativo, anula o bom senso, a sensibilidade e a compreensão do mundo exterior, até destruir todas as condições de vida parlamentar e condená-la a irrecuperável descrédito diante da nação. Embora essas observações tenham sido formuladas por Marx, entre 1851 e 1852, para analisar a conduta da Assembléia Nacional da França sob o governo de Luís Napoleão, refletem hoje, à perfeição, o que se passa com o nosso Congresso.
Se nos animavam esperanças de recuperação, acabamos de perdê-las após sucessivos escândalos, como valerioduto, mensalão, diretorias do Senado, festival de horas extras, passagens e turismo, regalias a ex-senadores e familiares, castelo e mansões, culminando com a reação do deputado gaúcho que, cobrado por falta de decoro, retrucou dizendo: “Estou me lixando para a opinião pública”. E, certo da impunidade, declarou: “Vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege”. Por Almir Pazzianotto Pinto - Correio Braziliense
É forçoso reconhecer, todavia, que, na Câmara, todos, bem ou mal, foram eleitos. Com maior ou menor número de votos, os deputados ali se encontram após ultrapassarem o teste das urnas. O mesmo não há como afirmar do Senado, onde legislação malandra e à caráter permite a presença de duas dezenas de suplentes, na comprovação de que a nossa democracia deixou de ser o código moral a que se referiu Roger-Gérard Schwartzenberg, em O Estado espetáculo.
Como escreveu ele, nos Estados Unidos, a partir da década de 1930, as eleições passaram a integrar o estranho mundo da publicidade. Nesta terra em que tudo acontece com anos de defasagem, creio que a última eleição presidencial genuína foi a de Vargas, em 1950. Desde então, de início com certo recato, e hoje com aberto desembaraço, candidatos são embalados, expostos e comercializados, à semelhança de sabonetes, preservativos e desodorantes.
A farra não termina com as eleições, pois se desconhece governo que tenha aberto mão de polpudas verbas publicitárias, empregadas para transmitir ao público imagem de eficiência e honestidade.
Velhaca legislação partidária, somada à alienação do lumpesinato, é culpada pela profanação do Congresso. Partidos nacionais, existentes na década de 1950, desapareceram para dar lugar a voláteis federações regionais e a medíocres siglas, fundadas como as facilidades dos sindicatos pelegos. Doutrinas são coisas do passado. Prevalece o espírito de balcão, onde acertos e alianças são barganhados em torno de ministérios, cargos, diretorias, empregos.
Quem leu sobre o nascimento do fascismo italiano, e ascensão de Mussolini, não pode deixar de admitir certa semelhança com o que se passa em nosso país. A oposição foi reduzida a pó. Do ponto de vista operacional, inexiste.
Diferente do que houve no auge do regime militar, a aniquilação não se deu pelo terror, mas por sutil envolvimento e jogo de interesses. Recorro, novamente, à observação de Marx, para quem o burguês comum está sempre disposto a sacrificar os interesses gerais, por esta ou aquela vantagem pessoal.
Saúde e educação encontram-se entre os mais graves problemas sociais brasileiros. Quem dispõe de dinheiro recorre à iniciativa privada e paga caro pela assistência médico-hospitalar e boas escolas. Quem não dispõe, submete-se aos horrores do serviço público, onde são contados nos dedos bons hospitais (como os da Rede Sarah) e boas escolas.
O que faz o Legislativo a respeito? A resposta é: nada. Assuntos de educação e saúde lhes são estranhos e indiferentes. Vez ou outra, senadores ou deputados assumem a tribuna a fim de registrar o aniversário de alguma instituição de sua base eleitoral, e só.
As últimas notícias dão conta de que estão sendo articulados dois terríveis engodos: o financiamento das campanhas com dinheiro do contribuinte, e a eleição de deputados em listas fechadas. Antes, porém, de discuti-los, é indispensável lembrar que o Congresso carece de autoridade moral para empreender qualquer reforma de maior envergadura. Se o tentar, será movido pela preocupação com o destino de parlamentares, certos da derrota em 2010.
