ALTA VOLTAGEM
Lula não tem mais como virar as costas para o colega Lugo
A decisão do presidente Lula de ceder à pressão do Paraguai para vender no mercado livre de energia do Brasil a sua cota na usina de Itaipu não será tomada sem ônus, sobretudo para ele próprio. A associação com o caso da Bolívia, quando Lula aceitou sem piar que o governo Evo Morales encampasse investimentos da Petrobras, será inevitável. Mas a questão tem nuances, e parece irreversível.
As semelhanças são mais de forma, não de conteúdo. Morales agiu à moda revolucionária, justificada como decisão soberana, sem nem se preocupar em preservar a imagem de um aliado que chegou a intervir na política interna boliviana para ajudá-lo a se eleger. Lula o fez mais de uma vez com Morales, e repetiu no Paraguai, na Venezuela, no Equador, sempre beneficiando candidatos com os quais imagina ter identidade política, como o venezuelano Hugo Chávez. Por Antonio Machado
Foi com o mesmo discurso chavista, de soberania nacional e luta contra supostas injustiças externas — dos EUA, em todos os casos, do Brasil, em questões específicas, como da Petrobras na Bolívia e da empreiteira Odebrecht no Equador, do governo Rafael Corrêa, de onde foi escorraçada —, que o ex-bispo Fernando Lugo se elegeu no Paraguai. Ele prometeu forçar o Brasil a rever o tratado de Itaipu em campanha apoiada por Lula. Agora, cobra o prometido e é cobrado.
Enfraquecido por escândalos sexuais e à frente de um governo de coalizão no qual o seu grupo é minoritário, ou entrega uma receita maior de Itaipu ou corre o risco de ser desestabilizado.
Diferentemente de Morales, porém, Lugo não foi atrás da ajuda de Chávez para enfrentar o Brasil. Ele quer melhorar as condições do que recebe o Paraguai por algo que também pertence ao país, ainda que nada tenha feito para tê-lo, já que só entrou com a sua margem do Rio Paraná, sem gastar um centavo: a metade da usina de Itaipu.
Desse negócio, firmado à época pelos governos militares de Brasil e Paraguai, mas com sólida legitimidade legal e política, cabe aos paraguaios dispor de 50% da energia gerada por Itaipu, da qual só aproveita 5% e vende, por força de contrato, o excedente ao Brasil por meio da Eletrobrás pelo preço líquido de US$ 45 o megawatt/hora, abatidos os seus custos operacionais e prestações da dívida.
O que for mexido neste arranjo implica mudar o tratado, apesar de o governo Lula dizer o contrário, o Congresso talvez tenha de ser ouvido e haverá repasse de custo para as contas de eletricidade de algum jeito. Desse ônus o governo Lula não escapa ao ceder a Lugo.
Seis por meia dúzia
A idéia a ser apresentada por Lula a Lugo em Assunção, na sexta-feira, é que o Paraguai possa vender a energia excedente que lhe cabe no mercado livre brasileiro, sem passar pela Eletrobrás, no qual, teoricamente, poderá obter tarifa mais alta. Nesse mercado é comercializada a energia usada por grandes indústrias e shopping centers, por exemplo, enquanto a consumida por residências tem o seu fornecimento cativo pelas distribuidoras a tarifas fixas.
Hoje, tal arranjo equivale a trocar seis por meia dúzia, já que a oferta de eletricidade é maior que a procura. Em médio prazo, com a entrada em operação das usinas em construção, além das termos a gás e combustíveis alternativos, não se prevê grandes aumentos de tarifa, afora para amortizar os investimentos e repassar custos.
Como cunhado incômodo
Como reagirá o Paraguai? A questão é mais complexa do que sugere a discussão de tarifas pagas ao Paraguai. O governo Lugo, de fato, quer a aprovação brasileira para exportar a energia não consumida. Os interessados são Chile e Argentina. Lula diz que isso ele não cede, até porque ai sim estaria ameaçada a segurança energética do Brasil. Seria risco grave. Ao Paraguai, será uma possibilidade só em 2023, quando vence o atual tratado. Ao mesmo tempo, tal como o cunhado incômodo que se tem de aturar para agradar a mulher, o Paraguai é, quer se queira ou não, parte dos interesses nacionais.
Pé fraco do Mercosul
Faltam ao Paraguai recursos naturais como os têm a Bolívia, renda de serviços e agricultura como o Uruguai e uma economia mais ampla como a Argentina. É o patinho feio do Mercosul. Lula extrapolou as possibilidades da integração regional, turbinando-a sem projeto de desenvolvimento para os vizinhos e a noção de liderança política. Sobraram faturas para o contribuinte brasileiro pagar. Agora ficou tarde para virar as costas. Mas não pode o governo sugerir que as concessões possam ser ilimitadas. Uma hora isso terá de ser dito.
Bate que eles cedem
A parte fraca da diplomacia lulista, que também se manifestava na de FHC, é o temor de o país ser visto como imperialista na região. Imperialista nunca foi, mas igual também não. Nos acertos com seus vizinhos, já é hora, por exemplo, de condicionar as concessões e o acesso a financiamento à aceitação do real em vez de dólar e euro.
