UMA LOBOTOMIA CHAVISTA
Governo venezuelano defende nova lei da educação, que unifica o que é ensinado e coloca supervisores chavistas no controle
No lugar de estudantes, agora foi a vez de pais e professores protestarem contra uma polêmica decisão do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Cerca de mil manifestantes estiveram ontem diante da Assembleia Nacional (o Congresso venezuelano) para pressionar os deputados a não aprovar um controverso projeto de lei que, caso passe, mudará totalmente o sistema de ensino venezuelano, da pré-escola à universidade. A intenção é introduzir o que o texto em estudo chama de “Doutrina Bolivariana”, adequando o ensino aos princípios socialistas, transformando as escolas em centros de reunião das comunidades sob a supervisão de pessoas pagas pelo governo, e dando ao governo federal o poder de definir as carreiras que os estudantes universitários deverão seguir.
O projeto inicial foi aprovado em 2001, mas reações da sociedade civil fizeram com que fosse arquivado. Agora sofreu acréscimos e poderá ser aprovado ainda esta semana no Congresso, dominado por chavistas. O Globo
Entre as medidas que deverão entrar em vigor se a Lei Orgânica da Educação for aprovada chamam a atenção aspectos como a forma como as escolas passam a ser chamadas — “escola-família-comunidade” — e a decisão de ensinar as crianças a interpretar o que os meios de comunicação transmitem “desde a mais tenra idade”, segundo o ministro da Educação, Héctor Navarro.
— Não se metam com os meus filhos — gritavam os manifestantes, em coro.
Pessoas do grupo foram recebidas por deputados.
— O projeto está desenhado para ideologizar nossos filhos, não para educá-los. Não vamos aceitar — disse Hernan Prieto, um aposentado da estatal de petróleo PDVSA.
O ministro Navarro, que está percorrendo o país para defender a reforma na educação, afirmou que a ideia por trás do projeto é unificar as comunidade e as escolas.
— A separação que existe hoje é uma forma ideológica de formar as crianças de maneira a que entendam que uns devem ficar embaixo, e outros por cima — disse, defendendo o ensino de princípio socialistas. — A escola sempre foi um aparato de ideologização.
Disso sabe qualquer intelectual.
O projeto tira o foco das escolas só do ensino das crianças, transformando-as em centros comunitários.
Os “conselhos comunais”, enquanto “agentes da educação”, são “obrigados a contribuir” com a “formação integral dos cidadãos”, de seus “valores éticos” e da “informação e divulgação da realidade histórica, geográfica, cultural, ambiental e socioeconômica da localidade”. Estes “atores comunitários” têm como missão a “avaliação e supervisão” das escolas.
Deputada diz que projeto rompe individualismo
Mariano Herrera, especialista em educação que é diretor do Centro de Investigações Culturais e Educativas, considerou o texto incomum: — É insólito que não se defina a escola como o espaço principal que a nossa sociedade tem para atender às crianças. A escola é concebida como um centro comunitário e para adultos.
O trecho do projeto que faz com que as crianças sejam ensinadas a desconfiar do que os meios de comunicação dizem foi considerado um dos mais controversos.
— O cidadão não pode estar passivo, mas, sim, inoculado para interpretar a mensagem dos meios — disse o ministro da Educação.
O projeto unifica o sistema educacional tanto das escolas públicas quanto das particulares.
A alteração no ensino superior também gerou reação. O Conselho Universitário da Universidade Central da Venezuela (UCV) protestou.
— O projeto pretende controlar, sem argumentos diferentes do absolutismo ideológico e político, o que compete às universidades — disse Cecilia García, reitora da UCV.
María Briceño, presidente da comissão que redigiu o projeto, negou que o país pretende copiar o ensino de Cuba. Segundo ela, o projeto visa a assegurar a igualdade de oportunidades.
— É necessário um modelo que rompa com os valores do individualismo e do mercantilismo — disse María Briceño.
