Bolsa Ditadura

Há inúmeras histórias como a de Lula, de enrubescer sobrevivente de campo de concentração nazista.

Quando regimes ditatoriais se esgotam, e há uma ponte de transição, costuma-se sacramentar uma anistia, em meio à reconciliação política e sedimentação de um novo pacto. Com frequência, é prevista alguma indenização a quem foi vítima da violência de Estado no período de ausência da democracia, no ciclo de supressão de direitos. O Brasil, com o fim do regime de 64, sacramentado na Constituinte de 1987, seguiu o roteiro. Inovou, porém, no tamanho das indenizações pagas e na extensão dos benefícios.

Chamadas de Bolsa Ditadura, as generosas pensões e indenizações definidas pela Comissão de Anistia, desde 2002, já subtraíram do Tesouro R$2,5 bilhões. E a cifra deve continuar em ascensão, podendo chegar a R$4 bilhões, por causa da fila ainda existente e da eficiência com que a indústria criada entre políticos e advogados com passado de militância na esquerda consegue descolar essas "bolsas" em Brasília. Um dos traços de parte da sociedade brasileira - mais visível ou menos, a depender da região do país - é praticar o esporte de caça ao dinheiro público. É como se dinheiro do Estado não tivesse dono; logo, ganha quem chegar primeiro e pegar mais.

Não se imaginava que esta cultura contaminaria o pagamento de indenizações para quem se considerou prejudicado pela ditadura militar. Há casos clamorosos em que existe evidente desproporção entre a indenização paga e o dano alegado. Um deles é o do próprio presidente Lula, beneficiado por uma pensão vitalícia de R$5 mil mensais - muito acima do que recebe um aposentado do INSS -, para compensar 31 dias de prisão em 1979, cumpridos sem maiores riscos, pois o país tinha a atenção voltada para ele, e o regime já não era o mesmo. Aquela detenção até serviu para ajudar na carreira política do presidente. Há inúmeras histórias como a de Lula, de enrubescer sobrevivente de campo de concentração nazista. E não é figura de linguagem, como demonstram indenizações pagas pela Alemanha.

Em entrevista recente ao jornal "O Estado de S. Paulo", Glenda Mezarobba, da Unicamp, apontou para um erro grave na legislação: o pagamento é feito em função de renda não recebida, sem considerar a violência cometida pelo Estado. Surgiu daí o absurdo de se calcular quanto um repórter preso pelo regime militar no fim da década de 60 ganharia se chegasse a diretor de redação, para se definir ressarcimentos, como se ele fosse galgar ao posto máximo na profissão. Enquanto isso, a família de um metalúrgico espancado até a morte fica na miséria. Por ironia, a esquerda instituiu a "indenização por classe", e no pior sentido. O Globo

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