AS NOVAS CARAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL, SEM CHAPA-BRANCA
No condomínio de um prédio na Gávea, Zona Sul do Rio, 12 estudantes de classe média organizam um movimento que acabou de nascer e já ganhou as ruas: a Nove, Nova Organização Voluntária Estudantil.
Mais do que protestar contra a desorganização do Enem, eles defendem a reforma do sistema educacional brasileiro. Com metas estruturadas e uma adesão relâmpago, inflamada pelas redes sociais na internet e pela revolta com o vazamento das provas do Enem, os jovens rejeitam lideranças, fazem cara feia para políticos e são unânimes em desqualificar a UNE e a Ubes (entidades que existem para representar estudantes universitários e do ensino médio) como representantes de seus pleitos. Por Maiá Menezes
Reunidos ontem a pedido do GLOBO depois de seguidas passeatas nas ruas do Rio, os 12 frisaram que são apenas parte da Nove. Ao todo, os organizadores já passam de 45, representando alunos de 24 escolas (mais do que o dobro da semana passada, quando foi descoberta a fraude e a Nove foi criada).
— Somos apartidários, não queremos nos envolver com nenhum tipo de jogo político. A maioria dos movimentos se perde porque acaba devendo a algum governo ou partido e deixam de representar os estudantes — sintetiza Pedro Lontra, de 18 anos, aluno do Notre Dame, em Ipanema.
Estudante do Pedro II do Centro do Rio, Julia Bustamante, de 17 anos, ironiza a presença de representantes da Ubes em sua escola: — Eles aparecem de dois em dois anos.
Sensação parecida com a de Bruno Glatt, de 17 anos, estudante do colégio PH de Ipanema, e de Kenzo Soares, estudante da UFRJ que participa das reuniões, mas não integra o movimento: — Muita gente não sabe como encontrálos (os representantes da Ubes). A gente não vê esse movimento estudantil nas escolas — diz Bruno.
— As entidades que deveriam representar os estudantes não conseguem mais se articular com a gente. A nossa articulação se dá por esses espaços de base, com reuniões nas escolas — completa Kenzo, que participa das reuniões para ter chances de “construir pontes” entre quem está nas escolas e quem formula as políticas públicas de educação.
Nascida há exatamente seis dias, no berço da classe média fluminense, a Nove rechaça o preconceito dos que tacham o movimento de elitista: — Podem falar que eu sou patricinha.
Mas ninguém é uma coisa só. O que não quero é que daqui a alguns anos eu tenha um filho e ele não tenha a educação que tive. Quero que ele possa ter acesso a isso, independentemente da classe social em que esteja — diz Julia Almeida, de 17 anos, aluna do Teresiano, ressaltando que consegue dividir a militância com o salão de beleza para cuidar das unhas e do cabelo impecável.
— Não é um movimento de classe média.
Tivemos adesão de escolas públicas, como os colégios de aplicação e o Pedro II. Teve um embrião aí, mas não é o perfil do movimento — rejeita Paulo Di Celio, de 17 anos, estudante da Escola Parque.
Para dar ênfase à preocupação de democratizar o protesto, Carol de Lamare, do Colégio Santo Inácio, conta que o grupo descartou ideia proposta por colegas, na comunidade do movimento no Orkut, de que a primeira passeata em protesto contra a desorganização do Enem fosse em Ipanema. O ato reuniu cerca de 200 estudantes no Centro do Rio.
— Ipanema é mais perto da minha casa (em Copacabana). Eu iria de bicicleta.
Mas disse: não é isso que a gente quer. Não queremos ser Zona Sul. É muito maior do que isso. Pedimos também que viessem de camisa branca, para não diferenciar as escolas.
O engajamento dos estudantes tem seu grau de pragmatismo. Mesmo conscientes de que o acesso à educação qualificada garante a eles segurança no futuro, os jovens avaliam que o resultado do investimento público no setor vai mudar a vida de todos — o que ajuda no desenvolvimento do país: — Não é que a gente seja santo. No futuro será vantajoso para todo mundo.
Com mais educação se tem um país que produz mais, menos violento, mais seguro. Educação é a base.Isso é falado nas redações que a gente faz para o vestibular.
Se a gente conseguir isso, é a solução maior. Leva país para frente — diz Paulo Di Celio.
O “neomovimento estudantil”, nas palavras dos estudantes, prevê o exercício demorado da democracia: o primeiro encontro do grupo durou quatro horas. A lentidão das decisões, no entanto, tem como contraponto a agilidade da internet. Grande parte dos jovens, caso de Giovanna Bevilacqua, do Legrand, foi convocada por mensagens de celular e por redes sociais.
Herdeiros de uma geração que lutou contra a ditadura militar, os jovens relatam a angústia com um vazio por novas bandeiras. A maioria acabou de despertar para a possibilidade de mudar a sociedade.
— Nunca tive ideais revolucionários. Mas fazer algo em relação à educação sempre esteve nos meus planos. E foi isso que me fez aderir à Nove — conta Bruno Glatt.
— O movimento valeu para suprir um vazio. Não é pelo fato de não ter mais ditadura militar que a gente não tem mecanismos repressivos na sociedade. A gente tem muitos problemas no Brasil por que lutar — diz Paulo Di Celio.
