Zona de perigo

O GOVERNO LULA SEMPRE OSTENTOU UMA FACETA INTERVENCIONISTA

Porém, a capacidade do presidente de administrar conflitos e de agir com bom senso em decisões difíceis conseguiu conter arroubos indesejáveis de auxiliares. No segundo mandato, entretanto, é visível a atuação desenvolta dos militantes da centralização de poder e interferência em negócios privados.

A pressão e medidas objetivas do governo para a criação da Supertele — a compra da BrT pela Oi —, para alguns o embrião de uma sonhada ressurreição da Telebrás, foram preocupante resultado da ação desse grupo. A ingerência da vez tem como alvo o principal executivo da Vale, Roger Agnelli, representante do Bradesco na empresa. Editorial O Globo

Assim como na operação nas telecomunicações, o Planalto mobiliza o braço sindical e financeiro representado por fundos de pensão de estatais, para trabalhar pela saída de Agnelli. Esses fundos são entes híbridos: declaram-se privados na hora de aplicar os recursos; e públicos, quando precisam de dinheiro das estatais mantenedoras (ou seja, o contribuinte funciona como paraquedas de reserva).

Aparelhados pelo PT/CUT, eles passaram a ser instrumento bilionário sob essas ordens palacianas.

Como os fundos foram convocados na era FH a participar do programa de privatização, a Previ (Banco do Brasil) tanto está na telefonia como no capital da Vale, desestatizada em 1997. Ainda na Vale, encontramse a Petros (Petrobras) e a Funcef (CEF). É grande o poder de fogo de Lula nessa disputa.

Por que Agnelli caiu em desgraça em Brasília? Porque administra a Vale em busca do melhor retorno para os acionistas, inclusive os fundos de estatais. Os números são impressionantes: desde a privatização, a Vale teve o lucro líquido multiplicado por 29 vezes; o faturamento por oito; o contingente de funcionários passou de 10 mil para 60 mil; o valor de mercado da companhia, de US$ 8 bilhões, chegou a US$ 125 bilhões. E muito mais imposto é recolhido pela ex-estatal. Mas os estatistas de Palácio não estão satisfeitos, querem que a Vale atue como estatal, invista em siderurgia no Pará, estado sob controle da aliança PT-PMDB; arque com sobrepreços na compra de navios no mercado interno, e por aí vamos. Sempre em nome da geração de empregos no país, um tema de campanha.

Foi escalado o empresário Eike Batista — ele tem repetido as críticas de Lula à empresa — para tentar comprar as ações da Vale em poder do Bradesco, e assim afastar Agnelli. Até já indicou um substituto: Sérgio Rosa, sindicalista à frente da Previ. A experiência aconselha não se misturar política com os cifrões do mundo dos negócios. O futuro confirmará.


ASSÉDIO NA VALE
Em ataque simultâneo, com digitais do Planalto, está em curso plano de reestatizar, para efeitos práticos, a mineradora – Editorial Folha de São Paulo

O que se manifestava na forma de críticas isoladas à gestão da mineradora Vale, por parte do governo federal e seus aliados, assume agora feições claras de uma ação concertada, concebida no Planalto com o intuito de solapar o presidente da empresa, Roger Agnelli -indicado pelo Bradesco, após acordo entre acionistas controladores.

Os sinais recentes dessa ofensiva partiram, com coincidência de datas, da ministra Dilma Rousseff e do empresário Eike Batista, disposto a fazer o papel de ventríloquo do presidente Lula. Em viagem ao Pará, no último feriado, a aspirante petista à sucessão presidencial aproveitou a audiência da festa religiosa do Círio de Nazaré para dizer que o governo vê como "questão de honra" a retomada do plano de investimentos no polo siderúrgico de Marabá por parte da Vale.

No mesmo dia 11, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Eike Batista parecia conhecer a fala da ministra. Além de criticar opções estratégicas da mineradora, assumia o interesse de tornar-se seu acionista e manifestava apoio à ideia de que o petista Sérgio Rosa, presidente da Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), venha ocupar o lugar de Agnelli.

Muito mais do que uma ingerência, está em jogo um esforço coordenado para que a Vale venha a ser gerida por figuras simpáticas, associadas ou subordinadas ao governismo. A plataforma mal disfarça a intenção de reestatizar, para todos os efeitos práticos, a companhia.

Tamanho retrocesso não seria novidade neste governo. Não faz um ano, o Planalto patrocinou a compra da Brasil Telecom pela Oi. Foi preciso alterar normas, manobrar resistências na Anatel e conseguir o aporte de dinheiro público, via repasses bilionários do BNDES e do Banco do Brasil, para viabilizar um negócio cujo resultado foi o surgimento de um oligopólio nos serviços de telefonia fixa no país.

No caso da Vale, o governo reinvoca um suposto interesse nacional para legitimar a tentativa de convertê-la em instrumento político. A empresa sob ataque especulativo da sanha estatizante é, porém, caso exemplar de privatização bem-sucedida.

Em 1997, quando foi privatizada, a Vale tinha cerca de 10 mil empregados; hoje conta com 60 mil -soa como mero pretexto, portanto, que o Planalto tome cerca de 4 mil demissões recentes na empresa, por conta da crise mundial, para desestabilizar sua direção. Seu valor de mercado passou de US$ 8 bilhões para US$ 125 bilhões. O lucro líquido foi multiplicado por 29.

Se há algo que o governo deveria fazer em relação à Vale é retirar, complemente, seus tentáculos da mineradora.


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