MAIS DEMISSÕES PIORAM CRISE NA RECEITA
Servidores de 5 das 10 regionais do fisco acompanham saída de 12 integrantes da cúpula
Só em SP, que concentra 42% da arrecadação do país, 30 pediram exoneração; demissões podem paralisar fiscalizações e autuações
Num agravamento da crise na Receita Federal, cerca de 60 pessoas em postos de chefia, distribuídas em 5 das 10 superintendências regionais, avisaram ontem seus superiores que deixarão suas funções.
Em Minas Gerais, foram mais dez baixas. Houve exonerações também na 10ª Região (Rio Grande do Sul), na 4ª (PE, PB e RN) e na 3ª (Ceará, Maranhão e Piauí). A Receita informou que são cerca de 300 cargos de confiança no país.
Anteontem, 12 integrantes da cúpula do fisco pediram exoneração, num levante contra o que classificam de ingerência política no órgão patrocinada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) e pelo Planalto.
Todos eles foram nomeados pela ex-secretária da Receita Lina Vieira, demitida em julho. Um mês após deixar o cargo, Lina confirmou à Folha que foi chamada no Planalto por Dilma Rousseff (Casa Civil), no final do ano passado, para uma reunião a sós, quando a ministra teria lhe pedido para acelerar as investigações do fisco sobre a família do senador José Sarney (PMDB-AP).
Na segunda-feira, foram publicadas as exonerações de dois assessores de Lina - um deles foi Iraneth Weiler, que confirmou o relato de sua ex-chefe sobre um encontro reservado com Erenice Guerra, assessora de Dilma.
A debandada desses servidores dos cargos de confiança pode paralisar fiscalizações, autuações e liberações de mercadorias nas alfândegas. O principal motivo do pedido de desligamento citado pelos demissionários em São Paulo é a provável mudança de foco na fiscalização.
Na avaliação dos servidores, a Receita não vai mais priorizar a fiscalização dos grandes contribuintes, mas sim será feita, nas palavras desses funcionários do fisco, sob "recibos médicos". Isso quer dizer que a Receita pode voltar a mirar pequenos contribuintes, trabalhadores assalariados e profissionais liberais.
Ontem, José Guilherme Antunes de Vasconcelos, inspetor-chefe da Alfândega em Santos, foi anunciado como substituto de Luiz Sérgio Fonseca Soares na superintendência da Receita de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, 15 servidores da Receita também apontaram as mudanças impostas pela direção do fisco para acompanhar o pedido de demissão do superintendente regional Dão Real Pereira dos Santos e também colocaram seus cargos à disposição.
"Houve muitos interesses contrariados com o foco da Receita na fiscalização dos grandes contribuintes e, como a forma de fazer as coisas será diferente a partir de agora, decidimos sair juntos", disse o superintendente regional interino, Marcelo Ramos de Oliveira.
Em Pernambuco, a superintendência regional da Receita está sendo comandada desde ontem pela superintendente-adjunta, Maria da Conceição Arnaldo Jacó, que assumiu o lugar de Altamir Dias de Souza, exonerado a pedido.
Ela disse que a Receita Federal vive "situação difícil" e que, apesar de integrar o "grupo comprometido com o projeto" de Lina, assumiu interinamente o cargo "em respeito aos colegas e à sociedade brasileira".
Já a superintendente da Receita no Rio, Eliana Polo Pereira, tenta se desvencilhar do grupo ligado a Lina, para sobreviver no cargo, dizem sindicalistas. Eliana foi nomeada para a superintendência da Receita do Rio -a segunda maior arrecadação do país- em outubro passado, três meses depois de Lina ter assumido a secretaria.
Ela, porém, não acompanhou os outros altos funcionários que entregaram carta de renúncia na segunda-feira. Entre eles, estava seu superintendente-adjunto, José Carlos Sabino.- Folha de S. Paulo –
ALVOROÇO NA RECEITA
Tratada com hipocrisia no governo e na oposição, passagem pelo fisco de grupo sindical retrata politização lamentável
Naufragou, não sem estardalhaço, a primeira tentativa do governo Lula de aparelhar a Receita Federal. O grupo de sindicalistas, muitos próximos do petismo, que o ministro Guido Mantega promoveu em agosto de 2008, no lugar de uma gestão que considerava vinculada ao tucanato, escapou ao controle do Palácio do Planalto.
A criatura ameaçou o criador, paradoxalmente, quando ela começou a aplicar conhecidas fórmulas de aparelhamento esquerdista. A ocupação sindical, respaldada pelo PT, estendeu-se por praticamente todos os cargos de confiança da Receita. Delegados, as autoridades fiscais mais próximas dos municípios, passaram a ser escolhidos com base num confuso processo de eleições e assembleias.
