Leia também no texto oculto: “O simulador de eficiência” de Luiz Antonio Ryff
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, poderia ter consultado seu colega José Gomes Temporão antes de, ao comentar na última quarta-feira o destino dos passageiros do voo AF 447, tergiversar sobre abdomes rompidos e tubarões devorando corpos na costa de Pernambuco.
O Instituto Nacional do Câncer, vinculado ao Ministério da Saúde, iniciou no mês passado uma parceria com o Albert Einstein visando a preparar médicos do hospital paulista para darem más notícias. As palestras e atividades variadas -como simulações com atores- reúnem profissionais de diversas especialidades, pois todos podem ter que comunicar a alguém um diagnóstico de câncer.
Como diz um psiquiatra que está trabalhando no projeto, "verdades massacrantes e promessas vãs" devem ser evitadas quando se abordam fatos terríveis.
O que leva o ministro da Defesa, um dia após ter ido supostamente consolar as famílias das vítimas, a falar em tubarões e abdomes rompidos? A que serve essa informação?
Todo o desempenho de Jobim nesta semana o credencia, se tanto, ao cargo de ministro do Ataque.
O advogado e sobretudo político não sabe, mas dar más notícias não é algo que deva ser feito de improviso. Existe toda uma literatura sobre o assunto, um protocolo internacional, técnicas que exigem estudo e constante atualização.Os médicos e psicólogos da Air France certamente dominam essas informações, tanto que estão com os familiares num ambiente isolado (o salão de um hotel), algo recomendado nesses casos. A parolagem sanguinolenta de Jobim em nada ajudou o trabalho deles. Opinião da Folha de São Paulo - Luiz Fernando Vianna
O SIMULADOR DE EFICIÊNCIA
A fauna política no Brasil tem espécimes característicos de nosso ecossistema que são difíceis de encontrar fora do país, ou que já foram extintos em outros rincões do planeta. Um exemplar dos mais curiosos é Nelson Jobim. Nem tanto por conta de sua compleição física, do timbre grave na voz, pelo jeito pomposo e pela vaidade, que são motivo de troça no meio político. Tudo isso é detalhe. O momento mais substantivo de sua trajetória provavelmente ocorreu durante a elaboração da Constituição de 1988. Em 2003, ele confidenciou a “O Globo” ter incluído no texto final dois dispositivos que não foram votados pelos constituintes.
Em alguns paises uma fraude na Constituição teria sido suficiente para jogar seu autor no limbo político para o resto da vida. Em outros ele teria que responder à Justiça pelo seu ato. Mas, no Brasil, isso é sinal de esperteza e a traquinagem jurídica não o impediu de ser alçado ao posto de ministro da Justiça, ser indicado para o Supremo Tribunal Federal e tornar-se presidente da mais alta corte jurídica do país. Lá, Jobim ficou marcado por ter politizado o debate em questões que deveriam ser avaliadas tecnicamente.
Se sua carreira havia ganho um impulso durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que o indicou para a pasta da Justiça e para a vaga no STF, Jobim acabou ficando próximo do governo petista. Na presidência do Supremo era cotado para vice de Lula.
Há dois anos, acabou sendo alçado ao posto de ministro da Defesa, durante a crise do caos aéreo. Chegou como salvador da pátria, e pareceu feliz com o papel ao humilhar publicamente o seu enfraquecido antecessor, Waldir Pires, com uma citação atribuída a Disraeli na cerimônia de trasmissão de cargo.
- Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe. Aja ou saia. Faça ou vá embora.
Assim que chegou ao ministério, Jobim adquiriu um curioso gosto por roupas camufladas e passou a posar para fotógrafos fantasiado de militar. Vaidoso, não perde uma oportunidade para aparecer. Não seria no desastre do avião da Air France que isso mudaria. Como o Brasil chegou à suposta região do acidente antes da França, Jobim não desperdiçou a chance de colocar na própria cabeça os louros da vitória, ainda mais sob holofotes da imprensa mundial. Deu duas coletivas e numa delas, na terça, com o costumeiro ar compenetrado e a voz firme de sempre, declarou:
- Os destroços são do avião. Isso não há mais dúvida.
Um repórter ainda acenou com outra possibilidade, para ser cortado pelo ministro:
- Eu não trabalho com hipóteses. Nós trabalhamos com dados empíricos.
Como não há nada como um dia depois do outro, o dado empírico é que os destroços recolhidos não foram reconhecidos como sendo do avião, para vexame de Jobim.
O que faz lembrar de uma citação atribuída ao poeta Augusto Frederico Schmidt, que classificava as pessoas em quatro categorias: o falso eclético, o profeta da catástrofe, o simulador de eficiência e o articulador do caos. Jobim, não há dúvida, é um vistoso exemplo do simulador de eficiência. Publicado por Luiz Antonio Ryff -
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, poderia ter consultado seu colega José Gomes Temporão antes de, ao comentar na última quarta-feira o destino dos passageiros do voo AF 447, tergiversar sobre abdomes rompidos e tubarões devorando corpos na costa de Pernambuco.
