
O levante popular que ocorre neste momento no Irã é algo realmente notável - um levante popular em um país petrolífero do Oriente Médio.
E por que é tão inusitado? Porque na maior parte dos países do Oriente Médio, o poder se origina no cano de um fuzil e num barril de petróleo - e esta combinação é muito difícil de ser derrotada.
O petróleo é a razão fundamental pela qual a democracia custou tanto a aparecer no Oriente Médio, com exceção de uma das poucas nações que não têm petróleo: o Líbano. Pois, quando reis e ditadores tomam o poder, constroem uma rede de proteção, não apenas porque podem prender seus adversários e matar seus inimigos, mas porque podem comprar o seu povo e usar a riqueza gerada pelo petróleo para montar enormes aparatos de segurança interna. Houve um único precedente de autocrata financiado pelo petróleo no Oriente Médio derrubado por uma revolução popular e não por um golpe militar, e isto aconteceu exatamente no Irã. Por Thomas Friedman, The New York Times
Em 1979, quando o povo iraniano se insurgiu contra o xá Reza Pahlevi na Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, o xá controlava o Exército, a polícia secreta e uma imensa rede de apoio patrocinado pelo petróleo. Mas em certo momento, quando as pessoas foram para as ruas e desafiaram sua autoridade, e por isso levaram balas, quebraram o xá. Todos os seus cavalos e os seus homens não conseguiram manter o seu regime de pé.
A Revolução Islâmica aprendeu com o xá. Usou sua riqueza petrolífera - o Irã é o quinto maior produtor de petróleo do mundo - para comprar amplas camadas da população com habitações baratas, empregos públicos, alimentos e gasolina subsidiados. Também usou o seu petróleo para montar uma vasta força militar - a Guarda Revolucionária e a milícia basij - a fim de manter-se no poder.
Portanto, a grande questão no Irã hoje é: poderá a revolução verde liderada por Mir Hossein Mousavi representar para o regime islâmico o que Khomeini e o povo iraniano representaram para o regime do xá - acabar com o seu encanto a ponto de seus fuzis e seus barris de petróleo se tornarem inúteis?Os mulás que governam o Irã sempre foram impiedosos. Mas disfarçavam isso, até certo ponto, realizando falsas eleições. Eu disse falsas eleições porque, embora o regime apurasse cuidadosamente os votos, controlava rigorosamente quem poderia se candidatar. A escolha poderia se dar entre preto preto e preto um pouco menos preto.
O que aconteceu desta vez foi que a revolta contra o regime atingiu um nível tal - hoje o desemprego chega a quase 20% e há uma população jovem cansada de suas opções de vida serem limitadas pelos teocratas - que, tendo a possibilidade de escolher entre um candidato do regime preto e um candidato um pouco menos preto, milhões de iranianos votaram neste: Mousavi. O povo iraniano fez do homem do regime seu candidato, e aparentemente este acabou se deixando transformar pelo povo. Por isso o regime entrou em pânico e fraudou a eleição.
O dramaturgo Tom Stoppard observou certa vez que democracia não está na eleição em si, mas "na contagem dos votos". Os mulás sempre estiveram dispostos a permitir a realização de eleições, mesmo porque a contagem dos votos não tinha importância, uma vez que o vencedor seria sempre um homem do regime. Mas o que aconteceu desta vez foi que no espaço extremamente restrito que o regime teve de abrir para que houvesse até mesmo uma falsa eleição, eclodiu uma espécie de contrarrevolução.
Evidentemente seu líder, Mousavi, é menos liberal do que a maioria dos seus seguidores. Mas sua nuance de um preto um pouco mais claro atraiu e desencadeou tanta frustração reprimida e tantas esperanças de mudança entre os iranianos que se tornou um candidato independente e, por isso, os votos que ele recebeu não puderam ser contados - porque não eram apenas os votos dados a ele, mas um referendo contra todo o regime.
Agora, entretanto, depois de terem votado, os iranianos que querem uma mudança terão de votar novamente com seus corpos. Um regime como o do Irã só pode ser derrubado ou mudado se houver nas ruas um número de iranianos como em 1979. É isto o que o regime mais teme, porque então terá de atirar contra o seu povo ou abrir mão do poder.
E assim o desafio está lançado. Se os reformistas quiserem mudança, terão de criar uma liderança, expor sua visão do Irã e continuar votando nas ruas, sem parar. Somente se comparecerem com seus corpos e gritarem para o regime "nós não podemos ser comprados e não nos deixaremos intimidar", seus votos contarão.
Torço e temo por eles. Uma moderação de parte da liderança do Irã teria um grande efeito positivo para o Oriente Médio. Mas os reformistas (assim como nós) não devem se iludir com os barris e os fuzis que voltam a ameaçar.* Thomas Friedman é jornalista e escritor. O Estado de S. Paulo – Opinião
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