A queda na arrecadação, num contexto de crise econômica e de desonerações fiscais promovidas pela administração federal, despertou, dentro do governo, a primeira onda de insatisfação contra a nova orientação do fisco. Empresas com bom trânsito no Planalto reclamaram de algumas mudanças de postos e da disposição anunciada de concentrar o foco da fiscalização em "grandes contribuintes".
O choque com a Petrobras - a estatal acusada pelo time da então secretária Lina Vieira de valer-se de manobras contábeis para deixar de recolher R$ 4 bilhões ao fisco- foi a gota d'água.
Lula mandou interromper o experimento e demitiu sumariamente a secretária. Mas a história, como se sabe, não acabou aí. De saída, os insatisfeitos ameaçaram o governo: se o substituto viesse de fora da facção, haveria debandada, em "solidariedade", nos postos-chave da Receita. O governo se dobrou à ameaça e nomeou Otacílio Cartaxo, até então da mais estreita confiança de Lina Vieira, na tentativa de serenar os ânimos. Mas a acusação, feita por Vieira nesta Folha, de que recebera da ministra Dilma Rousseff um pedido para "agilizar" processo contra familiares de José Sarney complicou as coisas. Era preciso proteger a candidata de Lula, e uma troca de cargos mais profunda começou a ser ensaiada na Receita.
Em paralelo, o Planalto "convenceu" Cartaxo e o efetivou no posto. No Congresso, o secretário recuou das críticas à Petrobras; internamente, abriu alas para o expurgo no órgão, acalentado pelo núcleo do governo. Foi a senha para a debandada espalhafatosa, anteontem, de 12 autoridades fazendárias leais ao grupo sindical, protesto que se alastrou nesta terça, atingindo dezenas de cargos de confiança.
Salta aos olhos a hipocrisia na exploração política do assunto. A oposição, que condenou a ascensão de Lina Vieira por representar um projeto de aparelhamento do fisco, agora trata os sindicalistas defenestrados como heróis do bem público. O governo age como se não tivesse sido o patrocinador do aparelhamento e, cinicamente, assesta sua poderosa máquina de macular reputações contra a ex-secretária.
Mas a pior consequência de todo esse episódio foi a lamentável politização de um órgão da importância da Receita. Desfere-se um golpe contra uma instituição sobre a qual não deveria pesar nenhum indício de atuação enviesada ou manipulação partidária. Haverá sequelas. Editorial da Folha de S. Paulo
Servidores de 5 das 10 regionais do fisco acompanham saída de 12 integrantes da cúpula
Só em SP, que concentra 42% da arrecadação do país, 30 pediram exoneração; demissões podem paralisar fiscalizações e autuações
Num agravamento da crise na Receita Federal, cerca de 60 pessoas em postos de chefia, distribuídas em 5 das 10 superintendências regionais, avisaram ontem seus superiores que deixarão suas funções.
Em Minas Gerais, foram mais dez baixas. Houve exonerações também na 10ª Região (Rio Grande do Sul), na 4ª (PE, PB e RN) e na 3ª (Ceará, Maranhão e Piauí). A Receita informou que são cerca de 300 cargos de confiança no país.
Anteontem, 12 integrantes da cúpula do fisco pediram exoneração, num levante contra o que classificam de ingerência política no órgão patrocinada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) e pelo Planalto.
Todos eles foram nomeados pela ex-secretária da Receita Lina Vieira, demitida em julho. Um mês após deixar o cargo, Lina confirmou à Folha que foi chamada no Planalto por Dilma Rousseff (Casa Civil), no final do ano passado, para uma reunião a sós, quando a ministra teria lhe pedido para acelerar as investigações do fisco sobre a família do senador José Sarney (PMDB-AP).
Na segunda-feira, foram publicadas as exonerações de dois assessores de Lina - um deles foi Iraneth Weiler, que confirmou o relato de sua ex-chefe sobre um encontro reservado com Erenice Guerra, assessora de Dilma.
A debandada desses servidores dos cargos de confiança pode paralisar fiscalizações, autuações e liberações de mercadorias nas alfândegas. O principal motivo do pedido de desligamento citado pelos demissionários em São Paulo é a provável mudança de foco na fiscalização.
Na avaliação dos servidores, a Receita não vai mais priorizar a fiscalização dos grandes contribuintes, mas sim será feita, nas palavras desses funcionários do fisco, sob "recibos médicos". Isso quer dizer que a Receita pode voltar a mirar pequenos contribuintes, trabalhadores assalariados e profissionais liberais.
Ontem, José Guilherme Antunes de Vasconcelos, inspetor-chefe da Alfândega em Santos, foi anunciado como substituto de Luiz Sérgio Fonseca Soares na superintendência da Receita de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, 15 servidores da Receita também apontaram as mudanças impostas pela direção do fisco para acompanhar o pedido de demissão do superintendente regional Dão Real Pereira dos Santos e também colocaram seus cargos à disposição.