Analistas venezuelanos afirmam que a nova lei da educação é uma de várias que Chávez pretende aprovar até o fim deste ano. Entre elas, estão as reformas eleitoral, do jornalismo, da propriedade, e das relações trabalhistas. O Globo
'É UMA TENTATIVA DE INSTALAR O PENSAMENTO ÚNICO'
Edgar Bazán é um dos mais combativos líderes sindicais da Venezuela. Presidente do Colégio de Professores da Venezuela, o sindicato nacional da categoria, ele afirma que a classe não aceitará o projeto, que, segundo ele, fará o ensino passar um crivo ideológico. Ele conversou com o GLOBO por telefone ontem.
O GLOBO: O senhor tem sido um crítico do projeto. Qual é o maior problema, na sua visão?
EDGAR BAZÁN: Isso faz parte de uma tentativa de levar o socialismo para a educação. É uma tentativa de ideologizar o povo para tentar instalar no país um pensamento único. É um projeto que mostra uma face da fraude, mostra o ridículo do chavismo.
O senhor afirma que o sindicato foi surpreendido com a proposta. Por quê?
BAZÁN: Uma lei que tem como intenção realizar uma mudança tão grande da educação do país só pode ser feita se houver um grande debate. Essa lei não é democrática, é uma imposição. Pais, estudantes, professores, todos temos que ir para as ruas protestar. Os professores de todas as escolas da Venezuela vão parar de dar aulas em todas as escolas em setembro. Não vamos permitir isso.
O CPV tem alguma proposta alternativa?
BAZÁN: Em 2005, discutimos com a sociedade, e foi aprovado um projeto. Preocupamonos em fazer um projeto democrático, plural, cientificamente estruturado. Mas ele foi inteiramente modificado. Substituíram o caráter republicano e democrático, os princípios éticos e morais.
Alguns críticos se preocupam com modificações na autonomia universitária. O senhor concorda?
BAZÁN: O projeto liquida a autonomia universitária. Não é só um direito do ensino superior. O real significado da autonomia universitária é ser um conjunto de princípios para a liberdade, a democracia, a busca do conhecimento. Por Renato Galeno – O Globo
Governo venezuelano defende nova lei da educação, que unifica o que é ensinado e coloca supervisores chavistas no controle
No lugar de estudantes, agora foi a vez de pais e professores protestarem contra uma polêmica decisão do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Cerca de mil manifestantes estiveram ontem diante da Assembleia Nacional (o Congresso venezuelano) para pressionar os deputados a não aprovar um controverso projeto de lei que, caso passe, mudará totalmente o sistema de ensino venezuelano, da pré-escola à universidade. A intenção é introduzir o que o texto em estudo chama de “Doutrina Bolivariana”, adequando o ensino aos princípios socialistas, transformando as escolas em centros de reunião das comunidades sob a supervisão de pessoas pagas pelo governo, e dando ao governo federal o poder de definir as carreiras que os estudantes universitários deverão seguir.
O projeto inicial foi aprovado em 2001, mas reações da sociedade civil fizeram com que fosse arquivado. Agora sofreu acréscimos e poderá ser aprovado ainda esta semana no Congresso, dominado por chavistas. O Globo
Entre as medidas que deverão entrar em vigor se a Lei Orgânica da Educação for aprovada chamam a atenção aspectos como a forma como as escolas passam a ser chamadas — “escola-família-comunidade” — e a decisão de ensinar as crianças a interpretar o que os meios de comunicação transmitem “desde a mais tenra idade”, segundo o ministro da Educação, Héctor Navarro.
— Não se metam com os meus filhos — gritavam os manifestantes, em coro.
Pessoas do grupo foram recebidas por deputados.
— O projeto está desenhado para ideologizar nossos filhos, não para educá-los. Não vamos aceitar — disse Hernan Prieto, um aposentado da estatal de petróleo PDVSA.
O ministro Navarro, que está percorrendo o país para defender a reforma na educação, afirmou que a ideia por trás do projeto é unificar as comunidade e as escolas.
