“Golpes não deixam civis no controle sobre as Forças Armadas, como é o caso em Honduras hoje”. Por Roberto Micheletti, The Washington Post
Meu país vive uma situação incomum nesta semana. O ex-presidente Manuel Zelaya retornou sub-repticiamente a Honduras, alegando ainda ser o líder legítimo do país, a despeito do fato de que uma sucessão constitucional teve lugar em 28 de junho. Em meio a todas as alegações que provavelmente serão feitas, o ex-presidente não mencionará que o povo de Honduras avançou desde aquele dia ou que nossos cidadãos estão se preparando para eleições livres.
A comunidade internacional condenou equivocadamente os eventos de 28 de junho e erradamente rotulou nosso país como não democrático. Devo respeitosamente discordar.
Em 28 de junho, a Suprema Corte emitiu uma ordem de prisão contra Zelaya por suas violações gritantes de nossa Constituição que marcaram o fim de sua presidência. Até hoje, uma maioria avassaladora de hondurenhos apoia as ações que asseguraram o respeito ao regime da lei.
Em meio a toda retórica sobre um golpe militar estão fatos. Em poucas palavras, golpes não deixam civis no controle sobre as Forças Armadas, como é o caso em Honduras hoje. Eles não permitem tampouco o funcionamento independente de instituições democráticas - os tribunais, a procuradoria-geral, o tribunal eleitoral. Eles também não mantêm um respeito pela separação de poderes. Em Honduras os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estão em funcionamento e chefiados por autoridades civis.
Golpes não permitem liberdade de reunião. Não garantem a liberdade de imprensa, e muito menos o respeito aos direitos humanos. Em Honduras, essas liberdades permanecem intactas e vibrantes. E, em 29 de novembro, nosso país pretende realizar o exercício civil supremo de qualquer democracia: uma eleição presidencial livre.
O vencedor da eleição assumirá a presidência em janeiro. Nesse momento, cessará minha administração de transição.
Roberto Micheletti é presidente do governo de facto de Honduras The Washington Post via O Estado de S. Paulo
BRASIL NÃO É POLÍCIA REGIONAL, DIZ EMBAIXADOR DE HONDURAS
ENTREVISTA
O embaixador hondurenho Delmer Urbizo defende a eleição de novembro como saída para a crise política em seu país. E revolta-se com a falta de apoio dos vizinhos -nenhum deles reconhece o governo Roberto Micheletti, que ele representa na ONU em Genebra.
No dia 14, Urbizo foi retirado do Conselho de Direitos Humanos da ONU, após embaixadores latinos, liderados pelo Brasil, pedirem a anulação da sua credencial. Mas, apesar da voz desanimada com que atendeu em sua casa ao telefonema da Folha ontem, Urbizo diz manter o moral alto. E frisou que suas credenciais seguem válidas -a Folha apurou que a ONU ainda tramita o pedido de anulação.
FOLHA - Como fica sua situação aqui na ONU?
URBIZO - Foi um atropelo inqualificável. Estou protestando ao presidente do Conselho de Direitos Humanos. Porque sigo sendo embaixador, e, mesmo assim, me impedem de assistir às sessões.
FOLHA - Como o sr. vê o papel do Brasil nesse episódio?
URBIZO - Estranhei. Sempre respeitamos o presidente Lula. Mudaram as coisas. A política bilateral vai mal.
FOLHA - A questão do Brasil é com o governo Micheletti.
URBIZO - A questão é que o Brasil está assumindo... [O presidente dos EUA, Barack] Obama já disse isso, que está encarregando o Brasil de fazer o que os EUA faziam antes e cuidar dos interesses latino-americanos. Mas os países latino-americanos não vão procurar o Brasil para cuidar dos interesses deles.
FOLHA - O Brasil virou uma polícia regional, é isso?
URBIZO - Eram assim os EUA. Mas eles não querem mais saber da região, logo...
FOLHA - Muitos veem no Brasil o contrapeso ao venezuelano Hugo Chávez.
URBIZO - Que contrapeso? Se Chávez realmente fosse um problema para os EUA, os EUA o apagariam do mapa. Eles não continuam comprando petróleo dele? Todos têm negócio com Chávez.
FOLHA - Por que ninguém reconheceu seu governo?
URBIZO - Quantas ditaduras há no mundo e não fizeram nada? A nossa não é uma ditadura. Querem usar um país pequeno e vulnerável para fazer justiça internacional. Esse governo é transitório. Haverá eleição em 29 de novembro, eleições aprovadas no ano passado. Não há ruptura constitucional.
FOLHA - A volta de Zelaya pode atravancar o processo?
URBIZO - É provável que isso traga alguma perturbação, mas as eleições vão acontecer. Essa é a aposta do povo hondurenho, eleições transparentes. Há apoio internacional para isso, só a OEA [Organização dos Estados Americanos] não quer.
FOLHA - Quem apoiou?
