O ingresso da Venezuela no Mercosul é agora uma fatalidade, nas duas acepções da palavra. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é favorável e os governistas têm maioria suficiente para colocar Hugo Chávez como uma das vozes ativas no destino do bloco comercial. Faz tanta diferença?
A diplomacia brasileira enxerga o Mercosul também como uma aliança política capaz de contrapor interesses comuns aos da potência hegemônica no continente, os Estados Unidos. A faceta comercial do bloco revelou-se vigorosa a princípio, mas está sendo desconstruída há tempos por todos os integrantes do bloco - por coincidência, todos são governos nacionalistas e de esquerda. Valor Econômico
Há desavenças para todos os gostos e basta uma fotografia de filas enormes de caminhões parados nas fronteiras entre Brasil e Argentina para ilustrar o risco sempre presente de desintegração comercial por disputas entre as duas maiores economias. O presidente paraguaio, Fernando Lugo, deu ultimatos ao Brasil para renegociar o Tratado de Itaipu e apresentou várias contas a serem pagas pelo governo brasileiro. A Argentina, com sua política abertamente destrutiva, conseguiu eliminar uma boa fatia das mercadorias brasileiras de seu mercado com cotas, enquanto que o espaço aberto foi preenchido por bens asiáticos, especialmente chineses. O Uruguai vive esperneando e pregando sua vocação pró-americana, com o argumento de que há pouco espaço para seus anseios no bloco.
Se os presidentes não se entendem e se há guerras comerciais abertas no Mercosul, por que deixar Chávez de fora? O bloco marcha para a irrelevância e se terminar com discursos pomposos e retórica anti-imperialista pode ser um fim inglório, mas pelo menos mais animado. Alguns dos melhores argumentos para a defesa do ingresso da Venezuela são precários. O Brasil exportou US$ 5 bilhões para o país em 2008 e é amplamente superavitário. Mas os maiores mercados brasileiros são a União Europeia e os Estados Unidos. Os EUA, para o qual o Brasil vendeu US$ 27,4 bilhões em 2008, é o "inimigo". A UE, destino de US$ 46,4 bilhões em exportações no ano passado, reluta em fazer acordo com o Mercosul porque o bloco não consegue ter posição comum por causa de divergências argentinas. Não resta dúvida de que a entropia será garantida com a participação do novo membro, Hugo Chávez, que prefere comerciar com Cuba e parceiros da Alba.
Não há dúvidas de que com Chávez no bloco as divergências tendem a aumentar. Basta lembrar uma de suas camaradagens recentes, a de colocar o Brasil e sua embaixada na defesa do boliviariano Manuel Zelaya em Honduras. E enquanto o presidente Lula mal terminava uma reunião de aproximação com o presidente colombiano Alvaro Uribe, Chávez anunciava com estardalhaço a prisão de agentes colombianos no território venezuelano, depois de quase provocar uma guerra entre os dois países recentemente. Apesar disso, a diplomacia brasileira acredita que a melhor forma de ter algum controle sobre as atitudes destemperadas e irresponsáveis de Chávez é inclui-lo no Mercosul. Na prática, Chávez já participa das reuniões do Mercosul, e desde que as negociações para sua inclusão foram iniciadas o que se viu não foi moderação, responsabilidade ou qualquer coisa parecida. Ao contrário, Chávez ampliou suas provocações, em especial as agressões à democracia em seu próprio país.
O governo brasileiro acredita que a Venezuela de Chávez preenche todos os requisitos democráticos para pertencer ao Mercosul. Mas ele é um presidente vitalício, que controla todos os instrumentos de poder, do Congresso ao Judiciário. As eleições são cada vez mais controladas caminham para a caricatura que foram os pleitos comunistas ou os de Saddam Hussein. Apesar de existir oposição, hoje ela está acossada por medidas casuísticas e prisões. Chávez manipula e estatiza os meios de comunicação. A Venezuela tornou-se uma democracia de fachada que caminha para uma ditadura no estilo cubano, e sua economia tem sido arruinada pela incompetência e o aparelhamento do Estado pelo chavismo.
O Mercosul parece ter desistido de buscar convergências em seu interior ou acordos comerciais relevantes com as economias desenvolvidas. Com Chávez, deve retroceder ainda mais, mas talvez a diferença, em relação ao que o Mercosul é hoje, não seja exatamente notável. Valor Econômico
CONVITE AO TUMULTO
Presença de Chávez no Mercosul, aceita em comissão do Senado, pode tornar mais instável instituição já fragilizada
Ao aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, por 12 votos a 5, a Comissão de Relações Exteriores do Senado atende às pressões do Executivo e de lobbies empresariais interessados no sentido de manter uma política de "boa vizinhança" com o governo de Hugo Chávez.