"Houve muitos interesses contrariados com o foco da Receita na fiscalização dos grandes contribuintes e, como a forma de fazer as coisas será diferente a partir de agora, decidimos sair juntos", disse o superintendente regional interino, Marcelo Ramos de Oliveira.
Em Pernambuco, a superintendência regional da Receita está sendo comandada desde ontem pela superintendente-adjunta, Maria da Conceição Arnaldo Jacó, que assumiu o lugar de Altamir Dias de Souza, exonerado a pedido.
Ela disse que a Receita Federal vive "situação difícil" e que, apesar de integrar o "grupo comprometido com o projeto" de Lina, assumiu interinamente o cargo "em respeito aos colegas e à sociedade brasileira".
Já a superintendente da Receita no Rio, Eliana Polo Pereira, tenta se desvencilhar do grupo ligado a Lina, para sobreviver no cargo, dizem sindicalistas. Eliana foi nomeada para a superintendência da Receita do Rio -a segunda maior arrecadação do país- em outubro passado, três meses depois de Lina ter assumido a secretaria.
Ela, porém, não acompanhou os outros altos funcionários que entregaram carta de renúncia na segunda-feira. Entre eles, estava seu superintendente-adjunto, José Carlos Sabino.- Folha de S. Paulo –
ALVOROÇO NA RECEITA
Tratada com hipocrisia no governo e na oposição, passagem pelo fisco de grupo sindical retrata politização lamentável
Naufragou, não sem estardalhaço, a primeira tentativa do governo Lula de aparelhar a Receita Federal. O grupo de sindicalistas, muitos próximos do petismo, que o ministro Guido Mantega promoveu em agosto de 2008, no lugar de uma gestão que considerava vinculada ao tucanato, escapou ao controle do Palácio do Planalto.
A criatura ameaçou o criador, paradoxalmente, quando ela começou a aplicar conhecidas fórmulas de aparelhamento esquerdista. A ocupação sindical, respaldada pelo PT, estendeu-se por praticamente todos os cargos de confiança da Receita. Delegados, as autoridades fiscais mais próximas dos municípios, passaram a ser escolhidos com base num confuso processo de eleições e assembleias.
A queda na arrecadação, num contexto de crise econômica e de desonerações fiscais promovidas pela administração federal, despertou, dentro do governo, a primeira onda de insatisfação contra a nova orientação do fisco. Empresas com bom trânsito no Planalto reclamaram de algumas mudanças de postos e da disposição anunciada de concentrar o foco da fiscalização em "grandes contribuintes".
O choque com a Petrobras - a estatal acusada pelo time da então secretária Lina Vieira de valer-se de manobras contábeis para deixar de recolher R$ 4 bilhões ao fisco- foi a gota d'água.
Lula mandou interromper o experimento e demitiu sumariamente a secretária. Mas a história, como se sabe, não acabou aí. De saída, os insatisfeitos ameaçaram o governo: se o substituto viesse de fora da facção, haveria debandada, em "solidariedade", nos postos-chave da Receita. O governo se dobrou à ameaça e nomeou Otacílio Cartaxo, até então da mais estreita confiança de Lina Vieira, na tentativa de serenar os ânimos. Mas a acusação, feita por Vieira nesta Folha, de que recebera da ministra Dilma Rousseff um pedido para "agilizar" processo contra familiares de José Sarney complicou as coisas. Era preciso proteger a candidata de Lula, e uma troca de cargos mais profunda começou a ser ensaiada na Receita.
Em paralelo, o Planalto "convenceu" Cartaxo e o efetivou no posto. No Congresso, o secretário recuou das críticas à Petrobras; internamente, abriu alas para o expurgo no órgão, acalentado pelo núcleo do governo. Foi a senha para a debandada espalhafatosa, anteontem, de 12 autoridades fazendárias leais ao grupo sindical, protesto que se alastrou nesta terça, atingindo dezenas de cargos de confiança.
Salta aos olhos a hipocrisia na exploração política do assunto. A oposição, que condenou a ascensão de Lina Vieira por representar um projeto de aparelhamento do fisco, agora trata os sindicalistas defenestrados como heróis do bem público. O governo age como se não tivesse sido o patrocinador do aparelhamento e, cinicamente, assesta sua poderosa máquina de macular reputações contra a ex-secretária.
Mas a pior consequência de todo esse episódio foi a lamentável politização de um órgão da importância da Receita. Desfere-se um golpe contra uma instituição sobre a qual não deveria pesar nenhum indício de atuação enviesada ou manipulação partidária. Haverá sequelas. Editorial da Folha de S. Paulo
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