Dia de ódio acabou com as esperanças de um Irã cordial

MODERADOS TÊM POUCOS MEIOS PARA CONTESTAR DERROTA

É impossível saber com certeza até que ponto a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad representa a preferência de um público iraniano conservador e até que ponto, como a oposição acredita, é o veredicto imposto por um regime autoritário.

Mas para os que sonhavam com um Irã mais cordial, sábado foi um dia de ódio fumegante, esperanças esmagadas e ilusões perdidas, das ruas de Teerã aos centros políticos das capitais do Ocidente. Os iranianos que esperavam um pouco mais de liberdade, uma economia mais bem administrada e uma imagem menos hostil ao mundo protestaram e se desesperaram.

Nas ruas em torno da Praça Fatemi, perto da sede da campanha do principal candidato de oposição, Mir Hossein Mousavi, guardas da tropa de choque rugiam suas motos para dispersar e intimidar os grupos de pedestres que compartilhavam rumores e desalento. "Mais quatro anos de ditadura", murmurou um eleitor. "Isso é um golpe de Estado." Muitos concordaram. Mulheres choravam e havia rumores sobre um "motim". Por Bill Keller, New York Times


Longe dali, o presidente americano, Barack Obama, e outros líderes ocidentais que defendiam que melhorar as relações com o Irã ajudaria a resolver os problemas do Afeganistão, do Iraque e a questão da proliferação nuclear se deparavam com a perspectiva de ter de se entender com um homem que, além de negar o Holocausto, agora é suspeito de fraude eleitoral.

Houve, é claro, alguns eleitorados importantes que se alegraram com o desfecho. Internamente, Ahmadinejad apelou para os temores dos mais devotos e mais pobres que consideravam que as mudanças poderiam ser desestabilizadoras.

Esses incluíam os alarmados com os dias de carnaval político nas ruas que precederam a eleição e os desconcertados pela atenção de Mousavi com o papel tradicional de segunda classe das mulheres no Irã.

A eles se somaram os funcionários públicos, policiais e os aposentados que desfrutam todos da generosidade financiada a petróleo do atual presidente.

Fora do Irã, o resultado foi confortador para falcões em Israel e algumas capitais ocidentais, que temiam que um presidente menos hostil em Teerã fizesse o resto do mundo baixar a guarda sobre a ameaça nuclear iraniana. Mousavi, embora prometesse uma política externa mais conciliatória, não renegou o projeto de enriquecimento de urânio do país, que, segundo as autoridades iranianas, tem objetivos civis e pacíficos.

"Aliás, será ainda mais difícil de lidar com Mousavi (do que com Ahmadinejad), por ele ser mais acessível", disse um cético diplomata ocidental na véspera da eleição.

Entre jornalistas e acadêmicos iranianos abatidos, a conversa se concentrava nos motivos pelos quais a liderança coletiva conjunta de clérigos, oficiais militares e políticos, cujo aval é importante para quase tudo que ocorre no Irã, decidiu apoiar Ahmadinejad.

Teriam ficado em pânico ante o inesperado entusiasmo por mudanças que emergiu nas últimas semanas da campanha de Mousavi? Teria o opositor ido longe demais em suas promessas sobre direitos das mulheres, liberdades civis e um tratamento mais conciliatório em relação ao Ocidente? Ou esse ímpeto teria sido uma ilusão, o produto de um pensamento positivo?

Os otimistas no Irã e no exterior precisam se perguntar se a alegre agitação que encheu as ruas nas últimas semanas representava uma nova força popular ou apenas uma oportunidade de extravasar tensões.

Embora o Irã não seja exatamente a sociedade fechada que muitos imaginam - ele é uma nação de mensagens de texto, de páginas no Facebook, com acesso a transmissões da BBC em língua persa e a outras vozes independentes - , a sociedade iraniana ainda é muito controlada.

Nas ruas, especulava-se sobre as estratégias que teriam sido usadas para manipular a votação. Muitos eleitores estavam inconformados com o fato de Ahmadinejad ter conseguido uma margem de vitória tão contundente.

Uma versão (do irmão de alguém que supostamente conhecia alguém "de dentro") dizia que os apuradores simplesmente foram ordenados a mudar os números: "Transforme esses 1.000 para Ahmadinejad em 3.000."

Outros assinalaram que o sistema eleitoral parecia ter sido planejado para confundir eleitores da oposição. Os eleitores eram obrigados a escolher um candidato e preencher um código. Embora Mousavi fosse o candidato número 4, o código número 44 significava Ahmadinejad.

Um homem que era funcionário do Ministério do Interior e que havia trabalhado na apuração disse que o governo vinha preparando sua fraude há semanas, expurgando todos cuja lealdade fosse duvidosa e alistando simpatizantes de todo o país para integrar a equipe de apuração.

"Eles não falsificaram o voto", afirmou esse homem, que mostrou seu cartão de identificação do ministério, mas não quis dizer o nome. "A verdade é que nem sequer olharam para o voto. (Os apuradores) apenas escreviam o nome e colocavam o número (de votos) na frente dele."

Ontem, o governo insistiu que a eleição foi limpa e deu a entender que teria pouca paciência com quem questionasse a "pureza" da democracia do Irã. Não ficou claro que recursos restariam à oposição. Mousavi, que desapareceu de vista em meio a rumores de que estava sob prisão domiciliar (ou pior), enviou o recado de que não retrocederia, mas não disse como questionaria o resultado.

O sistema de mensagens de texto pelo celular que era o sistema nervoso da oposição foi paralisado e foram fechadas universidades, sites e jornais que o governo considerava hostis. Mousavi não teve permissão para falar em público e mal conseguiu emitir um comunicado chamando a eleição de um "espetáculo de mágica".

Embora tenha havido muitas manifestações, ontem também havia um medo palpável no ar. Poucos eleitores da oposição aceitavam se identificar ao opinar sobre a votação, por exemplo. "Ao anoitecer as pessoas vão inundar as ruas", previu uma jovem, com um chador preto. "Mas Ahmadinejad se tornará presidente pela força." – Via O Estado de São Paulo

*Bill Keller é editor executivo do New York Times

Um comentário:

Joana D'Arc disse...

O Irã é uma verdadeira panela de pressão que vai explodir a qualquer momento.

O povo está sufocado pelo regime do ditador e pelos aiatolás.

Mas está crescendo a ânsia por mais liberdade - isso em todos os sentidos - entre os jovens. É só ler as reportagens que mostram suas festas a portas fechadas...

Existe também o descontentamento dos mais velhos que ainda não aceitaram a deposição do Xá Reza Pahlev e a volta do país às trevas do obscurantismo.