— Para mim, é uma oportunidade de acabar com o comodismo — faz coro Ana Elisa Bekken, com vaga já garantida na universidade, depois de passar para relações internacionais na PUC. — Meu objetivo maior agora é reformar o sistema educacional no Brasil. O Globo
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OU VESTE A CAMISETA OU ASSUME A RESPONSABILIDADE - Por Reinaldo Azevedo
No condomínio de um prédio na Gávea, Zona Sul do Rio, 12 estudantes de classe média organizam um movimento que acabou de nascer e já ganhou as ruas: a Nove, Nova Organização Voluntária Estudantil.
Mais do que protestar contra a desorganização do Enem, eles defendem a reforma do sistema educacional brasileiro. Com metas estruturadas e uma adesão relâmpago, inflamada pelas redes sociais na internet e pela revolta com o vazamento das provas do Enem, os jovens rejeitam lideranças, fazem cara feia para políticos e são unânimes em desqualificar a UNE e a Ubes (entidades que existem para representar estudantes universitários e do ensino médio) como representantes de seus pleitos. Por Maiá Menezes
Reunidos ontem a pedido do GLOBO depois de seguidas passeatas nas ruas do Rio, os 12 frisaram que são apenas parte da Nove. Ao todo, os organizadores já passam de 45, representando alunos de 24 escolas (mais do que o dobro da semana passada, quando foi descoberta a fraude e a Nove foi criada).
— Somos apartidários, não queremos nos envolver com nenhum tipo de jogo político. A maioria dos movimentos se perde porque acaba devendo a algum governo ou partido e deixam de representar os estudantes — sintetiza Pedro Lontra, de 18 anos, aluno do Notre Dame, em Ipanema.
Estudante do Pedro II do Centro do Rio, Julia Bustamante, de 17 anos, ironiza a presença de representantes da Ubes em sua escola: — Eles aparecem de dois em dois anos.
Sensação parecida com a de Bruno Glatt, de 17 anos, estudante do colégio PH de Ipanema, e de Kenzo Soares, estudante da UFRJ que participa das reuniões, mas não integra o movimento: — Muita gente não sabe como encontrálos (os representantes da Ubes). A gente não vê esse movimento estudantil nas escolas — diz Bruno.
— As entidades que deveriam representar os estudantes não conseguem mais se articular com a gente. A nossa articulação se dá por esses espaços de base, com reuniões nas escolas — completa Kenzo, que participa das reuniões para ter chances de “construir pontes” entre quem está nas escolas e quem formula as políticas públicas de educação.
Nascida há exatamente seis dias, no berço da classe média fluminense, a Nove rechaça o preconceito dos que tacham o movimento de elitista: — Podem falar que eu sou patricinha.
Mas ninguém é uma coisa só. O que não quero é que daqui a alguns anos eu tenha um filho e ele não tenha a educação que tive. Quero que ele possa ter acesso a isso, independentemente da classe social em que esteja — diz Julia Almeida, de 17 anos, aluna do Teresiano, ressaltando que consegue dividir a militância com o salão de beleza para cuidar das unhas e do cabelo impecável.
— Não é um movimento de classe média.
Tivemos adesão de escolas públicas, como os colégios de aplicação e o Pedro II. Teve um embrião aí, mas não é o perfil do movimento — rejeita Paulo Di Celio, de 17 anos, estudante da Escola Parque.
Para dar ênfase à preocupação de democratizar o protesto, Carol de Lamare, do Colégio Santo Inácio, conta que o grupo descartou ideia proposta por colegas, na comunidade do movimento no Orkut, de que a primeira passeata em protesto contra a desorganização do Enem fosse em Ipanema. O ato reuniu cerca de 200 estudantes no Centro do Rio.
— Ipanema é mais perto da minha casa (em Copacabana). Eu iria de bicicleta.
Mas disse: não é isso que a gente quer. Não queremos ser Zona Sul. É muito maior do que isso. Pedimos também que viessem de camisa branca, para não diferenciar as escolas.
O engajamento dos estudantes tem seu grau de pragmatismo. Mesmo conscientes de que o acesso à educação qualificada garante a eles segurança no futuro, os jovens avaliam que o resultado do investimento público no setor vai mudar a vida de todos — o que ajuda no desenvolvimento do país: — Não é que a gente seja santo. No futuro será vantajoso para todo mundo.
Com mais educação se tem um país que produz mais, menos violento, mais seguro. Educação é a base.Isso é falado nas redações que a gente faz para o vestibular.
Se a gente conseguir isso, é a solução maior. Leva país para frente — diz Paulo Di Celio.
O “neomovimento estudantil”, nas palavras dos estudantes, prevê o exercício demorado da democracia: o primeiro encontro do grupo durou quatro horas. A lentidão das decisões, no entanto, tem como contraponto a agilidade da internet. Grande parte dos jovens, caso de Giovanna Bevilacqua, do Legrand, foi convocada por mensagens de celular e por redes sociais.
Herdeiros de uma geração que lutou contra a ditadura militar, os jovens relatam a angústia com um vazio por novas bandeiras. A maioria acabou de despertar para a possibilidade de mudar a sociedade.
— Nunca tive ideais revolucionários. Mas fazer algo em relação à educação sempre esteve nos meus planos. E foi isso que me fez aderir à Nove — conta Bruno Glatt.
— O movimento valeu para suprir um vazio. Não é pelo fato de não ter mais ditadura militar que a gente não tem mecanismos repressivos na sociedade. A gente tem muitos problemas no Brasil por que lutar — diz Paulo Di Celio.
— Para mim, é uma oportunidade de acabar com o comodismo — faz coro Ana Elisa Bekken, com vaga já garantida na universidade, depois de passar para relações internacionais na PUC. — Meu objetivo maior agora é reformar o sistema educacional no Brasil. O Globo
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