O sertão que o PAC esqueceu

"MÃE" MEGERA COLOCA OS MAIS POBRES DE ESCANTEIO

Região mais carente do país recebe menos recursos do governo que áreas mais desenvolvidas

Principal plataforma eleitoral do Lula da Silva, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) concentra os investimentos do Nordeste nas regiões mais desenvolvidas de cada estado. Sobra pouco para os sertões, regiões esquecidas onde falta tudo: água, comida, estradas, trabalho, dignidade. Ali, encontramos famílias que vivem com renda mensal de R$ 150. Comem arroz com feijão e farinha, quando há farinha. Plantam “pagando renda” para os donos das terras. Recebem água em carros-pipa. Mais da metade vive do Bolsa Família. As maiores obras do PAC previstas para essas regiões, nos grotões de Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Piauí, Ceará, estão apenas engatinhando, ou paralisadas por fraudes e pela inoperância dos governos.

O Correio percorreu cerca de 3 mil quilômetros nos sertões do Nordeste. Há centenas de placas anunciando obras do PAC nas entradas das cidades, a grande maioria delas com projetos de pequeno porte, nas áreas de saneamento, abastecimento de água e melhorias habitacionais. Mas atendem basicamente a zona urbana dos municípios. Lúcio Vaz - Enviado especial



As obras de infraestrutura de transportes e energia são escassas, se comparadas com as regiões desenvolvidas. Os projetos de irrigação estão apenas começando. Nos rincões mais distantes, os sertanejos muitas vezes desconhecem o maior programa do governo Lula. No interior de Santa Cruz (PE), na Chapada do Araripe, perto da divisa com o Piauí, o agricultor aposentado Fulgêncio dos Santos, de 64 anos, é questionado sobre o PAC. Responde com outra pergunta: “Não é esse que dá os caixão de defunto (sic)?”

O governo Lula oficializou as chamadas mesorregiões, territórios que envolvem partes de um ou mais estados com características comuns nas áreas cultural, socioeconômica e ambiental. O Ministério da Integração Nacional relata em seu site oficial que o Brasil apresenta “nítidas desigualdades regionais”, que seriam o resultado de um processo de desenvolvimento caracterizado pela concentração em áreas do centro-sul e ao longo da faixa litorânea. Apesar dos avanços no processo de desconcentração, “o Brasil ainda sente falta de políticas públicas que contribuam para a inserção igualitária de áreas menos desenvolvidas e ofereçam precárias condições de bem-estar social a seus habitantes”, reconhece o ministério.

Desequilíbrio

O PAC seria uma oportunidade para reduzir essas desigualdades. Mas uma análise dos relatórios do programa em cada estado mostra que a concentração histórica permanece. A mesorregião de Xingó é formada pelos sertões de Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco. Nesse território, metade da população tem o perfil do programa Bolsa Família. Isso significa que a renda per capita não ultrapassa os R$ 137. O índice de desenvolvimento humano (IDH) fica em 0,589, semelhante ao da Suazilândia, pequeno e pobre país da África com tradição monárquica absolutista. Com área de 78 mil km², Xingó receberá investimentos na ordem de R$ 1,8 bilhão. Os estados de Alagoas e Sergipe, juntos, têm área de 50 mil km², serão contemplados com projetos orçados em R$ 11,7 bilhões.

Em Porto da Folha (SE), distante cerca de 200km de Aracaju, o prefeito Manoel Gomes de Freitas (PT) é aliado incondicional do presidente Lula, mas reclama que os recursos do PAC não chegam para obras de saneamento na cidade. Questionado se a criação da mesorregião resultou em benefícios para o município, responde prontamente: “Foi criada com esse objetivo. Mas, até o momento, a mesorregião é só nomenclatura. Em benefício para os municípios, ainda não sentidos esse efeito”. Na sede do município, a maioria dos moradores vive da confecção de bordados, que são vendidos em Cedro por uma comerciante local. Até crianças de 7 anos fazem bordados. Rosenilda Santos Lima, 31 anos, cobra R$ 35 por uma colcha que exige um mês de trabalho. Ela trabalha na prefeitura, mas a maioria depende do Bolsa Família para sobreviver.

No distante povoado Paulista, no interior de Itainópolis (PI), Ana Maria da Conceição, 93 anos, é a imagem do descaso, do esquecimento. Ela vive com o filho Raimundo Souza, 45 anos, que foi aposentado por motivo de doença. “Sou encostado”, diz ele. A mãe passa o tempo na frente a casa, por onde circulam porcos do povoado. O município integra a Chapada do Araripe, que reúne pedaços de Pernambuco, Piauí e Ceará. Com área de 76 mil km², a Chapada tem promessa de investimento de R$ 4,4 bilhões do PAC. O estado de Pernambuco, com território um pouco maior (98 mil km²), receberá R$ 45 bilhões. Correio Braziliense


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