URBIZO - O Clube Rotary internacional vai mandar observadores. As câmaras de comércio latino-americanas. A sociedade civil, as igrejas...Logo o governo ganhará nas urnas o respaldo de seus eleitores. Quantos governos militares saíram com eleições legítimas? No nosso caso, só há um presidente de fato, porque o outro foi destituído pelo Congresso. Agora querem dizer que as eleições não são a saída. Como resolver o problema institucional se não assim? E te digo, o único país com ditadura feroz que não fez uma Comissão da Verdade foi o Brasil. Qual a estatura moral brasileira? Não se pode ter dupla moral na política exterior. Folha de S. Paulo
PARA JURISTAS, SITUAÇÃO DE ZELAYA É CASO INÉDITO
Nas ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, militantes de esquerda invadiam embaixadas estrangeiras pedindo para ser retirados em segurança do país onde estavam.
Zelaya inaugurou na segunda-feira o contrário disso - entrou escondido num país presidido por ele mesmo. Em seguida, pediu para ficar na embaixada brasileira e, em vez de ser retirado de Honduras são e salvo, está lutando para ficar e fazer dos escritórios da missão diplomática brasileira um palanque político.
A manobra avessa de Zelaya "é muito singular, não tem precedentes", disse ao Estado Francisco Rezek, que foi ministro das Relações Exteriores e juiz da Corte Internacional de Haia de 1996 a 2006. A professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, Cláudia Perrone-Moisés, também diz que o fato é "inédito".
ASILO
Para ambos, a permanência de Zelaya na embaixada brasileira equivale à concessão de um "asilo diplomático", ao contrário do que disse na segunda-feira o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
"O governo pode até dizer que não concede o asilo de direito, mas não há dúvida de que o asilo de fato está dado", disse Cláudia. Para Rezek, "o asilo diplomático foi concedido no momento em que a embaixada permitiu a entrada de Zelaya". "Se não fosse assim, o governo brasileiro teria de pedir que ele simplesmente deixasse a embaixada."
Decidir se Zelaya é ou não um asilado condiciona a reação do governo de facto. Se considerado asilado, "ele não pode usar a embaixada como palanque. Isso é proibido", disse Rezek.
A Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas diz que as instalações e os automóveis diplomáticos são invioláveis. Mas um de seus artigos também determina que os funcionários diplomáticos não podem se imiscuir em assuntos internos do Estado onde estão.
"O fato de Zelaya usar a embaixada para fazer agitação política poderia violar um princípio inerente ao asilo político. Mas nem nesse caso os militares hondurenhos poderiam entrar na embaixada brasileira para prendê-lo", disse Rezek. O Estado de S. Paulo –
Meu país vive uma situação incomum nesta semana. O ex-presidente Manuel Zelaya retornou sub-repticiamente a Honduras, alegando ainda ser o líder legítimo do país, a despeito do fato de que uma sucessão constitucional teve lugar em 28 de junho. Em meio a todas as alegações que provavelmente serão feitas, o ex-presidente não mencionará que o povo de Honduras avançou desde aquele dia ou que nossos cidadãos estão se preparando para eleições livres.
A comunidade internacional condenou equivocadamente os eventos de 28 de junho e erradamente rotulou nosso país como não democrático. Devo respeitosamente discordar.
Em 28 de junho, a Suprema Corte emitiu uma ordem de prisão contra Zelaya por suas violações gritantes de nossa Constituição que marcaram o fim de sua presidência. Até hoje, uma maioria avassaladora de hondurenhos apoia as ações que asseguraram o respeito ao regime da lei.
Em meio a toda retórica sobre um golpe militar estão fatos. Em poucas palavras, golpes não deixam civis no controle sobre as Forças Armadas, como é o caso em Honduras hoje. Eles não permitem tampouco o funcionamento independente de instituições democráticas - os tribunais, a procuradoria-geral, o tribunal eleitoral. Eles também não mantêm um respeito pela separação de poderes. Em Honduras os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estão em funcionamento e chefiados por autoridades civis.
Golpes não permitem liberdade de reunião. Não garantem a liberdade de imprensa, e muito menos o respeito aos direitos humanos. Em Honduras, essas liberdades permanecem intactas e vibrantes. E, em 29 de novembro, nosso país pretende realizar o exercício civil supremo de qualquer democracia: uma eleição presidencial livre.
O vencedor da eleição assumirá a presidência em janeiro. Nesse momento, cessará minha administração de transição.
Roberto Micheletti é presidente do governo de facto de Honduras The Washington Post via O Estado de S. Paulo
BRASIL NÃO É POLÍCIA REGIONAL, DIZ EMBAIXADOR DE HONDURAS
ENTREVISTA
O embaixador hondurenho Delmer Urbizo defende a eleição de novembro como saída para a crise política em seu país. E revolta-se com a falta de apoio dos vizinhos -nenhum deles reconhece o governo Roberto Micheletti, que ele representa na ONU em Genebra.
