O ápice do comunismo depois do “paredón”, da falta de liberdade, de comida e de perspectiva, é este aqui. Por Arthur/Gabriela
O CASO EM CUBA
As últimas medidas anunciadas pelo presidente Raúl Castro dão ideia da penúria em que Cuba está mergulhada. Diante de gastos estatais “simplesmente insustentáveis”, ele anunciou cortes em verbas destinadas à saúde e à educação, orgulho do regime comunista, para reduzir as despesas públicas em 6%. As falhas na geração de energia obrigaram a adoção de racionamento e a suspender a produção industrial em horários de pique. O problema é tão grave que algumas empresas estatais fecharam suas lanchonetes para poupar energia.
A crise levou o Comitê Central a suspender a preparação para o primeiro congresso do Partido Comunista Cubano em 12 anos. Apesar da entrega de petróleo a preços subsidiados pela Venezuela, as limitações ao consumo de derivados geraram especulações de que o governo estaria revendendo o óleo em segredo, para obter divisas. Editorial O Globo
Já a produção local de petróleo caiu 19% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. O déficit comercial subiu 65% em 2008, segundo a revista “The Economist”. O preço do níquel, principal produto de exportação cubano, caiu mais de 50% em relação ao ano passado. A receita do turismo também diminuiu. As projeções de crescimento econômico foram reduzidas de 2,5% para 1,7% este ano (em dezembro, eram de 6%). Três poderosos furacões em 2008 agravaram a situação, causando prejuízos estimados em US$ 10 bilhões e arruinando estoques de grãos que o governo acumulara para fazer frente a oscilações no mercado.
Quando assumiu o cargo, e depois, o presidente dos EUA, Barack Obama, fez acenos a Cuba para reabrir canais fechados por Bush. Mas Raúl Castro, que inicialmente falara na possibilidade de reformas, ainda não traduziu isso na prática.
Recentemente declarou não ter sido “eleito para trazer o capitalismo de volta a Cuba ou para entregar a revolução. E sim para defender, construir e aperfeiçoar o socialismo, não para destruí-lo”. E sem reformas profundas, dificilmente os irmãos Castro evitarão o colapso do país, tragado pelo esfarelamento do regime socialista, como o Leste da Europa já demonstrou. Sem a pujança da China ou o dinamismo do Vietnã — países que abriram a economia, ainda que sem abrir mão do monopólio político do Partido Comunista —, a ilha-museu do Caribe, uma espécie de parque temático de saudosistas de esquerda, parece se encaminhar mesmo para grande zona de turbulência.
Será mais um desfecho dramático da fórmula que levou à supressão das liberdades públicas e pessoais em muitas regiões, em nome de uma suposta igualdade social. O resultado foi a distribuição bem feita da pobreza e a constituição de uma nomenklatura no topo do poder.
UMA ILHA POVOADA PELA CRISE
Cubanos vivem dificuldades econômicas que testam sua resistência, nos 50 anos da revolução
Na esteira de bagagens do aeroporto de Havana, os cães da polícia ainda farejam as malas, em busca de drogas, quando dois funcionários uniformizados, camisa semi-aberta e cigarro no canto da boca, oferecem ajuda para retirar os volumes. É o primeiro contato do viajante com a busca incessante dos cubanos por dinheiro em moeda forte. Atingida duramente pela crise econômica, a ilha de Fidel e Raúl Castro vive, aos 50 anos da revolução, num sistema de dupla moeda que levou seus habitantes a verem no turismo uma fonte vital de renda e de produtos escassos no país, como remédios e sabonetes.
O peso cubano, a chamada moneda nacional, praticamente desapareceu das transações comerciais, circulando apenas em salários e pensões que oscilam na faixa equivalente a US$ 20, nas contas de luz, nas compras da cesta básica e em miudezas como lanches.
Para todo o restante, vale o peso convertible, conhecido pela sigla CUC, trocado em casas de câmbio que têm filas eternas. Nessa realidade paralela, Cuba tem uma moeda mais forte que o dólar americano e quase tão poderosa quanto o euro (C1 = 1,26 CUC).
A atração pelo poder de compra do CUC tem hoje um efeito colateral de desorganização da economia, ao botar qualquer atividade ligada ao turismo no topo da pirâmide de remuneração.
Um carregador de malas de hotel ganha, em gorjetas, mais que um cirurgião em um mês de trabalho. Uma manhã trabalhando como guia informal num parque nacional (10 CUCs por turista) rende mais que três meses de trabalho na lavoura. O aluguel de quartos para turistas em casas particulares, sob permissão do governo, é uma das atividades mais concorridas.
