Foi o dia do destino e o dia da coragem no Irã.
Um milhão de pessoas marcharam da Praça Engelob até a Praça Azadi, em Teerã, sob os olhos atentos de um forte aparato policial. Desde a Revolução de 1979 não ocorriam protestos de massa como este no país, com tamanha participação popular.
Multidões se espremiam pelas ruas da capital e, ao chegarem nas principais avenidas, encontravam centenas de fileiras de policiais prontos para conter os distúrbios.
No entanto, não se sentiam intimidados, ignoraram a presença da polícia. Já alguns policiais, diante daquela massa de gente muito mais numerosa, chegavam a sorrir timidamente e, para nossa surpresa, acenar com a cabeça para aqueles homens e mulheres que exigiam liberdade. Por Robert Fisk
Uma mulher começou a sacudir um lenço verde (símbolo da campanha do opositor Mir Houssein Moussavi) e milhares acompanharam seu gesto.
Andando em meio a essa imensa aglomeração humana, um estranho sentimento de força toma conta de todos nós. Quem desafiaria atacar aquele povo agora? Que governo poderia ferir aquela gente com tamanha determinação? Perguntas perigosas.
Moin, um estudante da engenharia química da Universidade de Teerã, que andava junto a mim na multidão, cantava em farsi em plena chuva. Pedi que traduzisse (para o inglês) o que dizia. “É um poema de Sohrab Sepehri, um de nossos poetas modernos”, disse ele. Me perguntei se isso era realmente verdade. Estaria ele cantando um poema em meio a uma manifestação em Teerã que estava tentando mudar a História? Era isso sim. Eis o que dizia o poema: “Devemos seguir sob a chuva, devemos lavar nossos olhos, devemos ver o mundo de um jeito diferente.” Nossos pés doíam. Tropeçamos várias vezes em buracos e tampas de bueiros, escondidos pela multidão de pés e pelas túnicas das mulheres.
Não era uma manifestação exclusiva de jovens ocidentalizados do norte de Teerã. Os pobres estavam nela, os trabalhadores, a senhoras de meia-idade e suas roupas ainda mais conservadoras também.
Após caminhar por mais de seis quilômetros, o monumento de Azadi apareceu ao fundo como uma nave espacial. Moin e seus amigos andaram tão colados a mim por tanto tempo que meu peito parecia estar esmagado.
No fim do percurso, Moin e seus amigos se sentaram na grama da praça e se perguntaram: será que o líder supremo vai entender o que aconteceu hoje aqui? Um deles disse: “ele vai convocar novas eleições”. Imediatamente eles olharam para mim, e eu disse: não perguntem a um estrangeiro. Não estou convencido de que os pais da Revolução de 1979 parecerão amigáveis após essa reivindicação evidente de liberdade.
O governo não está preocupado com bons ou maus garotos. O governo se preocupa com o poder e com o Estado. As armas da República Islâmica continuarão em poder do governo Ahmadinejad e de seus líderes espirituais. Isso, não há dúvida, veremos comprovado em breve. O Globo
O MAIOR PROTESTO DESDE A REVOLUÇÃO
Moussavi reaparece e desafia aiatolás ao arrastar multidão por Teerã. Comissão investigará eleição
Teerã foi tomada ontem pela maior manifestação já enfrentada pelo regime dos aiatolás, que chegou ao poder com a Revolução Islâmica de 1979. Uma passeata com um milhão de pessoas atravessou a capital do Irã, depois de o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, ter anunciado publicamente que o resultado das eleições de sextafeira que reelegeram o presidente Mahmoud Ahmadinejad — cuja contagem foi considerada fraudada pelos opositores — deverá ser investigado por uma comissão de clérigos, o Conselho dos Guardiães. No mesmo dia, no entanto, houve os primeiros relatos de pessoas assassinadas por paramilitares ligados ao regime.
O principal candidato da oposição, Mir Houssein Moussavi, que não era visto desde o dia da eleição, esteve na Praça Azadi — Liberdade, em farsi —, onde a multidão se concentrou. Sobre um carro, ele tentou se dirigir aos manifestantes portando apenas um megafone.
Sem conseguir ouvi-lo, mas felizes ao rever o candidato, a multidão pediu, em coro: “Moussavi, nós o apoiamos. Nós morreremos, mas recupere nossos votos”.
— O voto do povo é mais importante do que Moussavi ou qualquer outra pessoa — disse ele. — Vou pagar qualquer preço para materializar os ideais do nosso povo. As pessoas sentem que sua sabedoria foi insultada. A solução é cancelar o resultado desta duvidosa eleição.
Obama: mundo está vendo a violência
Outro personagem importante na política iraniana, o ex-presidente Mohammad Khatami participou do protesto. Oficialmente, os protestos estavam proibidos, mas, ontem, os policiais da tropa de choque que vigiaram a demonstração não fizeram menção de tentar dispersar a multidão.
— Nós queremos nosso presidente, não um que foi imposto à força — disse a manifestante Sara, de 28 anos, que, por medida de segurança só deu o seu primeiro nome.
