'Apenas a ponta de um iceberg'

Chávez mandou mais dinheiro aos Kirchner do que o apreendido no escândalo da mala, diz jornalista

Em agosto de 2007, em plena campanha eleitoral argentina, os governos dos presidentes Hugo Chávez e Néstor Kirchner (a atual presidente, Cristina Kirchner, era candidata) protagonizaram o chamado "escândalo da mala". O caso foi investigado pelo jornalista argentino Hugo Alconada Mon, ex-correspondente do jornal "La Nacion" em Washington, que acaba de lançar o livro "Os segredos da mala".

Qual é sua conclusão, depois de mais de dois anos de investigação? Por Janaína Figueiredo

HUGO ALCONADA MON: A sensação que eu tive sempre foi de que o escândalo da mala era a ponta de um iceberg, que havia mais dinheiro no mesmo voo (Alconada revelou que no voo de Antonini foram transportados cerca de US$5 milhões, cerca de R$8,5 milhões, dos quais somente US$800 mil, ou R$1,4 milhão, foram retidos pela polícia da Argentina), e também mais voos.

Mais voos entre Caracas e Buenos Aires?

ALCONADA: Sim, mas o livro também revela voos realizados pelo governo chavista a outros 24 países. Um ano antes do escândalo da mala, Antonini, chamado de traidor pelos chavistas após a descoberta da mala, organizou, por ordem do Ministério de Justiça venezuelano, viagens para 24 países da Ásia e da Oceania, para promover a candidatura de Chávez no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. As viagens foram coordenadas pelo atual ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro. O então vice-chanceler venezuelano, Vladimir Villegas, confirmou as viagens e no livro aparecem comprovantes dos voos que foram realizados.

Ou seja, Antonini trabalhava para o governo chavista há algum tempo...
ALCONADA: Exato.

No livro o senhor fala numa "petrodiplomacia de Chávez"...
ALCONADA: Eu suspeito que houve mais voos, mais dinheiro e mais países envolvidos. Organizações internacionais estimam que Chávez já destinou entre US$33 bilhões e US$38 bilhões (entre R$56,3 bilhões e R$64,9 bilhões) a seu projeto de liderança sustentada pelo dinheiro do petróleo.

O atual ministro de Energia da Venezuela, Rafael Ramírez, também aparece como uma peça-chave do escândalo...

ALCONADA: Ramírez controla a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), que é quase um Estado dentro do Estado. Quando Chávez precisa fazer alguma coisa, pede para a PDVSA, porque é mais eficiente do que o resto da administração pública.

Finalmente, o que era Antonini? Um funcionário chavista nas sombras?

ALCONADA: Não, para mim Antonini é o típico empresário espertinho latino-americano, capaz de fazer um favor a um governo ou a um funcionário, na expectativa de depois cobrar esse favor.

Globo - Antonini queria participar do projeto de construção de um gasoduto na Argentina, que envolvia os dois países, por isso decide embarcar no voo no qual estava Claudio Uberti (que na época tinha um alto cargo no Ministério do Planejamento argentino e era considerado o embaixador comercial da Argentina em Caracas)...

ALCONADA: Exatamente, porque lhe prometeram que no avião teria a oportunidade de conversar com Uberti (a conversa nunca aconteceu, já que, segundo conta o jornalista no livro, o funcionário argentino esteve muito ocupado durante o voo, por exemplo, assistindo ao filme "O poderoso chefão").

Quais eram a origem e o destino do dinheiro?

ALCONADA: A origem era a PDVSA. O destino é a grande pergunta. Em minha opinião, não era para a campanha de Cristina Kirchner. Se você tem tanto poder, controla o Estado, não precisa do dinheiro de Chávez. Os venezuelanos asseguram que o dinheiro não foi pedido, e sim oferecido pelo presidente venezuelano, num gesto de solidariedade espontâneo. Mas não me convence. Outra hipótese é que esta operação foi um "clearing" aéreo de supostas propinas.

Neste segundo caso, o dinheiro era de Uberti (afastado do cargo pouco depois da descoberta da mala)?

ALCONADA: Segundo a principal dirigente da oposição argentina, Elisa Carrió, Uberti sempre foi o carregador das malas de Kirchner.

Ou seja, Antonini não era o dono do dinheiro e só carregou a mala quando o voo chegou a Buenos Aires para fazer um favor a Uberti, que depois pretendia cobrar?

ALCONADA: Essa é minha visão dos fatos. As malas foram levadas ao aeroporto de Caracas por um colaborador de Rafael Ramírez.

Qual é a situação atual de Antonini?

ALCONADA: Ele continua morando nos Estados Unidos, mas não é testemunha protegida, nunca foi. Está vigente um pedido de captura, solicitado pelos governos da Argentina e da Venezuela. Ele diz estar disposto a viajar para a Argentina e falar com a Justiça. Mas seu principal medo é que os argentinos o mandem para a Venezuela, onde diz que será um homem morto.

Por que um escândalo desta magnitude não provocou uma crise maior em ambos os países?

ALCONADA: Na Argentina existe um grande cansaço moral da população. Muitas pessoas me perguntam por que continuo falando em Antonini, depois de tanto tempo. É um caso grave porque, como em Watergate (caso na década de 1970 em que o então presidente dos EUA, Richard Nixon, tentou encobrir a invasão da sede do Partido Democrata em Washington por homens sob suas ordens), os governos da Argentina e da Venezuela estão envolvidos na operação de acobertamento. O escândalo da mala é fruto de uma relação obscura e complicada entre a Argentina e a Venezuela. Não sei se Kirchner e Chávez sabiam do dinheiro, mas, segundo informações que recolhi, pessoas de sua confiança estão envolvidas no caso. O Globo

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