Com salários equivalentes a US$ 25, os médicos engrossam a lista de profissionais que têm deixado Cuba em busca de dias melhores. Mais de 6 mil profissionais da saúde emigraram para os Estados Unidos nos últimos seis anos, segundo noticiou na semana passada o “New York Times”. O governo dos EUA acelerou o processo de evasão: bastou oferecer visto a médicos cubanos que residissem em um terceiro país. Nos 50 anos da revolução, Cuba mandou 185 mil profissionais da saúde a 103 países; atualmente 31 mil se encontram na Venezuela
Filme satiriza o oficialismo
A crise atingiu em cheio o turismo, as remessas de divisas de cubanos que vivem no exterior e o preço do níquel, principal item da pauta de exportação. Nem o oficialismo, marca registrada de um regime de partido único e sem imprensa livre, resiste aos fatos. Nos seus últimos discursos, o presidente Raúl Castro descreveu a crise como grave e anteviu medidas amargas.
Há dois dias, as autoridades reconheceram que falta até papel higiênico no país. Só o diário oficial “Granma” e a mídia estatal parecem ainda dispostos a manter um clima de certo otimismo, tal como aparece no curta-metragem “Brainstorm”, último de uma série do diretor Eduardo del Llano que circula pela ilha em pendrives e CDs piratas, instrumentos da luta contra a censura. No filme, uma sátira do cotidiano de um jornal oficial, o personagem Nicanor desafia a editora que defende uma linha editorial “otimista”: — É por isso que as pessoas não querem viver no país que conhecem, e sim no país que nós lhes mostramos.
No primeiro filme, “Monte Rouge” (2004), Nicanor recebe a visita de dois policiais que vêm instalar microfones em sua casa e negocia, “por fora”, uma antena parabólica. Em Cuba, é ilegal ter internet ou parabólica em casa.
Oficialmente, o governo já reviu sua previsão de crescimento para 2009, de 6%, para 2,5% e agora para 1,7%, mas até este número parece uma miragem, quando a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) prevê retração de 1,2% na região do Caribe.
No último feriado de 26 de julho, dia de comemoração dos ataques que deram a partida para a Revolução de 1959, Raúl lembrou que, ao assumir o poder (em 2006, com a doença de Fidel), encontrou ociosa metade das terras cultiváveis. E cobrou trabalho: — Estamos comendo as mangas das mangueiras que nossos avós semearam — disse Raúl, de 78 anos.
Cuba importa cerca de 80% dos alimentos que consome. Basta circular pela ilha para notar que os mercados estão desabastecidos e que há grandes extensões sem exploração agrícola ou para pecuária. O país parece ter seguido a Índia ao tornar a vaca “sagrada”: é proibido matar ou vender gado bovino, a não ser para o Estado. O gado é escasso, e o leite, racionado: só as famílias com crianças de até 7 anos têm direito a uma cota. Os outros compram no mercado negro, pagando 2 CUCs (cerca de R$ 4,20) o litro.
Dificuldades de transporte são outro problema que chama a atenção do viajante. A estrada central que corta a ilha ficou inacabada. Viadutos que levam nada a lugar nenhum servem apenas para fazer sombra para as centenas de pessoas que se espalham pelo acostamento à espera de carona para seu local de trabalho. Desde o fim da ajuda russa, nos anos 90, o PIB encolheu 35%. O bloqueio comercial imposto pelos EUA debilita a economia e corta o acesso a fontes como o Banco Mundial e o BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento). Cuba tem uma das piores taxas de investimento do continente, segundo a Cepal.
Estima-se que 250 mil pessoas, a maioria jovens, deixaram o país entre 2000 e 2007, e que 1,5 milhão de cubanos ou cubano-americanos vivam hoje nos EUA. As remessas de dinheiro feitas por eles são calculadas em US$ 900 milhões anuais e ajudam a sustentar 3 milhões de pessoas. Nas noites escuras da Havana com racionamento de luz, conversas sobre a partida são recorrentes.
Quem decide ir expressa o desalento captado, entre tantos, do taxista que vê o fim da noite chegar tendo ganho só o suficiente para pagar os 60 CUCs diários devidos ao Estado, dono do carro, assim como de 90% de todos os bens em Cuba: — A economia daqui já não tem mais conserto. Por Fernanda Godoy - O Globo
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