Meu caro Lula

Nos últimos 23 anos já lhe escrevi, aqui, neste Espaço Aberto, pelo menos umas cinco cartas, sempre com o mesmo título. Não tenho grande esperança de que você as leia. Afinal, você mesmo se vangloria do fato de não gostar de nenhum tipo de leitura. Não tem importância. Eu já me dou por satisfeito se ao menos algum assessor seu as ler. E me compraz também o simples fato de escrevê-las.

A primeira, bem me lembro, foi em novembro de 1989. Você acabava de passar para o segundo turno, que viria a disputar com o Collor. O seu discurso, à época, era eivado de rancor e ódio contra as camadas mais favorecidas. A queda do Muro de Berlim ainda não fora devidamente deglutida pelas nossas bravas esquerdas, tanto que ainda se falava a sério sobre o comunismo e você, não sei por que cargas d"água, colocava-se como porta-voz dessa gente toda. Por João Mellão Neto

Eu o conheci quando ainda era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e você dizia que "intelectuais e estudantes só serviam para atrapalhar". Depois disso, quando começou a dirigir o PT, você, estranhamente, mudou. Adotou o discurso marxista, que era usado justamente por aquelas pessoas que você disse que "atrapalhavam". Tudo isso com a bênção da ala dita progressista da Igreja.

Intelectuais, estudantes e padres - não foi à toa que você perdeu três eleições.

Mas tudo isso é passado e você já tratou de enxotar toda essa gente esquisita. Uma gente, aliás, que custeou a sua vida, na condição de presidente do Partido dos Trabalhadores.

Estou novamente lhe escrevendo porque tenho notado que você mudou. E, sinceramente, não consigo vislumbrar para onde.

Seu discurso, desculpe-me dizer, é populista. Mais responsável do que o de seus colegas Hugo Chávez e Evo Morales, mas mesmo assim populista. Você mudou de carismático para carinhoso e ninguém sabe dizer por quê. A sua proposta é a da conciliação e da concórdia e você mal imagina o estrago que está causando em nossas instituições. Você tem o Poder Executivo, dispõe de maioria no Legislativo e, quanto ao terceiro Poder, o Judiciário, coube-lhe a rara oportunidade de indicar 7 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal.

Os partidos políticos perderam a razão de existir. Com exceção de três ou quatro, todos os demais o apoiam. "Nunca antes neste país" se viu uma aliança tão ampla e contraditória. As esquerdas o aplaudem e as direitas, também, incluindo aquele partidos que abrigam os remanescentes da ditadura.

Até mesmo a União Nacional dos Estudantes (UNE), agora, ao invés de bradar contra o governo, deu de aplaudi-lo. "Nunca antes na História deste país" tal fenômeno ocorreu.

Na área sindical, tudo corre às mil maravilhas. Tanto a CUT como a Força Sindical, as duas grandes centrais, em vez de promoverem passeatas de protesto, preferem fazer atos públicos de apoio. Cabe aqui outro "nunca antes neste país".

Por que você se tornou tão "light"?

Eu me recordo de ter lido em 2001 (antes, portanto, de sua primeira vitória) um livro muito interessante de Duda Mendonça, o seu então marqueteiro oficial, no qual comentava "o jeito petista de ser". Dizia ele que os militantes do partido, sabe-se lá por quê, só apareciam em público com a cara amarrada, barba desgrenhada e ar ameaçador. Você mesmo não fugia à regra.

Companheiro a se despedir de companheiro lascava um "a luta continua". Que luta é essa?, perguntava-se Duda Mendonça.... Contra quem ela se dá?

Mais adiante afirmava que, se há algo que o brasileiro médio abomina, é confusão. Nada por aqui se resolve com brigas, refregas, muito menos com "lutas". Esse slogan "a luta continua" prometia exatamente o contrário. Por essa e outras razões correlatas, o partido sempre era derrotado nas urnas.

Esse livro, caro Lula, presumo que você leu. E se não o fez, ao menos foi um aluno aplicado do mestre Duda. Foi assim, creio eu, que surgiu o "Lulinha paz e amor".

Você já está no leme da Nação há quase sete anos. De modo fulminante, o episódio do "mensalão" tratou de afastar de seu convívio quase todos aqueles que o vinham acompanhando havia décadas. Outros caíram em desgraça por se terem proposto a realizar proezas impossíveis. Como aquele que iniciou o governo como ministro do "combate à fome". Em nome de seu programa, o famigerado Fome Zero, o seu governo abriu mão até de adquirir uma dúzia de aviões de guerra, alegando que o dinheiro necessário para tanto seria revertido para o meritório projeto.

O tempo passou e nunca mais se ouviu falar nem do tal ministro nem do Fome Zero. Quanto aos aviões de combate, eles estão sendo comprados agora. Que papelão, hein, Lula? Você deixou de comprar os jatos na ocasião e menos de um ano depois adquiriu o Aerolula. Vai entender...

Outra coisa que tenho reparado em você é que adquiriu uma rara habilidade na arte do "recorte e cole".

Depois do fracasso do Fome Zero, você e seus amigos decidiram levar adiante vários programas sociais dos tempos do Fernando Henrique. Eram o Bolsa-Escola, o Vale-Gás, etc. Funcionou tão bem que você decidiu colar todos eles e assim nasceu o Bolsa-Família.

Essa história de PAC também é um exercício de colagem. Você pegou todas as obras públicas que estavam sendo realizadas no País, juntou-as com as das estatais e pronto: estava criado o pomposo Programa de Aceleração do Crescimento!

Você já está ficando oito anos. Dizem por aí que pretende se candidatar em 2014 e assim ficar para mais oito.

Para falar a verdade, eu nunca votei em você, mas, pelo andar da carruagem, meus netos e bisnetos ainda terão oportunidade de fazê-lo.

Lula-lá em 2032! - O Estado de S. Paulo

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