Prosopopeia de Temporão pró-CPMF disfarça a falta de prioridade da saúde na lei orçamentária
É falsa como uma nota de R$ 3 a suposta carência de recursos para a saúde, bancada pelos orçamentos da União, estados e municípios. Ela sustenta a intenção do presidente Lula de recriar a CPMF. Na onda ufanista do pré-sal, que será realidade em termos de receita séria só em 2020, o governo quer acautelar-se com novas fontes de arrecadação imediatas para seus projetos de 2010. Saúde é álibi.
A velha CPMF ressurgiria rebatizada de CSS, Contribuição Social da Saúde, conforme o projeto à espera de votação final na Câmara, uma alíquota inicial baixinha, 0,1% — e sempre começa assim, para angariar apoio —, contra 0,32% da que o Senado enterrou no fim de 2007, e destinação vinculada. Com a finada CPMF era a mesma coisa.
A CPMF terminou pagando gastos em geral e até ajudando a compor o superávit primário, usado para pagar juros da dívida pública. Que a nova se destine apenas às urgências alegadas pelo ministro José Gomes Temporão, da Saúde, como a prevenção contra a recidiva do vírus da gripe suína no próximo ano, e ainda assim a sua eventual recriação servirá para financiar outras despesas, inclusive as de aumento de salários do funcionalismo e gastos gerais do governo.
E isso por quê? Porque o dinheiro arrecadado não é carimbado, e nem há como ser. O que entra cai no caixa único do Tesouro, pouco importando os condicionantes de vinculação da rubrica. Às contas.
Dinheiro a mais para a saúde existe. O governo com conivência de partidos aliados é que não quer gastar, prioritariamente, com ela. Essa é a palavra-chave: “prioridade”. É o que se constata abrindo-se o projeto de orçamento fiscal de 2010, que já está no Congresso para análise, audiência pública e votação até o fim do ano.
O Ministério do Planejamento orçou uma receita bruta de R$ 853,6 bilhões entre a arrecadação de tributos e dividendos de empresas estatais, correspondendo, após as transferências constitucionais a estados e municípios, uma receita líquida de R$ 709,7 bilhões para 2010. Trata-se de crescimento projetado de 14,5% sobre a receita deste ano, conforme a última reprogramação orçamentária.
Para 2010, assim, o governo estima uma receita adicional de R$ 89,9 bilhões, 7,5 vezes mais que a carência estimada por Temporão para as despesas com saúde no próximo ano: R$ 12 bilhões, um grão de areia comparado ao gigantismo da carga tributária existente.
Como uma fila do SUS
Diferentemente da evangelização só supostamente civilizatória do ministro da Saúde, a questão comporta outra abordagem: a de pôr em fila as despesas obrigatórias e discricionárias do governo federal e passar o pente fino para encontrar quais merecem prioridade.
Não há dúvida de que a saúde estará entre as primeiras. O que não estará é a urgência da nova CPMF. O discurso passará a ser outro, possivelmente menos meritório que a saúde, educação, Bolsa Família — coisas assim, primeiras obrigações do Estado. Surgirão projetos cuja prioridade político algum defenderia em público para furar a saúde na fila. É isso o que oculta a prosopopeia de Temporão.
Primarismo flagrante
Aliás, nem o governo se sente confortável para pedir mais imposto para a saúde frente aos gastos menos essenciais plantados na peça orçamentária. Quer envolver prefeitos, que deveriam marchar sobre Brasília para pedir pela CPMF, segundo José Múcio, o ministro da coordenação política. Líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) nem é sutil. Quer conclamar os governadores José Serra e Aécio Neves e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, caciques da oposição, a apoiar a CSS. “Quero saber se eles estão dispostos a viabilizar mais R$ 12 bilhões para a saúde”, ameaçou, apelando à marketagem do pré-sal, segundo a qual quem for contra a proposta do governo defende a privatização da Petrobras. Se negarem, assim, eles seriam contra a saúde. O primarismo do argumento é flagrante.
Placebo para a saúde
Se a saúde requer mais R$ 12 bilhões, é muito pouco. Isso existe no orçamento. O deputado Fontana pode achar o que a saúde precisa no próprio orçamento de 2010, e convencer os seus pares a fazer as devidas realocações de verbas. Mais legítimo ainda é pedir a que abram mão das emendas ao orçamento, doando-as em bloco à saúde.
Que prioridade seria maior que essa? E, aos prefeitos, o ministro Múcio poderia convidá-los a marchar em Brasília contra o projeto que reabre mais 7 mil vagas de vereadores. Temporão pode voltar a cuidar de gripe, mosquito da dengue, as mazelas da saúde nacional, porque o dinheiro existe. Contra tais males, a CPMF é placebo.
