A Constituição consigna a moralidade como um dos princípios fundamentais da administração pública.
Sua expressão normativa incide, especialmente, sobre a boa conduta dos agentes públicos e sobre a legitimidade dos atos administrativos, independentemente dos aspectos estritamente legais. No meu entender, seu alcance deve iluminar também a concepção e valoração das normas sob o prisma do equilíbrio das relações entre o Estado e o cidadão.
A moralidade tributária do Estado, especificamente, deve ser considerada sob a vertente do equilíbrio. Práticas tributárias brasileiras constituem uma seara extremamente fértil de casos que, em tese, correspondem a ofensas àquela espécie de moralidade. Por Everardo Maciel
Desde 1996, a restituição do Imposto de Renda é, acertadamente, remunerada com os mesmos juros aplicáveis ao pagamento em atraso. Falta, contudo, estender essa regra aos demais tributos, sob pena de aviltar o valor real da restituição e macular a indispensável relação de equilíbrio exigida pela cidadania fiscal.
No caso específico do Imposto de Renda - Pessoa Física, malgrado os juros compensatórios, é francamente imoral postergar as restituições para além do próprio exercício, em sintonia com o prazo para parcelamentos automáticos concedidos aos que têm imposto a pagar, pois repercute desarrazoadamente sobre a liberdade de alocação de gastos do contribuinte. Além disso, é pouco inteligente, tendo em conta que os juros a serem pagos na restituição são os mesmos que seriam pagos no financiamento da dívida pública interna.
É de igual forma imoral a adoção, com fins meramente protelatórios, de critérios para retenção em malha das restituições, a exemplo do que se faz nos casos de presumida desproporção entre gastos médicos e renda do contribuinte. É óbvio que quase todas as pessoas mais velhas gastam mais com a saúde do que as mais novas. O estabelecimento de parâmetro único pode ser tido com uma perversidade contra os idosos.
A resolução dessa hipótese de ofensa à moralidade tributária passa pela edição de normas, com abrangência para todos os entes federativos, que disciplinem a restituição de qualquer tributo, em prazos razoáveis e com os mesmos encargos compensatórios do tributo pago em atraso.
A acumulação de créditos, particularmente os decorrentes de exportações para o exterior, é uma situação que desnatura o caráter não-cumulativo dos tributos que incidem sobre o valor agregado, além de conspirar contra a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional.
A acumulação de créditos tributários federais, ainda que injustificável, é bem menos expressiva que a do ICMS, em virtude da possibilidade, com algumas exceções, de se proceder à compensação entre tributos de espécies diferentes. Essa forma de compensação não afeta as vinculações setoriais e as partilhas com os entes subnacionais, por força de procedimentos contábeis corretivos realizados pela própria Receita Federal.
Creio que, na área federal, a acumulação de créditos praticamente deixaria de existir caso as contribuições previdenciárias patronais fossem incluídas no universo das compensações admitidas, o que hoje é possível pela unificação da administração tributária federal.
Já em relação ao ICMS, a questão é difícil e remonta à concepção original do sistema tributário, que conferiu titularidade estadual àquele imposto. Uma forma de mitigar o problema seria autorizar, por lei complementar, a transferência dos créditos para terceiros ou facultar sua utilização para extinguir débitos inscritos em dívida ativa, verificada a sua legitimidade.
O pagamento de precatórios parece ser um caso extremo de afronta à moralidade tributária. Como reconhecer moralidade num Estado que exige o pagamento tempestivo das obrigações fiscais e retarda a liquidação de precatórios, que são dívidas líquidas e certas com contribuintes, com trânsito em julgado?
Minimamente, haveria que se admitir a compensação automática entre precatórios e créditos inscritos em dívida ativa, próprios ou de terceiros, tendo em conta que ambos detêm, em tese, a mesma condição de certeza e liquidez. A implementação dessa medida poderia ser feita por leis ordinárias dos diferentes entes federativos ou, de forma mais simples, por alteração no Código Tributário Nacional, estabelecendo que a liquidação de precatórios é hipótese de extinção de crédito tributário inscrito em dívida ativa.
