Afeganistão: Podemos sair agora? Não

OS EXTREMISTAS DO TALIBÃ FECHARAM 75 DAS 228 ESCOLAS EM 2008

O Talibã quer mesquitas públicas, não escolas públicas.

Confesso, eu considerei difícil vir ao Afeganistão e não perguntar: Por que estamos aqui? Quem se importa com o Talibã? A Al Qaeda já se foi? E se seus líderes voltarem, foi para isso que Deus criou os mísseis guiados. Mas toda vez que começo a escrever esta coluna, algo interrompe a minha mão.

Na semana passada, foi algo muito poderoso. Vi Greg Mortenson, o famoso autor de A Terceira Xícara de Chá, abrir uma de suas escolas para meninas nesta remota vila afegã, Pushghar, nas Montanhas Hindu Kush. Tenho de dizer, após testemunhar a felicidade no rosto dessas pequenas afegãs, que se amontoavam as três em uma mesa, esperando aprender, que seria muito duro para mim escrever: "Vamos sair daqui e pronto".

Aliás, o esforço de Mortenson nos lembra do que se trata a essência da "guerra ao terrorismo". Trata-se de uma guerra de ideias dentro do Islamismo – uma guerra entre fanáticos religiosos que glorificam o martírio e que desejam manter o islamismo intocado pela modernidade e isolado das outras religiões, no qual as mulheres não têm importância, e entre aqueles que desejam abraçar a modernidade, abrir o Islã a novas mulheres e dar às mulheres muçulmanas o mesmo poder dos homens. Por Thomas L. Friedman

As invasões dos Estados Unidos ao Iraque e ao Afeganistão foram, em parte, um esforço para criar espaço para os muçulmanos progressistas lutarem e vencerem a fim de que o verdadeiro motor de mudança, algo que leva nove meses e 21 anos para se produzir – isto é, uma nova geração – possa ser educada de forma diferente.

Eis aí porque não foi por acaso que o almirante Mike Mullen, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA – levou meio dia para chegar à nova escola de Mortenson e cortar a fita. Chegar lá foi divertido. O helicóptero Chinook fazia seu caminho entre os picos das montanhas, de Cabul até o Vale Panjshir, antes de pousar numa nuvem de poeira na vila de Pushghar. Imaginem alguém fundando uma escola na Lua e terão ideia da desolação rochosa desta paisagem.

Mas lá, na entrada, estava Mortenson, usando uma tradicional roupa afegã. Estava cercado por líderes locais barbados e por dezenas de garotos e garotas afegãos, que ficaram agitados com o helicóptero e quase não acreditando que o "guerreiro-chefe" dos Estados Unidos – como o cargo de Mullen foi livremente traduzido em urdu – estivesse vindo inaugurar a nova escola.

Enquanto o almirante distribuía livros, Mortenson me disse o motivo pelo qual dedicou sua vida a construir 131 escolas seculares para meninas no Paquistão e mais 48 no Afeganistão: "É dinheiro bem gasto. São escolas seculares que trarão uma nova geração de garotos, com uma visão mais ampla do mundo. Nosso foco é em áreas onde não há educação. O extremismo religioso floresce em áreas de isolamento e conflito. Quando uma menina for educada aqui e depois se tornar mãe, terá bem menos probabilidade de deixar seu filho se tornar um militante ou um insurgente", disse ele. "E também terá menos filhos. Quando uma garota aprende a ler e a escrever, uma das primeiras coisas que faz é ensinar a sua mãe. Essas meninas vão levar para casa carne e verduras, embrulhadas em jornal, a mãe pedirá à garota que leia o jornal para ela, e a mãe aprenderá sobre política e sobre mulheres que são exploradas."

Não é por acaso, observou Mortenson, que desde 2007 o Talibã e seus aliados bombardearam, incendiaram ou fecharam mais de 640 escolas no Afeganistão e 350 no Paquistão, das quais cerca de 80% eram escolas para meninas. Este vale, controlado pelos combatentes tajiques, é seguro, mas ao sul, na Província Helmand, onde ocorrem os piores combates atualmente, o vice-ministro da Educação disse que os extremistas do Talibã fecharam 75 das 228 escolas no ano passado. Essa é a verdadeira guerra de ideias. O Talibã quer mesquitas públicas, não escolas públicas. Os militantes muçulmanos fazem seu recrutamento entre os analfabetos e os miseráveis da sociedade – então, quanto mais deles houver melhor, diz Mortenson.

Esta nova escola ensina da primeira à sexta séries. Perguntei a algumas garotas, por intermédio de um intérprete, o que elas queriam ser quando crescessem: "Professora", gritou uma. "Médica", berrou outra. Vivendo aqui, esses são os dois únicos modelos de profissionais educadas que essas meninas conhecem. Para onde elas iam, antes de o Instituto da Ásia Central, de Mortenson, e o Departamento de Estados dos EUA se unirem aos líderes da aldeia para construir esta escola pública secular? "Para a mesquita", disseram as meninas.

Mortenson informou que, no início, ele foi um crítico dos militares norte-americanos no Iraque e no Afeganistão, mas mudou de opinião. "O Exército dos EUA passou por um grande aprendizado. Eles conseguiram. É tudo sobre como construir relacionamentos de baixo para cima, escutando mais e servindo ao povo do Afeganistão."

Então chega-se a isso. Em grandes termos estratégicos, ainda não se se esta guerra afegã faz mais sentido. Eu tinha dúvidas antes de chegar aqui e ainda tenho. Mas quando você vê duas pequenas garotas afegãs sentadas nos degraus de sua nova escola, agarrando com ambas as mãos os livros entregues a elas por um almirante dos EUA – como se fossem suas primeiras bonecas – fica difícil dizer: "Vamos embora". Ainda não.

Thomas L. Friedman é colunista do New York Times e três vezes ganhador do Prêmio Pulitzer

Tradução: Rodrigo Garcia via
Diário do ComércioPhoto do Spiegel

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