As esperanças de um dia tranquilo, no entanto, acabaram no fim da manifestação, com um ataque de integrantes da milícia Basij, grupo paramilitar que tem forte ligação com a Guarda Revolucionária, a força militar de elite do regime.
Milicianos abriram fogo do teto de um prédio contra um grupo de manifestantes.
Outros jovens tentaram, por sua vez, invadir o prédio, uma base dos basijs perto da Praça Azadi. Jornalistas viram pelo menos um manifestante ser morto.Houve relatos de outra morte na cidade de Shiraz, e estudantes chegaram a falar que houve uma chacina na Universidade de Teerã.
Mortes nas mãos de forças do Estado durante protestos contrários ao governo foram o estopim da Revolução Islâmica. A revolta popular contra o regime do xá Reza Pahlevi cresceu muito após jovens opositores serem mortos por policiais, tornando-se “mártires” na luta contra a ditadura.
O anúncio do aiatolá Khamenei de que o resultado da eleição será avaliado surpreendeu o país. No sábado, ele declarara que Ahmadinejad vencera a votação, e que tal resultado era uma “avaliação divina”. Ontem, porém, ele decidiu solicitar ao Conselho dos Guardiães que investigue o pleito — a rádio e a TV estatais repetiram sua decisão a cada 15 minutos ontem.
O pedido para que o conselho estudasse as denúncias de fraude fora feito pelo próprio Moussavi, numa reunião com Khamenei domingo. Outro candidato, o linha-dura Mohsen Rezai, também fez pedido semelhante. Moussavi, no entanto, disse não ter grandes esperanças de uma reviravolta: — Apelei ao Conselho dos Guardiães, mas não estou muito otimista.
Muitos de seus membros durante a eleição não foram imparciais, e apoiaram o candidato do governo.
O conselho é formado por 12 clérigos, indicados por Khamenei.
Manifestações contra a eleição se espalharam ontem por outras grandes cidades de todos os cantos do país, como Mashhad, Isfahan, Tabriz, Shiraz, Ahvaz e Yazd.
Em Washington, o presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o mundo se inspira com a juventude iraniana: — Estou profundamente perturbado com a violência que vi na TV. O processo democrático, a liberdade de expressão, a possibilidade de as pessoas discordarem pacificamente são valores universais que precisam ser respeitados.
Seria errado para mim ficar em silêncio. O mundo está vendo e se inspira com as ações dos iranianos, particularmente a juventude. O Globo
Um milhão de pessoas marcharam da Praça Engelob até a Praça Azadi, em Teerã, sob os olhos atentos de um forte aparato policial. Desde a Revolução de 1979 não ocorriam protestos de massa como este no país, com tamanha participação popular.
Multidões se espremiam pelas ruas da capital e, ao chegarem nas principais avenidas, encontravam centenas de fileiras de policiais prontos para conter os distúrbios.
No entanto, não se sentiam intimidados, ignoraram a presença da polícia. Já alguns policiais, diante daquela massa de gente muito mais numerosa, chegavam a sorrir timidamente e, para nossa surpresa, acenar com a cabeça para aqueles homens e mulheres que exigiam liberdade. Por Robert Fisk
Uma mulher começou a sacudir um lenço verde (símbolo da campanha do opositor Mir Houssein Moussavi) e milhares acompanharam seu gesto.
Andando em meio a essa imensa aglomeração humana, um estranho sentimento de força toma conta de todos nós. Quem desafiaria atacar aquele povo agora? Que governo poderia ferir aquela gente com tamanha determinação? Perguntas perigosas.
Moin, um estudante da engenharia química da Universidade de Teerã, que andava junto a mim na multidão, cantava em farsi em plena chuva. Pedi que traduzisse (para o inglês) o que dizia. “É um poema de Sohrab Sepehri, um de nossos poetas modernos”, disse ele. Me perguntei se isso era realmente verdade. Estaria ele cantando um poema em meio a uma manifestação em Teerã que estava tentando mudar a História? Era isso sim. Eis o que dizia o poema: “Devemos seguir sob a chuva, devemos lavar nossos olhos, devemos ver o mundo de um jeito diferente.” Nossos pés doíam. Tropeçamos várias vezes em buracos e tampas de bueiros, escondidos pela multidão de pés e pelas túnicas das mulheres.
Não era uma manifestação exclusiva de jovens ocidentalizados do norte de Teerã. Os pobres estavam nela, os trabalhadores, a senhoras de meia-idade e suas roupas ainda mais conservadoras também.
Após caminhar por mais de seis quilômetros, o monumento de Azadi apareceu ao fundo como uma nave espacial. Moin e seus amigos andaram tão colados a mim por tanto tempo que meu peito parecia estar esmagado.