Outras formas de debilitação da moral tributária do Estado são as concessões de privilégios a contribuintes, dos quais o exemplo mais gritante é a anistia. O uso desse instituto, previsto na Constituição, deve ser restrito a situações muito especiais. Sua banalização transfere aos contribuintes que não foram beneficiados uma flagrante percepção de imoralidade tributária. O Estado de S. Paulo
*Everardo Maciel, consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
Sua expressão normativa incide, especialmente, sobre a boa conduta dos agentes públicos e sobre a legitimidade dos atos administrativos, independentemente dos aspectos estritamente legais. No meu entender, seu alcance deve iluminar também a concepção e valoração das normas sob o prisma do equilíbrio das relações entre o Estado e o cidadão.
A moralidade tributária do Estado, especificamente, deve ser considerada sob a vertente do equilíbrio. Práticas tributárias brasileiras constituem uma seara extremamente fértil de casos que, em tese, correspondem a ofensas àquela espécie de moralidade. Por Everardo Maciel
Desde 1996, a restituição do Imposto de Renda é, acertadamente, remunerada com os mesmos juros aplicáveis ao pagamento em atraso. Falta, contudo, estender essa regra aos demais tributos, sob pena de aviltar o valor real da restituição e macular a indispensável relação de equilíbrio exigida pela cidadania fiscal.
No caso específico do Imposto de Renda - Pessoa Física, malgrado os juros compensatórios, é francamente imoral postergar as restituições para além do próprio exercício, em sintonia com o prazo para parcelamentos automáticos concedidos aos que têm imposto a pagar, pois repercute desarrazoadamente sobre a liberdade de alocação de gastos do contribuinte. Além disso, é pouco inteligente, tendo em conta que os juros a serem pagos na restituição são os mesmos que seriam pagos no financiamento da dívida pública interna.
É de igual forma imoral a adoção, com fins meramente protelatórios, de critérios para retenção em malha das restituições, a exemplo do que se faz nos casos de presumida desproporção entre gastos médicos e renda do contribuinte. É óbvio que quase todas as pessoas mais velhas gastam mais com a saúde do que as mais novas. O estabelecimento de parâmetro único pode ser tido com uma perversidade contra os idosos.
A resolução dessa hipótese de ofensa à moralidade tributária passa pela edição de normas, com abrangência para todos os entes federativos, que disciplinem a restituição de qualquer tributo, em prazos razoáveis e com os mesmos encargos compensatórios do tributo pago em atraso.
A acumulação de créditos, particularmente os decorrentes de exportações para o exterior, é uma situação que desnatura o caráter não-cumulativo dos tributos que incidem sobre o valor agregado, além de conspirar contra a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional.
A acumulação de créditos tributários federais, ainda que injustificável, é bem menos expressiva que a do ICMS, em virtude da possibilidade, com algumas exceções, de se proceder à compensação entre tributos de espécies diferentes. Essa forma de compensação não afeta as vinculações setoriais e as partilhas com os entes subnacionais, por força de procedimentos contábeis corretivos realizados pela própria Receita Federal.
Creio que, na área federal, a acumulação de créditos praticamente deixaria de existir caso as contribuições previdenciárias patronais fossem incluídas no universo das compensações admitidas, o que hoje é possível pela unificação da administração tributária federal.
Já em relação ao ICMS, a questão é difícil e remonta à concepção original do sistema tributário, que conferiu titularidade estadual àquele imposto. Uma forma de mitigar o problema seria autorizar, por lei complementar, a transferência dos créditos para terceiros ou facultar sua utilização para extinguir débitos inscritos em dívida ativa, verificada a sua legitimidade.
O pagamento de precatórios parece ser um caso extremo de afronta à moralidade tributária. Como reconhecer moralidade num Estado que exige o pagamento tempestivo das obrigações fiscais e retarda a liquidação de precatórios, que são dívidas líquidas e certas com contribuintes, com trânsito em julgado?
Minimamente, haveria que se admitir a compensação automática entre precatórios e créditos inscritos em dívida ativa, próprios ou de terceiros, tendo em conta que ambos detêm, em tese, a mesma condição de certeza e liquidez. A implementação dessa medida poderia ser feita por leis ordinárias dos diferentes entes federativos ou, de forma mais simples, por alteração no Código Tributário Nacional, estabelecendo que a liquidação de precatórios é hipótese de extinção de crédito tributário inscrito em dívida ativa.
Outras formas de debilitação da moral tributária do Estado são as concessões de privilégios a contribuintes, dos quais o exemplo mais gritante é a anistia. O uso desse instituto, previsto na Constituição, deve ser restrito a situações muito especiais. Sua banalização transfere aos contribuintes que não foram beneficiados uma flagrante percepção de imoralidade tributária. O Estado de S. Paulo
*Everardo Maciel, consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
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