Desacreditado, desprovido de oposição, submisso aos caprichos do Poder Executivo, o Legislativo deve submeter-se ao processo purificador das próximas eleições, antes de cogitar de mudanças nas regras políticas, eleitorais, partidárias. Basta, por ora, a ridícula reforma ortográfica. Correio Braziliense
Almir Pazzianotto Pinto - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
PMDB, DEM, PCdoB, PT e PPS entregam terça-feira à Câmara uma proposta alternativa ao sistema de lista fechada. Apresentado como mais “digerível”, o projeto tem travas para evitar a chamada ditadura da cúpula partidária. A proposta é levar os filiados de cada legenda a uma eleição interna para escolher o lugar de cada candidato na lista. Há quem diga que, se aqueles que apoiam a lista fechada estão cedendo, é porque a aprovação não é favas contadas como se dizia há alguns dias. Por Denise Rothemburg - Correio Braziliense
CRETINISMO PARLAMENTAR
A expressão pertence a Marx, e indica certo tipo de doença grave e contagiosa que toma conta do organismo legislativo, anula o bom senso, a sensibilidade e a compreensão do mundo exterior, até destruir todas as condições de vida parlamentar e condená-la a irrecuperável descrédito diante da nação. Embora essas observações tenham sido formuladas por Marx, entre 1851 e 1852, para analisar a conduta da Assembléia Nacional da França sob o governo de Luís Napoleão, refletem hoje, à perfeição, o que se passa com o nosso Congresso.
Se nos animavam esperanças de recuperação, acabamos de perdê-las após sucessivos escândalos, como valerioduto, mensalão, diretorias do Senado, festival de horas extras, passagens e turismo, regalias a ex-senadores e familiares, castelo e mansões, culminando com a reação do deputado gaúcho que, cobrado por falta de decoro, retrucou dizendo: “Estou me lixando para a opinião pública”. E, certo da impunidade, declarou: “Vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege”. Por Almir Pazzianotto Pinto - Correio Braziliense
É forçoso reconhecer, todavia, que, na Câmara, todos, bem ou mal, foram eleitos. Com maior ou menor número de votos, os deputados ali se encontram após ultrapassarem o teste das urnas. O mesmo não há como afirmar do Senado, onde legislação malandra e à caráter permite a presença de duas dezenas de suplentes, na comprovação de que a nossa democracia deixou de ser o código moral a que se referiu Roger-Gérard Schwartzenberg, em O Estado espetáculo.
Como escreveu ele, nos Estados Unidos, a partir da década de 1930, as eleições passaram a integrar o estranho mundo da publicidade. Nesta terra em que tudo acontece com anos de defasagem, creio que a última eleição presidencial genuína foi a de Vargas, em 1950. Desde então, de início com certo recato, e hoje com aberto desembaraço, candidatos são embalados, expostos e comercializados, à semelhança de sabonetes, preservativos e desodorantes.
A farra não termina com as eleições, pois se desconhece governo que tenha aberto mão de polpudas verbas publicitárias, empregadas para transmitir ao público imagem de eficiência e honestidade.
Velhaca legislação partidária, somada à alienação do lumpesinato, é culpada pela profanação do Congresso. Partidos nacionais, existentes na década de 1950, desapareceram para dar lugar a voláteis federações regionais e a medíocres siglas, fundadas como as facilidades dos sindicatos pelegos. Doutrinas são coisas do passado. Prevalece o espírito de balcão, onde acertos e alianças são barganhados em torno de ministérios, cargos, diretorias, empregos.
Quem leu sobre o nascimento do fascismo italiano, e ascensão de Mussolini, não pode deixar de admitir certa semelhança com o que se passa em nosso país. A oposição foi reduzida a pó. Do ponto de vista operacional, inexiste.
Diferente do que houve no auge do regime militar, a aniquilação não se deu pelo terror, mas por sutil envolvimento e jogo de interesses. Recorro, novamente, à observação de Marx, para quem o burguês comum está sempre disposto a sacrificar os interesses gerais, por esta ou aquela vantagem pessoal.
Saúde e educação encontram-se entre os mais graves problemas sociais brasileiros. Quem dispõe de dinheiro recorre à iniciativa privada e paga caro pela assistência médico-hospitalar e boas escolas. Quem não dispõe, submete-se aos horrores do serviço público, onde são contados nos dedos bons hospitais (como os da Rede Sarah) e boas escolas.
O que faz o Legislativo a respeito? A resposta é: nada. Assuntos de educação e saúde lhes são estranhos e indiferentes. Vez ou outra, senadores ou deputados assumem a tribuna a fim de registrar o aniversário de alguma instituição de sua base eleitoral, e só.
As últimas notícias dão conta de que estão sendo articulados dois terríveis engodos: o financiamento das campanhas com dinheiro do contribuinte, e a eleição de deputados em listas fechadas. Antes, porém, de discuti-los, é indispensável lembrar que o Congresso carece de autoridade moral para empreender qualquer reforma de maior envergadura. Se o tentar, será movido pela preocupação com o destino de parlamentares, certos da derrota em 2010.
Desacreditado, desprovido de oposição, submisso aos caprichos do Poder Executivo, o Legislativo deve submeter-se ao processo purificador das próximas eleições, antes de cogitar de mudanças nas regras políticas, eleitorais, partidárias. Basta, por ora, a ridícula reforma ortográfica. Correio Braziliense
Almir Pazzianotto Pinto - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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