No tempo dos militares, centenas de políticos passaram pela Comissão Geral de Investigações (CGI) e tiveram suas carreiras encerradas com desonra, por delitos de corrupção. Ao mesmo tempo, dos generais e coronéis que ocuparam altos postos na República, nenhum saiu milionário. O patrimônio que lhes sobrou é o que teriam adquirido normalmente com seus soldos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações de jornais. Por Olavo de Carvalho
Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles.
Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.
Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira.
Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar algum delito escondido.
Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os medíocres delitos denunciados.
A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.
Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime organizado em que se transformou o governo da República.
Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos.
Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo à população o respeito devoto a tudo o que não presta.
O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores. Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade passiva ou à adesão subserviente.
OLAVO DE CARVALHO - Professor e filósofo (Publicado em Digesto Econômico, julho/agosto de 2009)
Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações de jornais. Por Olavo de Carvalho
Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles.
Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.
Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira.
Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar algum delito escondido.
Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os medíocres delitos denunciados.
A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.
Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime organizado em que se transformou o governo da República.
Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos.
Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo à população o respeito devoto a tudo o que não presta.
O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores. Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade passiva ou à adesão subserviente.
OLAVO DE CARVALHO - Professor e filósofo (Publicado em Digesto Econômico, julho/agosto de 2009)
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