Fatia maior para a burocracia

Governo deu reajustes menores para saúde e educação, e privilegiou elite do serviço público

O discurso do governo favorável à área social e à melhoria da qualidade dos serviços públicos essenciais à população não se traduz na política adotada para os reajustes dos servidores. Uma análise da evolução dos gastos da União com pessoal no segundo mandato do presidente Lula mostra que as áreas da saúde, educação, previdência, assistência e trabalho ficaram com uma fatia de 30% do aumento das despesas com pessoal, enquanto setores típicos da burocracia, que abrigam carreiras da elite do serviço público, abocanharam 53% dessas despesas.

Já a área de infraestrutura, essencial para o desenvolvimento do país, ficou com apenas 2,8% do bolo de reajustes e vantagens concedidas aos servidores públicos da União, entre o primeiro semestre de 2006 e os seis primeiros meses de 2009. Por Regina Alvarez

As carreiras da alta burocracia são fortemente organizadas e exercem lobby poderoso junto ao Executivo e Congresso.

- Percebe-se claramente que os setores com mais poder de pressão tiveram maiores aumentos. Essas categorias têm histórico de lideranças ligadas ao PT e o governo é muito vulnerável às pressões - observa o deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP), uma das maiores autoridades nessa área no Congresso.

"Todas as carreiras foram valorizadas"
Na visão do parlamentar, a valorização excessiva da burocracia estatal criou um descompasso em relação à iniciativa privada. O setor público tem salários mais altos e esses servidores ainda contam com as vantagens da estabilidade e da aposentadoria integral. Por outro lado, a melhoria não estaria se refletindo da mesma forma nos serviços prestados ao cidadão, entende Madeira. O presidente Lula tem usado como argumento para justificar os reajustes a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados à sociedade.

- Os serviços prestados pela burocracia, de uma forma geral, não melhoraram significativamente. O cidadão continua perdido e desamparado. Criaram mais de 200 mil cargos. Isso teve impacto na qualidade do atendimento do cidadão? Não vejo as pessoas dizendo isso - afirma o deputado.

Já o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), defende os reajustes.

- O governo Lula implementou uma política de reestruturação e qualificação do serviço público brasileiro. Nunca uma política é perfeita. Depende dos olhos de cada um que olha, mas no caráter geral é extremamente correta e está obtendo resultados - afirma o líder.

Ele diz que os servidores estão mais motivados e considera que o combate à corrupção e ao crime organizado está tendo um retorno enorme, em referência aos reajustes concedidos à área de auditoria e fiscalização.

- Todas as carreiras foram valorizadas. Não há um servidor que não tenha sido beneficiado na concessão de reajustes - afirma.

"É uma conta desequilibrada"
Os reajustes se concentraram fortemente nos servidores civis em atividade da administração direta, segundo essa radiografia dos gastos com pessoal elaborada pelo economista José Roberto Afonso, assessor técnico da Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira no Senado. O estudo foi encomendado pelo relator da Comissão, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), para avaliar o impacto dessas despesas na política fiscal brasileira. Afonso contou com a colaboração do economista Kleber Pacheco de Castro.

O setor "Poderes de Estado e Representação" - que engloba a Presidência da República, Ministério das Relações Exteriores, Ministério Público da União, Legislativo e Judiciário - foi o que mais contribuiu para os aumentos da folha de pessoal da União, entre 2006 e 2009. Ele responde por 30% do aumento das despesas, o equivalente ao total da área social. Neste caso, estão considerados os reajustes concedidos pelos demais poderes, mas eles respondem por menos de 20% do total da folha de pessoal da União.

"Tais números evidenciam que a evolução e a composição recente do gasto salarial predominante da União não privilegiou e nem concentra recursos nos setores sociais básicos, muito menos em infraestrutura, tendo setores tipicamente burocráticos sido os que mais ocuparam espaço na folha salarial", diz o estudo de Afonso.

O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público (Condsef), Josemilton Maurício da Costa, faz duras críticas aos critérios adotados pelo governo para conceder os reajustes.

- O governo valoriza quem arrecada e quem faz a repressão (referência aos reajustes concedidos à Polícia Federal). Não aceitamos o tratamento discriminatório à área social. Enquanto um médico vai ganhar R$5.650 só em 2011, o pessoal da área de fiscalização e auditoria já ganha R$19 mil. É uma conta desequilibrada, uma visão equivocada - afirma o sindicalista. O Globo

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