— A separação que existe hoje é uma forma ideológica de formar as crianças de maneira a que entendam que uns devem ficar embaixo, e outros por cima — disse, defendendo o ensino de princípio socialistas. — A escola sempre foi um aparato de ideologização.
Disso sabe qualquer intelectual.
O projeto tira o foco das escolas só do ensino das crianças, transformando-as em centros comunitários.
Os “conselhos comunais”, enquanto “agentes da educação”, são “obrigados a contribuir” com a “formação integral dos cidadãos”, de seus “valores éticos” e da “informação e divulgação da realidade histórica, geográfica, cultural, ambiental e socioeconômica da localidade”. Estes “atores comunitários” têm como missão a “avaliação e supervisão” das escolas.
Deputada diz que projeto rompe individualismo
Mariano Herrera, especialista em educação que é diretor do Centro de Investigações Culturais e Educativas, considerou o texto incomum: — É insólito que não se defina a escola como o espaço principal que a nossa sociedade tem para atender às crianças. A escola é concebida como um centro comunitário e para adultos.
O trecho do projeto que faz com que as crianças sejam ensinadas a desconfiar do que os meios de comunicação dizem foi considerado um dos mais controversos.
— O cidadão não pode estar passivo, mas, sim, inoculado para interpretar a mensagem dos meios — disse o ministro da Educação.
O projeto unifica o sistema educacional tanto das escolas públicas quanto das particulares.
A alteração no ensino superior também gerou reação. O Conselho Universitário da Universidade Central da Venezuela (UCV) protestou.
— O projeto pretende controlar, sem argumentos diferentes do absolutismo ideológico e político, o que compete às universidades — disse Cecilia García, reitora da UCV.
María Briceño, presidente da comissão que redigiu o projeto, negou que o país pretende copiar o ensino de Cuba. Segundo ela, o projeto visa a assegurar a igualdade de oportunidades.
— É necessário um modelo que rompa com os valores do individualismo e do mercantilismo — disse María Briceño.
Analistas venezuelanos afirmam que a nova lei da educação é uma de várias que Chávez pretende aprovar até o fim deste ano. Entre elas, estão as reformas eleitoral, do jornalismo, da propriedade, e das relações trabalhistas. O Globo
'É UMA TENTATIVA DE INSTALAR O PENSAMENTO ÚNICO'
Edgar Bazán é um dos mais combativos líderes sindicais da Venezuela. Presidente do Colégio de Professores da Venezuela, o sindicato nacional da categoria, ele afirma que a classe não aceitará o projeto, que, segundo ele, fará o ensino passar um crivo ideológico. Ele conversou com o GLOBO por telefone ontem.
O GLOBO: O senhor tem sido um crítico do projeto. Qual é o maior problema, na sua visão?
EDGAR BAZÁN: Isso faz parte de uma tentativa de levar o socialismo para a educação. É uma tentativa de ideologizar o povo para tentar instalar no país um pensamento único. É um projeto que mostra uma face da fraude, mostra o ridículo do chavismo.
O senhor afirma que o sindicato foi surpreendido com a proposta. Por quê?
BAZÁN: Uma lei que tem como intenção realizar uma mudança tão grande da educação do país só pode ser feita se houver um grande debate. Essa lei não é democrática, é uma imposição. Pais, estudantes, professores, todos temos que ir para as ruas protestar. Os professores de todas as escolas da Venezuela vão parar de dar aulas em todas as escolas em setembro. Não vamos permitir isso.
O CPV tem alguma proposta alternativa?
BAZÁN: Em 2005, discutimos com a sociedade, e foi aprovado um projeto. Preocupamonos em fazer um projeto democrático, plural, cientificamente estruturado. Mas ele foi inteiramente modificado. Substituíram o caráter republicano e democrático, os princípios éticos e morais.
Alguns críticos se preocupam com modificações na autonomia universitária. O senhor concorda?
BAZÁN: O projeto liquida a autonomia universitária. Não é só um direito do ensino superior. O real significado da autonomia universitária é ser um conjunto de princípios para a liberdade, a democracia, a busca do conhecimento. Por Renato Galeno – O Globo
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