Violência marca Estado dominado pelos Chávez

AÇÕES DE FAMÍGLIA DO PRESIDENTE AGRAVAM CAOS DE BARINAS

Estendendo-se por uma região com vastas propriedades de criação de gado, no contraforte dos Andes, Barinas é conhecida como o reduto da família do presidente Hugo Chávez e o assustador aumento de sequestros.

Uma onda de crimes em nível nacional, que se intensificou na década passada, fez com que o índice de sequestros na Venezuela superasse o do México e o da Colômbia, com cerca de dois sequestros para cada 100 mil habitantes.

Mas em nenhum lugar da Venezuela esse número é tão alto quanto em Barinas, com 7,2 sequestros para cada 100 mil habitantes, com as gangues armadas florescendo em meio à desordem que se observa por ali, enquanto a família de Chávez aumenta seu controle sobre o Estado. O confisco de fazendas de gado e a infraestrutura em ruínas também contribuem para a sensação de caos. Por Simon Romero

Barinas oferece um microcosmo exemplar do governo de Chávez. Muitos moradores humildes ainda reverenciam o presidente, que nasceu pobre nessa cidade, em 1954. Mas a polarização é cada vez mais forte na região, com os habitantes irritados ao ver a grande prosperidade dos pais e irmãos de Chávez, que governam o Estado desde a década de 90. Embora Barinas seja um laboratório para projetos como reforma agrária, problemas urgentes como os crimes violentos são ignorados.

"Parece uma anarquia, pelo menos um tipo de anarquia em que a família de Chávez acumula riqueza e poder, enquanto nós vivemos temendo por nossas vidas", diz Angel Santamaria, de 57 anos, criador de gado da cidade de Nueva Bolívia, cujo filho Kusto, de 8 anos, foi sequestrado quando ia para a escola, em maio. O menino ficou no cativeiro 29 dias, até Santamaria juntar uma pequena soma para pagar o resgate.

AUTO-SEQUESTROS

O governador do Estado, Adan Chávez, irmão mais velho do presidente, disse este mês que muitos dos sequestros são resultado das tentativas de desestabilização da oposição, os chamados auto-sequestros, orquestrados por pessoas para extorquir dinheiro da própria família. "A cada dia que passa, Barinas está mais segura", disse recentemente o governador.

Numa eleição no ano passado, marcada por acusações de fraude, Adan Chávez sucedeu ao próprio pai, Hugo de los Reyes Chávez, ex-professor que governou Barinas por uma década com o irmão do presidente, Argenis, ex-secretário de Estado.

Um outro irmão de Chávez, Anibal, é prefeito na cidade vizinha de Sabaneta, e Adelis, outro irmão do presidente, ocupa um alto cargo no Banco Sofitasa, que faz negócios com o governo de Adan. Narciso, também irmão de Chávez, é o encarregado dos projetos de cooperação com Cuba. E seu sobrinho, Asdrubal, tem um alto cargo na petrolífera nacional.

Políticos que romperam com Chávez e os parentes dele afirmam que a família Chávez acumulou riqueza e propriedades com negócios concluídos por testas de ferro. Um líder da oposição, Wilmer Azuaje, contou a promotores e legisladores sobre negócios que teriam propiciado US$ 20 milhões ilegalmente à família desde que o pai do presidente foi eleito governador em 1998. Mas numa investigação sobre as alegações, a Assembleia Nacional, controlada por políticos pró-Chávez, inocentou a família das acusações de enriquecimento ilícito.

"E enquanto a família se acoberta na retórica do socialismo, caímos num caos neocapitalista onde tudo o que importa é dinheiro", disse Alberto Santeliz, editor do La Prensa, um pequeno jornal de oposição.

ENRIQUECIMENTO

Uma razão do aumento de sequestros na região é a injeção de dinheiro do petróleo na economia local, com algumas famílias enriquecendo rapidamente, por causa das ligações com enormes projetos de infraestrutura. Um novo estádio de futebol, construído sob a supervisão de Adelis Chávez, que custou mais de US$ 50 milhões, ainda não foi concluído, dois anos após o primeiro jogo ali realizado, em 2007, juntando-se a outros elefantes brancos espalhados pela cidade.

Mais de uma década sob o governo da família Chávez, e o Estado continua sendo o mais pobre da Venezuela, com uma renda mensal familiar de US$ 800, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. Os sequestros, que antes eram temidos mais pelos ricos, espalharam-se pela região, para incluir também os pobres.

Especialistas dizem que os sequestradores vêm de dois grupos rebeldes colombianos, de uma pequena facção guerrilheira chamada Frente de Libertação Bolivariana, de outras gangues criminosas e da polícia corrupta. Somente uma fração dos sequestros acaba em prisão.

"Com a impunidade flagrante em Barinas, como pode o nosso governador dizer de cara lavada que as pessoas estão promovendo auto-sequestros?", indaga Lucy Montoya, de 38 anos, vendedora de uma loja de ferramentas e cuja irmã, Doris, de 41 anos e mãe de três crianças, foi sequestrada em março. Os sequestradores de Doris não a libertaram nem se comunicaram com a família desde que receberam o dinheiro do resgate, em maio, disse Lucy. "O modo como o governo administra a crise é uma afronta à nossa dignidade de ser humano."

Por outro lado, novos dados mostram que os sequestros caíram para 454 ocorrências conhecidas no primeiro semestre, 66 em Barinas, em comparação com os números estimados entre 537 e 612, em 2008. Mas as autoridades reconhecem que os dados reais são provavelmente maiores.

Em Barinas, as vítimas andam furiosas com a passividade do presidente e de sua família. "Nossa dinastia no governo está, de fato, dizendo que somos dispensáveis", disse Rodolfo Pena, empresário de 38 anos, sequestrado no ano passado. "A única outra teoria plausível", disse ele, "é que estão por demais embriagados pelo poder para perceber a emergência aos seus pés". O Estado de S. Paulo

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