Ciência livre, a nova inimiga de Chávez

Governo venezuelano persegue os pesquisadores que não se afinam ideologicamente com o presidente

Em maio passado, o presidente Hugo Chávez exigiu aos membros do Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas (Ivic, na sigla em espanhol) que “façam uma ciência útil para elevar o nível de vida do povo”. Durante uma emissão de seu programa de TV “Alô Presidente”, o líder venezuelano também pediu ao ministro do Poder Popular para a Ciência, Tecnologia e Indústrias Intermediárias, Jesse Chacón, que acabasse com os “esquálidos” (opositores, no dicionário chavista) que ainda estavam no Ivic, principal centro de pesquisa científica do país. Desde então, importantes pesquisadores do instituto foram perseguidos por suas preferências políticas, e programas considerados fundamentais pelos cientistas venezuelanos foram eliminados. Por Janaína Figueiredo

— Não daremos dinheiro para que o Professor Pardal (personagem da Disney) investigue a vida em Vênus. Senhores cientistas: entrem nos bairros, saiam de suas cápsulas e façam uma ciência útil para elevar a vida do povo — disse Chávez.

As palavras do presidente provocaram uma profunda crise no Ivic, que mês passado anunciou o fim do Programa de Permanência em Trabalhos de Pesquisa (PLI). O programa era uma espécie de refúgio para pesquisadores aposentados, que, graças ao PLI, continuavam pesquisando e publicando trabalhos.

Seu fim afetará 27 pesquisadores do Ivic, entre eles a cientista especializada em microbiologia Gioconda San Blas, primeira mulher a ocupar uma vaga na Academia de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais do país.

— Depois do pronunciamento do presidente, o governo iniciou um ataque frontal ao instituto e, sobretudo, ao PLI — assegurou Gioconda ao GLOBO.

Segundo ela, “os pesquisadores do antigo programa produziam quase o dobro de trabalhos dos demais membros do Ivic”. A cientista está negociando um contrato de trabalho por um ano, única opção dada pelo instituto a ex-membros do PLI.

— A vida dos cientistas ficou muito complicada em nosso país, não temos estímulo para trabalhar aqui e ainda por cima somos perseguidos se pensamos diferente — lamentou.

Para a pesquisadora, o clima criado por Chávez “explica a fuga de cérebros que vive a Venezuela nos últimos anos”: — Há um mês, o Ivic perdeu dois pesquisadores do laboratório de Física, que receberam propostas do exterior. Nosso laboratório de microbiologia acaba de perder um pesquisador com pós-doutorado brilhante.

Chávez não reduziu o orçamento da área, mas, segundo denunciaram cientistas e intelectuais opositores do governo, o dinheiro é mal distribuído, em programas que não representam avanços para a ciência venezuelana. De acordo com o ranking elaborado pela “ISI Web of Knowledge”, entre 2006 e 2008 o número de artigos científicos produzidos na Venezuela recuou 15%, caindo de 968 para 831.

Críticas levam a afastamento de fundação governamental

Quando um pesquisador publica um trabalho que revela aspectos negativos da revolução, imediatamente é questionado e, muitas vezes, punido. Foi o caso da bióloga nutricionista María de las Nieves Garcia, que em 2005 divulgou uma pesquisa sobre anemia infantil. No trabalho, Garcia indicava que 70% das crianças menores de 2 anos que recorriam a hospitais públicos de três estados venezuelanos estavam desnutridas.

— O governo Chávez não tolera verdades científicas que prejudicam a imagem da revolução — assegurou Gioconda.

Outro caso emblemático do Ivic é o do cientista Reinaldo Di Polo, aposentado, que até agosto era chefe do laboratório de fisiologia celular. Por decisão da diretoria do instituto, Di Polo, que recebeu o Prêmio Venezuelano de Ciência em 2000, foi afastado.

O argumento foi de que Di Polo não estava cumprindo o horário estabelecido pelo Ivic.

— Não podem exigir que um cientista esteja no laboratório o dia inteiro, trabalhamos de outra maneira — disse um colaborador da equipe de Di Polo, que pediu para não ser identificado.

A situação do neurofisiologista Jaime Requena também virou notícia. Em abril, após 41 anos de serviço, Requena foi afastado da Fundação Instituto de Estudos Avançados. Em 2008, o cientista publicara um artigo na revista “Nature” no qual denunciava a exclusão das ciências sociais do orçamento estatal e afirmava que a produção científica venezuelana estava no nível mais baixo em 25 anos. O Globo

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