A decisão, que ainda tem de passar pelo plenário, expressa o generalizado interesse governista de afastar do debate qualquer julgamento sobre o verdadeiro caráter do regime vigente na Venezuela. Como se sabe, a participação de um país no Mercosul submete-se à chamada "cláusula democrática", instituída em 1998. Eis que no país de Hugo Chávez não se instaurou uma ditadura propriamente dita: a ressalva satisfaz os defensores de seu ingresso no bloco, que acrescentam não ser o caso de maior aprofundamento na análise dos assuntos internos daquele país.
Não faltam evidências de que o sistema político da Venezuela gira em torno dos caprichos e do histrionismo de um caudilho.Pode-se argumentar, como é costume do presidente Lula sempre que indagado sobre o assunto, que Hugo Chávez foi eleito democraticamente pela maioria da população.
O problema representado pela presença da Venezuela no Mercosul não se resolve, entretanto, quando Executivo e parlamentares da base governista se agarram aos fiapos de democracia que ainda possam ter resistido às investidas do chavismo. Qualquer que seja o rótulo do regime, o problema tem outro nome. Chama-se Hugo Chávez.
São irrealistas os argumentos de que está em jogo a relação entre Estados -a Venezuela, de um lado, e os países do Mercosul, de outro. Os interesses comerciais e os laços de amizade que aproximam a Venezuela dos vizinhos no continente persistem. Mas se as instituições de um Estado se tornam secundárias diante da vontade unilateral de um governante, é a respeito deste que cumpre fazer uma avaliação.
À frente do governo venezuelano, Hugo Chávez se vê desimpedido para realizar expropriações arbitrárias, romper contratos, apostar no dissenso, na provocação, na bravata e no tumulto em qualquer fórum internacional de que participe.
Com suas ambições de hegemonia sobre o continente, será Chávez, e não uma Venezuela abstrata, quem irá dispor de poder de veto sobre as decisões do Mercosul, caso venha a confirmar-se seu ingresso no bloco.
Os sinais de fragilidade do Mercosul, por outro lado, acumulam-se de forma preocupante. Nesta semana, para mencionar o caso mais recente, a troca de represálias comerciais entre Brasil e Argentina paralisou o movimento de cargas de vários produtos, como trigo, peixe e frutas, nos postos de fronteira.
O ambiente não poderia ser mais propício para quem, com o beneplácito irrefletido do Brasil, quiser atuar pela desagregação de um bloco fundado para criar um espaço de desenvolvimento e democracia no continente. Editorial da Folha de S. Paulo -
A diplomacia brasileira enxerga o Mercosul também como uma aliança política capaz de contrapor interesses comuns aos da potência hegemônica no continente, os Estados Unidos. A faceta comercial do bloco revelou-se vigorosa a princípio, mas está sendo desconstruída há tempos por todos os integrantes do bloco - por coincidência, todos são governos nacionalistas e de esquerda. Valor Econômico
Há desavenças para todos os gostos e basta uma fotografia de filas enormes de caminhões parados nas fronteiras entre Brasil e Argentina para ilustrar o risco sempre presente de desintegração comercial por disputas entre as duas maiores economias. O presidente paraguaio, Fernando Lugo, deu ultimatos ao Brasil para renegociar o Tratado de Itaipu e apresentou várias contas a serem pagas pelo governo brasileiro. A Argentina, com sua política abertamente destrutiva, conseguiu eliminar uma boa fatia das mercadorias brasileiras de seu mercado com cotas, enquanto que o espaço aberto foi preenchido por bens asiáticos, especialmente chineses. O Uruguai vive esperneando e pregando sua vocação pró-americana, com o argumento de que há pouco espaço para seus anseios no bloco.
Se os presidentes não se entendem e se há guerras comerciais abertas no Mercosul, por que deixar Chávez de fora? O bloco marcha para a irrelevância e se terminar com discursos pomposos e retórica anti-imperialista pode ser um fim inglório, mas pelo menos mais animado. Alguns dos melhores argumentos para a defesa do ingresso da Venezuela são precários. O Brasil exportou US$ 5 bilhões para o país em 2008 e é amplamente superavitário. Mas os maiores mercados brasileiros são a União Europeia e os Estados Unidos. Os EUA, para o qual o Brasil vendeu US$ 27,4 bilhões em 2008, é o "inimigo". A UE, destino de US$ 46,4 bilhões em exportações no ano passado, reluta em fazer acordo com o Mercosul porque o bloco não consegue ter posição comum por causa de divergências argentinas. Não resta dúvida de que a entropia será garantida com a participação do novo membro, Hugo Chávez, que prefere comerciar com Cuba e parceiros da Alba.
