O negócio da reforma agrária

ESSE GOVERNO É UM DESASTRE

Lotes distribuídos pelo Incra são vendidos por preços que variam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. Técnicos da autarquia admitem a dificuldade de fiscalizar assentamentos e relatam casos de violência no Entorno

Quanto custa um lote de projeto de reforma agrária? “Aqui varia. Tem vários preços, de R$ 10 mil, de R$ 12 mil, de R$ 15 mil”, afirma a presidente da Associação de Produtores do Vale do Macacão, Carmosina Araújo, em Flores de Goiás (GO). Contrária à prática, ela diz que todos sabem que a comercialização é proibida, mas “vendem às escondidas do Incra”. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária baixou normas para identificar as ocupações irregulares e promover a retomada desses lotes, além de lançar uma campanha para conscientizar que a comercialização é crime. Esse trabalho já tem quase um ano, mas o comércio ilegal existe até mesmo em assentamentos próximos a Brasília. “A venda de lotes é o câncer da reforma agrária”, afirma o superintendente do Incra no Distrito Federal e Entorno, João Batista dos Santos. Por Lúcio Vaz

O diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos do Incra, César Oliveira, afirma que a rotatividade de assentados no país varia de 15% a 25%, dependendo da região. Segundo ele, é muito difícil apurar os casos de venda. “É feita de forma dissimulada. Em alguns casos conseguimos comprovar, a partir de denúncias, de informações suspeitas. Eles já sabem que é proibido. Quem vende está cometendo um crime. Eles têm receio.” Oliveira informa que a campanha de conscientização já distribuiu 50 mil cartazes entre sindicatos e associações de produtores.

No assentamento São Vicente, o segundo maior do país, com 583 famílias, também em Flores de Goiás, pelo menos 200 já desistiram do projeto. Iniciado em 1998, teria irrigação em três anos. Passados 11 anos, a água prometida não veio, e a maioria está endividada com o Banco do Brasil, sem dinheiro para plantar. Muitos venderam o lote. “Chegam a trocar numa casa, ou por R$ 5 mil, R$ 6 mil”, afirma o presidente da associação de produtores, Aldrey Galvão. Mas vender não é crime? “É crime, todos sabem que é, mas a família não tem mais como produzir. É uma forma de socorro”, responde. Ele mostra uma casa hoje ocupada por um “assentado” que mora em Brasília. “Ele nunca produziu nada, só vem a passeio, por turismo.”

O Incra sabe
João Batista afirma que todos os dias notifica pessoas para a desocupação de lotes ocupados irregularmente no DF e Entorno. São cerca de 300 notificações por ano. “O Incra tem conhecimento. É um problema tão sério que causa morte nos assentamentos. Existe um esforço muito grande da autarquia para evitar a compra e venda de lotes. Agora, nós não temos uma governabilidade total. Está tudo bem até onde os olhos veem”, afirma o superintendente. Ele diz que enfrentou o problema em outras regiões. Como superintendente em Roraima, em 2004, promoveu a desocupação de 19 lotes do Incra ocupados ilegalmente pelo fazendeiro Neudy Capello.

O chefe da Divisão de Desenvolvimento do DF, Joaquim Ferreira Filho, que coordena a fiscalização dos assentamentos, afirma que faltam funcionários para o trabalho. “Não temos número de técnicos compatível. Às vezes, o técnico é recebido de forma hostil. Fazem ameaças. Dizem coisas como ‘eu sei onde você mora’”, diz. “Tem gente que é especialista, compra aqui, vende ali, usa terceiros. Vão repassando, fazendo práticas ilícitas.”

Um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no DF e Entorno, Gaspar Martins, reconhece que existe a venda de lotes, mas afirma que o movimento “é extremamente contra”. “Quem faz é excluído do processo de reforma agrária”, completa. Ele é assentado no projeto Menino Deus, em Unaí (MG). “Lá, não é diferente. Temos notícia de que acontecem (as vendas), mas é por baixo dos panos.” Martins diz que a rotatividade de assentados chega a 30% na região. Segundo ele, essa evasão é gerada pela falta de estrutura e de investimento nos assentamentos: “As pessoas esmorecem a vão embora”.

César Oliveira afirma que os assentados “desistem por várias razões. Pode ser que a família não se adaptou ao empreendimento, por questões de saúde ou por falta de alguma ação de infraestrutura por parte do Incra”. Além dos R$ 21 mil que recebe do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o assentado conta com várias modalidades de apoio do Incra, num total de R$ 35 mil.

Entorno
Existem 168 assentamentos no Distrito Federal e no Entorno, incluindo municípios do nordeste de Goiás e norte de Minas. Eles ocupam uma área de 458 mil hectares, com capacidade para instalação de 14.125 famílias. Mas o total de famílias assentadas é de 12.480. Desses projetos, apenas 106 são titulados. Os assentados não têm pressa em garantir a titulação, porque, a partir desse momento, eles deixam de receber recursos previstos no programa de reforma agrária.

Incentivos
Os assentados recebem oito modalidades de apoio do Incra: inicial (R$ 3,2 mil), mulher (R$ 2,4 mil), material de construção (R$ 10 mil), fomento (R$ 3,2 mil), adicional de fomento (R$ 3,2 mil), semiárido (R$ 2 mil), recuperação de construção (R$ 5 mil) e reabilitação de crédito de produção (R$ 6 mil) Correio Braziliense

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