No dia 14, Urbizo foi retirado do Conselho de Direitos Humanos da ONU, após embaixadores latinos, liderados pelo Brasil, pedirem a anulação da sua credencial. Mas, apesar da voz desanimada com que atendeu em sua casa ao telefonema da Folha ontem, Urbizo diz manter o moral alto. E frisou que suas credenciais seguem válidas -a Folha apurou que a ONU ainda tramita o pedido de anulação.
FOLHA - Como fica sua situação aqui na ONU?
URBIZO - Foi um atropelo inqualificável. Estou protestando ao presidente do Conselho de Direitos Humanos. Porque sigo sendo embaixador, e, mesmo assim, me impedem de assistir às sessões.
FOLHA - Como o sr. vê o papel do Brasil nesse episódio?
URBIZO - Estranhei. Sempre respeitamos o presidente Lula. Mudaram as coisas. A política bilateral vai mal.
FOLHA - A questão do Brasil é com o governo Micheletti.
URBIZO - A questão é que o Brasil está assumindo... [O presidente dos EUA, Barack] Obama já disse isso, que está encarregando o Brasil de fazer o que os EUA faziam antes e cuidar dos interesses latino-americanos. Mas os países latino-americanos não vão procurar o Brasil para cuidar dos interesses deles.
FOLHA - O Brasil virou uma polícia regional, é isso?
URBIZO - Eram assim os EUA. Mas eles não querem mais saber da região, logo...
FOLHA - Muitos veem no Brasil o contrapeso ao venezuelano Hugo Chávez.
URBIZO - Que contrapeso? Se Chávez realmente fosse um problema para os EUA, os EUA o apagariam do mapa. Eles não continuam comprando petróleo dele? Todos têm negócio com Chávez.
FOLHA - Por que ninguém reconheceu seu governo?
URBIZO - Quantas ditaduras há no mundo e não fizeram nada? A nossa não é uma ditadura. Querem usar um país pequeno e vulnerável para fazer justiça internacional. Esse governo é transitório. Haverá eleição em 29 de novembro, eleições aprovadas no ano passado. Não há ruptura constitucional.
FOLHA - A volta de Zelaya pode atravancar o processo?
URBIZO - É provável que isso traga alguma perturbação, mas as eleições vão acontecer. Essa é a aposta do povo hondurenho, eleições transparentes. Há apoio internacional para isso, só a OEA [Organização dos Estados Americanos] não quer.
FOLHA - Quem apoiou?
URBIZO - O Clube Rotary internacional vai mandar observadores. As câmaras de comércio latino-americanas. A sociedade civil, as igrejas...Logo o governo ganhará nas urnas o respaldo de seus eleitores. Quantos governos militares saíram com eleições legítimas? No nosso caso, só há um presidente de fato, porque o outro foi destituído pelo Congresso. Agora querem dizer que as eleições não são a saída. Como resolver o problema institucional se não assim? E te digo, o único país com ditadura feroz que não fez uma Comissão da Verdade foi o Brasil. Qual a estatura moral brasileira? Não se pode ter dupla moral na política exterior. Folha de S. Paulo
PARA JURISTAS, SITUAÇÃO DE ZELAYA É CASO INÉDITO
Nas ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, militantes de esquerda invadiam embaixadas estrangeiras pedindo para ser retirados em segurança do país onde estavam.
Zelaya inaugurou na segunda-feira o contrário disso - entrou escondido num país presidido por ele mesmo. Em seguida, pediu para ficar na embaixada brasileira e, em vez de ser retirado de Honduras são e salvo, está lutando para ficar e fazer dos escritórios da missão diplomática brasileira um palanque político.
A manobra avessa de Zelaya "é muito singular, não tem precedentes", disse ao Estado Francisco Rezek, que foi ministro das Relações Exteriores e juiz da Corte Internacional de Haia de 1996 a 2006. A professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, Cláudia Perrone-Moisés, também diz que o fato é "inédito".
ASILO
Para ambos, a permanência de Zelaya na embaixada brasileira equivale à concessão de um "asilo diplomático", ao contrário do que disse na segunda-feira o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
"O governo pode até dizer que não concede o asilo de direito, mas não há dúvida de que o asilo de fato está dado", disse Cláudia. Para Rezek, "o asilo diplomático foi concedido no momento em que a embaixada permitiu a entrada de Zelaya". "Se não fosse assim, o governo brasileiro teria de pedir que ele simplesmente deixasse a embaixada."
Decidir se Zelaya é ou não um asilado condiciona a reação do governo de facto. Se considerado asilado, "ele não pode usar a embaixada como palanque. Isso é proibido", disse Rezek.
A Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas diz que as instalações e os automóveis diplomáticos são invioláveis. Mas um de seus artigos também determina que os funcionários diplomáticos não podem se imiscuir em assuntos internos do Estado onde estão.
"O fato de Zelaya usar a embaixada para fazer agitação política poderia violar um princípio inerente ao asilo político. Mas nem nesse caso os militares hondurenhos poderiam entrar na embaixada brasileira para prendê-lo", disse Rezek. O Estado de S. Paulo –
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