A reforma política – na verdade uma reforma eleitoral – que está sendo proposta atualmente não tem outro objetivo senão reforçar o que já existe.
Está prometida para hoje, quarta-feira, a apresentação oficial da nova proposta de reforma política do Congresso Nacional, já comentada neste espaço em outras ocasiões. Tem agora a aprovação da maioria dos partidos (dos grandes, apenas – adivinhem – o PSDB vacila) e a torcida da Presidência da República. Há dois pontos chaves – financiamento público e voto em lista fechada –, um penduricalho (uma janela de infidelidade) e pode ganhar um adendo poderoso até chegar à votação – a abertura para o terceiro mandato presidencial consecutivo.
Não se pode chamar o que está no ar, mesmo com muita condescendência, de reforma política. Os dois adendos, pouco referidos porque parecem envergonhar seus defensores, são frutos de mero oportunismo. Os outros dois são simplesmente reformas eleitorais. Por Márcio Mendonça
Uma reforma política de fato, para tornar nossas eleições mais competitivas, o sistema representativo brasileiro mais justo e o legislativo mais atuante e funcional, teria de atacar três frentes, simultaneamente – a reforma partidária, a reforma eleitoral e a reforma dos procedimentos congressuais, isto é, as normas de atuação da Câmara e do Senado.
Mas avançar neste ponto não interessa a quem vai reformar, ou seja, aos próprios beneficiários do sistema atual, os deputados e senadores, dirigentes partidários e toda a fauna que gira torno do sistema. A reforma que está sendo proposta não tem outro objetivo senão reforçar o que já existe. E, evidentemente, dar uma satisfação aos eleitores, mostrando que os políticos querem mudar. Não querem. O problema é que, doutrinariamente, as propostas são defensáveis, o que está levando muitos analistas políticos a pensar apenas em tese e a defendê-las.
O principal argumento levantado pelos defensores da proposta no Congresso, além, naturalmente, da redução das safadezas que a campanha proporciona, é que haverá um fortalecimento dos partidos, com o fim do voto individual. Nada mais falso, se não for acompanhado de outras providências.
Como falar em fortalecimento partidário e, ao mesmo tempo, admitir que se abra prazo para que os eleitos troquem de partido sem perder o mandato e com direito a disputar novamente a eleição? Uma regra de fidelidade rígida, que só abra exceção no caso de extinção do partido ou de discordâncias programáticas e ideológicas comprovadas na Justiça Eleitoral, fará mais pelos partidos do que qualquer voto em lista fechada.
Outra razão apresentada para o voto de lista fechada é estapafúrdia: os partidos teriam mais cuidado na confecção de suas listas, pois nomes comprometedores poderiam tirar votos da legenda. Ora, lista de candidatos os partidos já fazem, apenas o voto é que é individual. E que cuidados eles têm! Estão aí o deputado Sérgio Moraes (PTB/RS), o deputado Edmar Moreira (ex-DEM/MG) e tantos e tantos outros que não nos deixam mentir. Que tal aceitar uma regra da Justiça – ou criar uma no Parlamento – para os chamados candidatos de ficha suja? A assepsia seria muito mais em regra do que os "cuidados" com a lista.
Do modo como se pretende, apenas será reforçado o poder dos caciques, dos donos dos partidos. Qualquer cidadão bem informado, salvo ocorrências inusitadas, saberá fazer hoje, com grande dose de acerto, a lista dos primeiros vinte nomes do PMDB, do PDDB, do PT e do DEM à Câmara dos Deputados no próximo ano. Por que não fazer a lista, mas com a possibilidade do eleitor alterar a sua ordem? Não venham também com a história de que a lista aproxima mais o eleito do eleitor. É o contrário. Para acabar com esse divórcio entre o representante e o representado, a receita é o voto distrital, puro ou misto.
No caso do financiamento público das campanhas, a fórmula somente funcionará se vier acompanhada da proibição completa de qualquer outro tipo de ajuda e de uma legislação altamente punitiva para quem sair da linha – para quem receber e para quem pagar. O caixa dois está aí mesmo, livre, leve e solto, apesar de proibido. Inventaram até o caixa dois envergonhado: financiamentos feitos pelas empresas sem identificação dos destinatários – vai tudo para os cofres dos partidos. Nas eleições do ano passado, mais de 50% da ajuda foi por essa modalidade. Alguém confia na prestação de contas eleitorais dos partidos e dos candidatos?
Podem anotar: se o que está sendo discutido passar até outubro – e dessa vez, pela conjugação de interesses, é possível que aconteça – o próximo Congresso e as próximas Assembléias Legislativas serão menos respeitáveis ainda do que hoje, e menos representativos ainda da sociedade brasileira. Se isso for possível. Diário do Comércio
Marcio Mendonça é jornalista e analista político
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