CPMF é hedge fiscal
Um clone da CPMF está mais para servir de hedge contra gastos sem cobertura de receita assegurada em 2010 que para remédio universal dos males da saúde. Como previne o economista Fernando Montero, as projeções de receita para 2010 se apóiam em estimativa de entradas em 2009 difíceis de serem cumpridas. A arrecadação caiu 1,8% sobre 2008 entre janeiro e julho. Ela só crescerá 6,2% no ano, se der um salto de 17% de agosto a dezembro. Algo difícil, diz Montero. Para ele, as receitas e despesas infladas na base de comparação de 2009 fazem o aumento de despesas em 2010 parecer mais comedido. Correio Braziliense
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A velha CPMF ressurgiria rebatizada de CSS, Contribuição Social da Saúde, conforme o projeto à espera de votação final na Câmara, uma alíquota inicial baixinha, 0,1% — e sempre começa assim, para angariar apoio —, contra 0,32% da que o Senado enterrou no fim de 2007, e destinação vinculada. Com a finada CPMF era a mesma coisa.
A CPMF terminou pagando gastos em geral e até ajudando a compor o superávit primário, usado para pagar juros da dívida pública. Que a nova se destine apenas às urgências alegadas pelo ministro José Gomes Temporão, da Saúde, como a prevenção contra a recidiva do vírus da gripe suína no próximo ano, e ainda assim a sua eventual recriação servirá para financiar outras despesas, inclusive as de aumento de salários do funcionalismo e gastos gerais do governo.
E isso por quê? Porque o dinheiro arrecadado não é carimbado, e nem há como ser. O que entra cai no caixa único do Tesouro, pouco importando os condicionantes de vinculação da rubrica. Às contas.
Dinheiro a mais para a saúde existe. O governo com conivência de partidos aliados é que não quer gastar, prioritariamente, com ela. Essa é a palavra-chave: “prioridade”. É o que se constata abrindo-se o projeto de orçamento fiscal de 2010, que já está no Congresso para análise, audiência pública e votação até o fim do ano.
O Ministério do Planejamento orçou uma receita bruta de R$ 853,6 bilhões entre a arrecadação de tributos e dividendos de empresas estatais, correspondendo, após as transferências constitucionais a estados e municípios, uma receita líquida de R$ 709,7 bilhões para 2010. Trata-se de crescimento projetado de 14,5% sobre a receita deste ano, conforme a última reprogramação orçamentária.
Para 2010, assim, o governo estima uma receita adicional de R$ 89,9 bilhões, 7,5 vezes mais que a carência estimada por Temporão para as despesas com saúde no próximo ano: R$ 12 bilhões, um grão de areia comparado ao gigantismo da carga tributária existente.
Como uma fila do SUS
Diferentemente da evangelização só supostamente civilizatória do ministro da Saúde, a questão comporta outra abordagem: a de pôr em fila as despesas obrigatórias e discricionárias do governo federal e passar o pente fino para encontrar quais merecem prioridade.
Não há dúvida de que a saúde estará entre as primeiras. O que não estará é a urgência da nova CPMF. O discurso passará a ser outro, possivelmente menos meritório que a saúde, educação, Bolsa Família — coisas assim, primeiras obrigações do Estado. Surgirão projetos cuja prioridade político algum defenderia em público para furar a saúde na fila. É isso o que oculta a prosopopeia de Temporão.
Primarismo flagrante
Aliás, nem o governo se sente confortável para pedir mais imposto para a saúde frente aos gastos menos essenciais plantados na peça orçamentária. Quer envolver prefeitos, que deveriam marchar sobre Brasília para pedir pela CPMF, segundo José Múcio, o ministro da coordenação política. Líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) nem é sutil. Quer conclamar os governadores José Serra e Aécio Neves e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, caciques da oposição, a apoiar a CSS. “Quero saber se eles estão dispostos a viabilizar mais R$ 12 bilhões para a saúde”, ameaçou, apelando à marketagem do pré-sal, segundo a qual quem for contra a proposta do governo defende a privatização da Petrobras. Se negarem, assim, eles seriam contra a saúde. O primarismo do argumento é flagrante.
Placebo para a saúde
Se a saúde requer mais R$ 12 bilhões, é muito pouco. Isso existe no orçamento. O deputado Fontana pode achar o que a saúde precisa no próprio orçamento de 2010, e convencer os seus pares a fazer as devidas realocações de verbas. Mais legítimo ainda é pedir a que abram mão das emendas ao orçamento, doando-as em bloco à saúde.
Que prioridade seria maior que essa? E, aos prefeitos, o ministro Múcio poderia convidá-los a marchar em Brasília contra o projeto que reabre mais 7 mil vagas de vereadores. Temporão pode voltar a cuidar de gripe, mosquito da dengue, as mazelas da saúde nacional, porque o dinheiro existe. Contra tais males, a CPMF é placebo.
CPMF é hedge fiscal
Um clone da CPMF está mais para servir de hedge contra gastos sem cobertura de receita assegurada em 2010 que para remédio universal dos males da saúde. Como previne o economista Fernando Montero, as projeções de receita para 2010 se apóiam em estimativa de entradas em 2009 difíceis de serem cumpridas. A arrecadação caiu 1,8% sobre 2008 entre janeiro e julho. Ela só crescerá 6,2% no ano, se der um salto de 17% de agosto a dezembro. Algo difícil, diz Montero. Para ele, as receitas e despesas infladas na base de comparação de 2009 fazem o aumento de despesas em 2010 parecer mais comedido. Correio Braziliense
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