Jobim transformou conjecturas em certezas

A estratégia do ministro Nelson Jobim de não perder a oportunidade de exercer autoridade sobre os comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica - para mostrar que o Ministério de Defesa simboliza a submissão do poder militar ao poder civil - provocou, no final da tarde da última quarta-feira, um desastre institucional. Ao final da entrevista coletiva, de vareta em punho e cercado de recursos multimídia, Jobim deixou um rastro de irritação nos comandantes militares e em todos os que participam da busca aos destroços e aos sobreviventes do Airbus da Air France.

Por respeito à hierarquia, e em reconhecimento ao fato de que o ministro é mesmo o chefe dos três comandos, nenhum militar da ativa quis criticar publicamente Jobim. Mas a soma dos desabafos feitos, na condição de mantê-los no anonimato, não deixa dúvida: um brigadeiro, um coronel, dois majores e um tenente que falaram com a reportagem do Estado traçaram o perfil de "uma trapalhada" para descrever a performance do ministro na coletiva concedida na sala de monitoramento, no quinto andar do Ministério da Defesa, em Brasília. Por Vannildo Mendes



O que irritou os militares foi o fato de o ministro ter coletado informações técnicas com seus assessores das Forças Armadas, mas, apesar disso, ter optado por uma linha que divergiu da cautela assumida pelo Comando da Aeronáutica. Jobim foi "brifado" duas vezes pela Aeronáutica e uma vez pela Marinha. Em um ambiente midiático, com power point, telão gigante e imagens enviadas online pelo centro operacional das buscas montado no Recife, o ministro, dizem os militares, "transformou conjecturas em certezas" e se "precipitou em conclusões" que até agora são mantidas como hipóteses da tragédia do voo AF 447 (veja o quadro ao lado).

Jobim recebeu as informações sobre o acidente e as buscas em Natal, na terça-feira, pouco antes da entrevista, por meio de teleconferência com oficiais instalados no QG das buscas no Recife. "Ele se precipitou em várias conclusões que acabaram não se confirmando", disse um oficial.

"O ministro quis atropelar e atrapalhou o trabalho articulado das Forças Armadas", acrescentou outro militar. Na síntese dos problemas criados, os militares atribuem a Jobim estas confusões: 1) considerou como destroços do Airbus todos os objetos vistos de cima por aviões da FAB; muitos deles não passavam de lixo despejado no mar; 2) descartou muito cedo a hipótese de explosão (e de terrorismo); 3) foi imprudente e deselegante com os familiares das vítimas e as equipes de buscas ao descartar a possibilidade de achar sobreviventes.

"Tecnicamente, só agora se pode dizer que é praticamente impossível achar sobreviventes. Mesmo assim, isso tem de ser dito de forma mais respeitosa", observou um oficial. "Nunca dissemos isso ao ministro (que estava descartada a hipótese de explosão terrorista). Foi dedução da cabeça dele", acrescentou outro militar. "Nem mesmo agora essa hipótese está descartada."
O Estado ligou ontem, por volta de 18h30, para o ministro e deixou recado pedindo que ele se manifestasse sobre as críticas. Até as 20 horas, Jobim não havia respondido à ligação. O Estado de São Paulo




O MINISTRO INSENSATO, O SINO SUMIDO E A CONSTITUIÇÃO VIOLENTADA
Em outubro de 2003, o Brasil foi confrontado com um crime que, praticado 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelado por um Nelson Jobim já vestindo a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Com a naturalidade de quem explica por que prefere chimarrão a café, o ex-parlamentar do PMDB gaúcho confessou ter infiltrado na Constituição de 1988, cujo texto definitivo lhe coube redigir, dois artigos que não haviam sido votados, muito menos discutidos no plenário.

Se o país tivesse juízo, a reação indignada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados (para que fossem prontamente expurgados), pedir perdão ao povo em geral e a seu eleitorado em particular, voltar aos Rio Grande do Sul e ali ficar à espera da intimação para explicar-se no tribunal. Se o Brasil fosse sensato, milhões de cidadãos ultrajados estariam tentando entender como pôde quem faz uma coisa dessas ter virado ministro da Justiça e depois ministro da corte incumbida de decidir o que é ou não é constitucional.

Como o país não tem juízo, fez de conta que o Jobim da terceira idade continuava tão brincalhão quanto o estudante de direito que fez parte do grupo que furtou o sino da faculdade e, em vez de devolver o símbolo da faculdade, transformou-o em troféu de uma confraria de marmanjos. Nações com hímen complacente não gritam nem quando a Constituição é afrontada.

Três dias depois da revelação, o réu confesso voltou espontaneamente ao tema para garantir que não agira sozinho. As infiltrações ilegais, alegou, foram encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90. Ulysses não viveu para confirmar ou desmentir a versão que o reduz a mandante do crime de falsificação de documento público.

Por se achar muito brincalhão, ele costuma tratar coisas sérias com a leviandade do garotão que ajudou a fundar a Ordem do Sino. Brinca de general, almirante, brigadeiro, até já incorporou o herói de araque Jobim das Selvas para duelar com a sucuri. Era previsível que acabasse brincando com o que mata, fere, espanta, dói, atormenta, traumatiza. Um acidente aéreo apavorante, por exemplo. Direto ao Ponto – Por Augusto Nunes - Revista Veja


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