Não há dúvidas de que com Chávez no bloco as divergências tendem a aumentar. Basta lembrar uma de suas camaradagens recentes, a de colocar o Brasil e sua embaixada na defesa do boliviariano Manuel Zelaya em Honduras. E enquanto o presidente Lula mal terminava uma reunião de aproximação com o presidente colombiano Alvaro Uribe, Chávez anunciava com estardalhaço a prisão de agentes colombianos no território venezuelano, depois de quase provocar uma guerra entre os dois países recentemente. Apesar disso, a diplomacia brasileira acredita que a melhor forma de ter algum controle sobre as atitudes destemperadas e irresponsáveis de Chávez é inclui-lo no Mercosul. Na prática, Chávez já participa das reuniões do Mercosul, e desde que as negociações para sua inclusão foram iniciadas o que se viu não foi moderação, responsabilidade ou qualquer coisa parecida. Ao contrário, Chávez ampliou suas provocações, em especial as agressões à democracia em seu próprio país.
O governo brasileiro acredita que a Venezuela de Chávez preenche todos os requisitos democráticos para pertencer ao Mercosul. Mas ele é um presidente vitalício, que controla todos os instrumentos de poder, do Congresso ao Judiciário. As eleições são cada vez mais controladas caminham para a caricatura que foram os pleitos comunistas ou os de Saddam Hussein. Apesar de existir oposição, hoje ela está acossada por medidas casuísticas e prisões. Chávez manipula e estatiza os meios de comunicação. A Venezuela tornou-se uma democracia de fachada que caminha para uma ditadura no estilo cubano, e sua economia tem sido arruinada pela incompetência e o aparelhamento do Estado pelo chavismo.
O Mercosul parece ter desistido de buscar convergências em seu interior ou acordos comerciais relevantes com as economias desenvolvidas. Com Chávez, deve retroceder ainda mais, mas talvez a diferença, em relação ao que o Mercosul é hoje, não seja exatamente notável. Valor Econômico
CONVITE AO TUMULTO
Presença de Chávez no Mercosul, aceita em comissão do Senado, pode tornar mais instável instituição já fragilizada
Ao aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, por 12 votos a 5, a Comissão de Relações Exteriores do Senado atende às pressões do Executivo e de lobbies empresariais interessados no sentido de manter uma política de "boa vizinhança" com o governo de Hugo Chávez.
A decisão, que ainda tem de passar pelo plenário, expressa o generalizado interesse governista de afastar do debate qualquer julgamento sobre o verdadeiro caráter do regime vigente na Venezuela. Como se sabe, a participação de um país no Mercosul submete-se à chamada "cláusula democrática", instituída em 1998. Eis que no país de Hugo Chávez não se instaurou uma ditadura propriamente dita: a ressalva satisfaz os defensores de seu ingresso no bloco, que acrescentam não ser o caso de maior aprofundamento na análise dos assuntos internos daquele país.
Não faltam evidências de que o sistema político da Venezuela gira em torno dos caprichos e do histrionismo de um caudilho.Pode-se argumentar, como é costume do presidente Lula sempre que indagado sobre o assunto, que Hugo Chávez foi eleito democraticamente pela maioria da população.
O problema representado pela presença da Venezuela no Mercosul não se resolve, entretanto, quando Executivo e parlamentares da base governista se agarram aos fiapos de democracia que ainda possam ter resistido às investidas do chavismo. Qualquer que seja o rótulo do regime, o problema tem outro nome. Chama-se Hugo Chávez.
São irrealistas os argumentos de que está em jogo a relação entre Estados -a Venezuela, de um lado, e os países do Mercosul, de outro. Os interesses comerciais e os laços de amizade que aproximam a Venezuela dos vizinhos no continente persistem. Mas se as instituições de um Estado se tornam secundárias diante da vontade unilateral de um governante, é a respeito deste que cumpre fazer uma avaliação.
À frente do governo venezuelano, Hugo Chávez se vê desimpedido para realizar expropriações arbitrárias, romper contratos, apostar no dissenso, na provocação, na bravata e no tumulto em qualquer fórum internacional de que participe.
Com suas ambições de hegemonia sobre o continente, será Chávez, e não uma Venezuela abstrata, quem irá dispor de poder de veto sobre as decisões do Mercosul, caso venha a confirmar-se seu ingresso no bloco.
Os sinais de fragilidade do Mercosul, por outro lado, acumulam-se de forma preocupante. Nesta semana, para mencionar o caso mais recente, a troca de represálias comerciais entre Brasil e Argentina paralisou o movimento de cargas de vários produtos, como trigo, peixe e frutas, nos postos de fronteira.
O ambiente não poderia ser mais propício para quem, com o beneplácito irrefletido do Brasil, quiser atuar pela desagregação de um bloco fundado para criar um espaço de desenvolvimento e democracia no continente. Editorial da Folha de S. Paulo -
Um comentário:
Amigos, a entrada de Chavez será o golpe mortal neste Mercosul que já agonizava.
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