Os mercados também não podem ser fechados à indústria brasileira, como faz a Argentina, que, no entanto, cedeu à China. Ela faz tais exigências como princípio para estabelecer relações preferenciais. EUA e Europa, idem. Aqui, o protecionismo deles é justificado. É o complexo de vira-lata invertido. Ficou assim: bate que eles cedem. Correio Braziliense
DE QUALQUER MODO, CONSUMIDOR PAGARÁ A CONTA DA NEGOCIAÇÃO
A menos que o governo decida criar um mecanismo para absorver a alta da tarifa de Itaipu, a conta da negociação com o Paraguai chegará para o consumidor brasileiro na fatura emitida pelas distribuidoras de energia.
Isso vem acontecendo desde a primeira concessão ao país vizinho, em fevereiro de 2007, quando o Brasil decidiu isentar o Paraguai do pagamento da correção monetária sobre a dívida da hidrelétrica. O resultado foi que a parcela paraguaia foi assumida pela Eletrobrás, que repassou para as distribuidoras no preço da energia de Itaipu. Das distribuidoras, a diferença foi parar no percentual de reajuste de tarifa, ou seja, no bolso do consumidor. Isso apesar de o governo brasileiro ter sustentado, na época, que não haveria repasse. Agora, se o preço em dólar que o Brasil paga ao Paraguai pela energia aumentar, o caminho mais provável é que, novamente, o consumidor pague o acordo.
Isso acontece porque a energia de Itaipu é comprada compulsoriamente por distribuidoras de energia do Brasil. Essa compra forçada é parte do sistema que garante o pagamento da dívida contraída para a construção da usina. Para ter uma ideia da importância da energia de Itaipu para a tarifa de energia paga pelo consumidor brasileiro, principalmente o das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, basta analisar o último aumento tarifário da Eletropaulo, no início do mês.
Naquela ocasião, houve um reajuste de 12,96% para os consumidores residenciais. Boa parte desse percentual (aproximadamente um terço do aumento) veio dos custos com a compra de energia de Itaipu. No caso da Eletropaulo, 25% da energia distribuída vem da hidrelétrica binacional. Novamente, o governo brasileiro está afirmando que não haverá repasse para o consumidor. A única maneira de isso acontecer é a conta ficar com o contribuinte: diretamente por meio do Tesouro Nacional ou, indiretamente, na conta da Eletrobrás. Em ambos os casos, os brasileiros pagam. Por Humberto Medina - Folha de S. Paulo
Lula não tem mais como virar as costas para o colega Lugo
A decisão do presidente Lula de ceder à pressão do Paraguai para vender no mercado livre de energia do Brasil a sua cota na usina de Itaipu não será tomada sem ônus, sobretudo para ele próprio. A associação com o caso da Bolívia, quando Lula aceitou sem piar que o governo Evo Morales encampasse investimentos da Petrobras, será inevitável. Mas a questão tem nuances, e parece irreversível.
As semelhanças são mais de forma, não de conteúdo. Morales agiu à moda revolucionária, justificada como decisão soberana, sem nem se preocupar em preservar a imagem de um aliado que chegou a intervir na política interna boliviana para ajudá-lo a se eleger. Lula o fez mais de uma vez com Morales, e repetiu no Paraguai, na Venezuela, no Equador, sempre beneficiando candidatos com os quais imagina ter identidade política, como o venezuelano Hugo Chávez. Por Antonio Machado
Foi com o mesmo discurso chavista, de soberania nacional e luta contra supostas injustiças externas — dos EUA, em todos os casos, do Brasil, em questões específicas, como da Petrobras na Bolívia e da empreiteira Odebrecht no Equador, do governo Rafael Corrêa, de onde foi escorraçada —, que o ex-bispo Fernando Lugo se elegeu no Paraguai. Ele prometeu forçar o Brasil a rever o tratado de Itaipu em campanha apoiada por Lula. Agora, cobra o prometido e é cobrado.
Enfraquecido por escândalos sexuais e à frente de um governo de coalizão no qual o seu grupo é minoritário, ou entrega uma receita maior de Itaipu ou corre o risco de ser desestabilizado.
Diferentemente de Morales, porém, Lugo não foi atrás da ajuda de Chávez para enfrentar o Brasil. Ele quer melhorar as condições do que recebe o Paraguai por algo que também pertence ao país, ainda que nada tenha feito para tê-lo, já que só entrou com a sua margem do Rio Paraná, sem gastar um centavo: a metade da usina de Itaipu.
Desse negócio, firmado à época pelos governos militares de Brasil e Paraguai, mas com sólida legitimidade legal e política, cabe aos paraguaios dispor de 50% da energia gerada por Itaipu, da qual só aproveita 5% e vende, por força de contrato, o excedente ao Brasil por meio da Eletrobrás pelo preço líquido de US$ 45 o megawatt/hora, abatidos os seus custos operacionais e prestações da dívida.
O que for mexido neste arranjo implica mudar o tratado, apesar de o governo Lula dizer o contrário, o Congresso talvez tenha de ser ouvido e haverá repasse de custo para as contas de eletricidade de algum jeito. Desse ônus o governo Lula não escapa ao ceder a Lugo.