O Instituto Nacional do Câncer, vinculado ao Ministério da Saúde, iniciou no mês passado uma parceria com o Albert Einstein visando a preparar médicos do hospital paulista para darem más notícias. As palestras e atividades variadas -como simulações com atores- reúnem profissionais de diversas especialidades, pois todos podem ter que comunicar a alguém um diagnóstico de câncer.
Como diz um psiquiatra que está trabalhando no projeto, "verdades massacrantes e promessas vãs" devem ser evitadas quando se abordam fatos terríveis.
O que leva o ministro da Defesa, um dia após ter ido supostamente consolar as famílias das vítimas, a falar em tubarões e abdomes rompidos? A que serve essa informação?
Todo o desempenho de Jobim nesta semana o credencia, se tanto, ao cargo de ministro do Ataque.
O advogado e sobretudo político não sabe, mas dar más notícias não é algo que deva ser feito de improviso. Existe toda uma literatura sobre o assunto, um protocolo internacional, técnicas que exigem estudo e constante atualização.Os médicos e psicólogos da Air France certamente dominam essas informações, tanto que estão com os familiares num ambiente isolado (o salão de um hotel), algo recomendado nesses casos. A parolagem sanguinolenta de Jobim em nada ajudou o trabalho deles. Opinião da Folha de São Paulo - Luiz Fernando Vianna
O SIMULADOR DE EFICIÊNCIA
A fauna política no Brasil tem espécimes característicos de nosso ecossistema que são difíceis de encontrar fora do país, ou que já foram extintos em outros rincões do planeta. Um exemplar dos mais curiosos é Nelson Jobim. Nem tanto por conta de sua compleição física, do timbre grave na voz, pelo jeito pomposo e pela vaidade, que são motivo de troça no meio político. Tudo isso é detalhe. O momento mais substantivo de sua trajetória provavelmente ocorreu durante a elaboração da Constituição de 1988. Em 2003, ele confidenciou a “O Globo” ter incluído no texto final dois dispositivos que não foram votados pelos constituintes.
Em alguns paises uma fraude na Constituição teria sido suficiente para jogar seu autor no limbo político para o resto da vida. Em outros ele teria que responder à Justiça pelo seu ato. Mas, no Brasil, isso é sinal de esperteza e a traquinagem jurídica não o impediu de ser alçado ao posto de ministro da Justiça, ser indicado para o Supremo Tribunal Federal e tornar-se presidente da mais alta corte jurídica do país. Lá, Jobim ficou marcado por ter politizado o debate em questões que deveriam ser avaliadas tecnicamente.
Se sua carreira havia ganho um impulso durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que o indicou para a pasta da Justiça e para a vaga no STF, Jobim acabou ficando próximo do governo petista. Na presidência do Supremo era cotado para vice de Lula.
Há dois anos, acabou sendo alçado ao posto de ministro da Defesa, durante a crise do caos aéreo. Chegou como salvador da pátria, e pareceu feliz com o papel ao humilhar publicamente o seu enfraquecido antecessor, Waldir Pires, com uma citação atribuída a Disraeli na cerimônia de trasmissão de cargo.
- Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe. Aja ou saia. Faça ou vá embora.
Assim que chegou ao ministério, Jobim adquiriu um curioso gosto por roupas camufladas e passou a posar para fotógrafos fantasiado de militar. Vaidoso, não perde uma oportunidade para aparecer. Não seria no desastre do avião da Air France que isso mudaria. Como o Brasil chegou à suposta região do acidente antes da França, Jobim não desperdiçou a chance de colocar na própria cabeça os louros da vitória, ainda mais sob holofotes da imprensa mundial. Deu duas coletivas e numa delas, na terça, com o costumeiro ar compenetrado e a voz firme de sempre, declarou:
- Os destroços são do avião. Isso não há mais dúvida.
Um repórter ainda acenou com outra possibilidade, para ser cortado pelo ministro:
- Eu não trabalho com hipóteses. Nós trabalhamos com dados empíricos.
Como não há nada como um dia depois do outro, o dado empírico é que os destroços recolhidos não foram reconhecidos como sendo do avião, para vexame de Jobim.
O que faz lembrar de uma citação atribuída ao poeta Augusto Frederico Schmidt, que classificava as pessoas em quatro categorias: o falso eclético, o profeta da catástrofe, o simulador de eficiência e o articulador do caos. Jobim, não há dúvida, é um vistoso exemplo do simulador de eficiência. Publicado por Luiz Antonio Ryff -
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