No fim do percurso, Moin e seus amigos se sentaram na grama da praça e se perguntaram: será que o líder supremo vai entender o que aconteceu hoje aqui? Um deles disse: “ele vai convocar novas eleições”. Imediatamente eles olharam para mim, e eu disse: não perguntem a um estrangeiro. Não estou convencido de que os pais da Revolução de 1979 parecerão amigáveis após essa reivindicação evidente de liberdade.
O governo não está preocupado com bons ou maus garotos. O governo se preocupa com o poder e com o Estado. As armas da República Islâmica continuarão em poder do governo Ahmadinejad e de seus líderes espirituais. Isso, não há dúvida, veremos comprovado em breve. O Globo
O MAIOR PROTESTO DESDE A REVOLUÇÃO
Moussavi reaparece e desafia aiatolás ao arrastar multidão por Teerã. Comissão investigará eleição
Teerã foi tomada ontem pela maior manifestação já enfrentada pelo regime dos aiatolás, que chegou ao poder com a Revolução Islâmica de 1979. Uma passeata com um milhão de pessoas atravessou a capital do Irã, depois de o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, ter anunciado publicamente que o resultado das eleições de sextafeira que reelegeram o presidente Mahmoud Ahmadinejad — cuja contagem foi considerada fraudada pelos opositores — deverá ser investigado por uma comissão de clérigos, o Conselho dos Guardiães. No mesmo dia, no entanto, houve os primeiros relatos de pessoas assassinadas por paramilitares ligados ao regime.
O principal candidato da oposição, Mir Houssein Moussavi, que não era visto desde o dia da eleição, esteve na Praça Azadi — Liberdade, em farsi —, onde a multidão se concentrou. Sobre um carro, ele tentou se dirigir aos manifestantes portando apenas um megafone.
Sem conseguir ouvi-lo, mas felizes ao rever o candidato, a multidão pediu, em coro: “Moussavi, nós o apoiamos. Nós morreremos, mas recupere nossos votos”.
— O voto do povo é mais importante do que Moussavi ou qualquer outra pessoa — disse ele. — Vou pagar qualquer preço para materializar os ideais do nosso povo. As pessoas sentem que sua sabedoria foi insultada. A solução é cancelar o resultado desta duvidosa eleição.
Obama: mundo está vendo a violência
Outro personagem importante na política iraniana, o ex-presidente Mohammad Khatami participou do protesto. Oficialmente, os protestos estavam proibidos, mas, ontem, os policiais da tropa de choque que vigiaram a demonstração não fizeram menção de tentar dispersar a multidão.
— Nós queremos nosso presidente, não um que foi imposto à força — disse a manifestante Sara, de 28 anos, que, por medida de segurança só deu o seu primeiro nome.
As esperanças de um dia tranquilo, no entanto, acabaram no fim da manifestação, com um ataque de integrantes da milícia Basij, grupo paramilitar que tem forte ligação com a Guarda Revolucionária, a força militar de elite do regime.
Milicianos abriram fogo do teto de um prédio contra um grupo de manifestantes.
Outros jovens tentaram, por sua vez, invadir o prédio, uma base dos basijs perto da Praça Azadi. Jornalistas viram pelo menos um manifestante ser morto.Houve relatos de outra morte na cidade de Shiraz, e estudantes chegaram a falar que houve uma chacina na Universidade de Teerã.
Mortes nas mãos de forças do Estado durante protestos contrários ao governo foram o estopim da Revolução Islâmica. A revolta popular contra o regime do xá Reza Pahlevi cresceu muito após jovens opositores serem mortos por policiais, tornando-se “mártires” na luta contra a ditadura.
O anúncio do aiatolá Khamenei de que o resultado da eleição será avaliado surpreendeu o país. No sábado, ele declarara que Ahmadinejad vencera a votação, e que tal resultado era uma “avaliação divina”. Ontem, porém, ele decidiu solicitar ao Conselho dos Guardiães que investigue o pleito — a rádio e a TV estatais repetiram sua decisão a cada 15 minutos ontem.
O pedido para que o conselho estudasse as denúncias de fraude fora feito pelo próprio Moussavi, numa reunião com Khamenei domingo. Outro candidato, o linha-dura Mohsen Rezai, também fez pedido semelhante. Moussavi, no entanto, disse não ter grandes esperanças de uma reviravolta: — Apelei ao Conselho dos Guardiães, mas não estou muito otimista.
Muitos de seus membros durante a eleição não foram imparciais, e apoiaram o candidato do governo.
O conselho é formado por 12 clérigos, indicados por Khamenei.
Manifestações contra a eleição se espalharam ontem por outras grandes cidades de todos os cantos do país, como Mashhad, Isfahan, Tabriz, Shiraz, Ahvaz e Yazd.
Em Washington, o presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o mundo se inspira com a juventude iraniana: — Estou profundamente perturbado com a violência que vi na TV. O processo democrático, a liberdade de expressão, a possibilidade de as pessoas discordarem pacificamente são valores universais que precisam ser respeitados.
Seria errado para mim ficar em silêncio. O mundo está vendo e se inspira com as ações dos iranianos, particularmente a juventude. O Globo
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