Seis por meia dúzia
A idéia a ser apresentada por Lula a Lugo em Assunção, na sexta-feira, é que o Paraguai possa vender a energia excedente que lhe cabe no mercado livre brasileiro, sem passar pela Eletrobrás, no qual, teoricamente, poderá obter tarifa mais alta. Nesse mercado é comercializada a energia usada por grandes indústrias e shopping centers, por exemplo, enquanto a consumida por residências tem o seu fornecimento cativo pelas distribuidoras a tarifas fixas.
Hoje, tal arranjo equivale a trocar seis por meia dúzia, já que a oferta de eletricidade é maior que a procura. Em médio prazo, com a entrada em operação das usinas em construção, além das termos a gás e combustíveis alternativos, não se prevê grandes aumentos de tarifa, afora para amortizar os investimentos e repassar custos.
Como cunhado incômodo
Como reagirá o Paraguai? A questão é mais complexa do que sugere a discussão de tarifas pagas ao Paraguai. O governo Lugo, de fato, quer a aprovação brasileira para exportar a energia não consumida. Os interessados são Chile e Argentina. Lula diz que isso ele não cede, até porque ai sim estaria ameaçada a segurança energética do Brasil. Seria risco grave. Ao Paraguai, será uma possibilidade só em 2023, quando vence o atual tratado. Ao mesmo tempo, tal como o cunhado incômodo que se tem de aturar para agradar a mulher, o Paraguai é, quer se queira ou não, parte dos interesses nacionais.
Pé fraco do Mercosul
Faltam ao Paraguai recursos naturais como os têm a Bolívia, renda de serviços e agricultura como o Uruguai e uma economia mais ampla como a Argentina. É o patinho feio do Mercosul. Lula extrapolou as possibilidades da integração regional, turbinando-a sem projeto de desenvolvimento para os vizinhos e a noção de liderança política. Sobraram faturas para o contribuinte brasileiro pagar. Agora ficou tarde para virar as costas. Mas não pode o governo sugerir que as concessões possam ser ilimitadas. Uma hora isso terá de ser dito.
Bate que eles cedem
A parte fraca da diplomacia lulista, que também se manifestava na de FHC, é o temor de o país ser visto como imperialista na região. Imperialista nunca foi, mas igual também não. Nos acertos com seus vizinhos, já é hora, por exemplo, de condicionar as concessões e o acesso a financiamento à aceitação do real em vez de dólar e euro.
Os mercados também não podem ser fechados à indústria brasileira, como faz a Argentina, que, no entanto, cedeu à China. Ela faz tais exigências como princípio para estabelecer relações preferenciais. EUA e Europa, idem. Aqui, o protecionismo deles é justificado. É o complexo de vira-lata invertido. Ficou assim: bate que eles cedem. Correio Braziliense
DE QUALQUER MODO, CONSUMIDOR PAGARÁ A CONTA DA NEGOCIAÇÃO
A menos que o governo decida criar um mecanismo para absorver a alta da tarifa de Itaipu, a conta da negociação com o Paraguai chegará para o consumidor brasileiro na fatura emitida pelas distribuidoras de energia.
Isso vem acontecendo desde a primeira concessão ao país vizinho, em fevereiro de 2007, quando o Brasil decidiu isentar o Paraguai do pagamento da correção monetária sobre a dívida da hidrelétrica. O resultado foi que a parcela paraguaia foi assumida pela Eletrobrás, que repassou para as distribuidoras no preço da energia de Itaipu. Das distribuidoras, a diferença foi parar no percentual de reajuste de tarifa, ou seja, no bolso do consumidor. Isso apesar de o governo brasileiro ter sustentado, na época, que não haveria repasse. Agora, se o preço em dólar que o Brasil paga ao Paraguai pela energia aumentar, o caminho mais provável é que, novamente, o consumidor pague o acordo.
Isso acontece porque a energia de Itaipu é comprada compulsoriamente por distribuidoras de energia do Brasil. Essa compra forçada é parte do sistema que garante o pagamento da dívida contraída para a construção da usina. Para ter uma ideia da importância da energia de Itaipu para a tarifa de energia paga pelo consumidor brasileiro, principalmente o das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, basta analisar o último aumento tarifário da Eletropaulo, no início do mês.
Naquela ocasião, houve um reajuste de 12,96% para os consumidores residenciais. Boa parte desse percentual (aproximadamente um terço do aumento) veio dos custos com a compra de energia de Itaipu. No caso da Eletropaulo, 25% da energia distribuída vem da hidrelétrica binacional. Novamente, o governo brasileiro está afirmando que não haverá repasse para o consumidor. A única maneira de isso acontecer é a conta ficar com o contribuinte: diretamente por meio do Tesouro Nacional ou, indiretamente, na conta da Eletrobrás. Em ambos os casos, os brasileiros pagam. Por Humberto Medina - Folha de S. Paulo
Um comentário:
...E nós brevemente iremos ceder mais 3% de aumento em nossas contas de luz, conforme estudos publicados recentemente pelo Estadão...
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