Manual para sepultar comissões de inquérito

CPI VIRA PIZZA

Comandados pelo Planalto, parlamentares da base aliada aprimoram práticas para garantir controle das investigações das CPIs. Oposição, sem força, tenta mudar regras legislativas

Durante o ano de 2009, deputados e senadores deram vastas demonstrações de que o Código de Ética e Decoro Parlamentar está em desuso no Congresso Nacional. As revelações de abusos no uso de passagens aéreas, desvios nos pagamentos feitos com a verba indenizatória e um sem-número de nomeações de parentes e apadrinhados políticos por debaixo dos panos do Senado são apenas alguns exemplos disso. Mas, ao mesmo tempo, um outro manual ganhou força e notoriedade nos corredores das duas casas que compõem o Legislativo federal: o de sepultamento das comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Sob a batuta do governo, parlamentares da base aliada aprimoraram as práticas que garantem o domínio e a consequente contenção de danos das investigações. Por Daniela Lima Flávia Foreque

E, diante desse enredo, que favorece o Executivo e amarra o poder de fiscalização do Congresso, a oposição prega mudanças nas regras que definem a formação e o funcionamento das CPIs.

No Senado, a alardeada CPI da Petrobras, instalada para apurar supostas irregularidades na gestão da estatal, terminou melancolicamente. A oposição mirou na empresa na tentativa de acertar o palanque da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula à sucessão em 2010. Fez o requerimento de abertura da CPI, pressionou pela instalação. Terminou abandonando os trabalhos antes mesmo do encerramento oficial das apurações.

Mas eles não tinham mesmo muito o que fazer. Afinal, após adiar por meses a instalação da CPI, a base aliada orquestrou a composição dos membros da investigação. A relatoria da CPI ficou nas mãos do líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR). A presidência, com o senador João Pedro (PT-AM). A oposição abandonou o barco, alegando que, na verdade, as apurações não passavam de uma farsa.

A cena se repetiu em outras investigações. A também aclamada CPMI do MST, instalada para investigar o repasse de dinheiro público ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ainda não começou a trabalhar. Nasceu em outubro, depois que integrantes do movimento invadiram uma fazenda em São Paulo e destruíram pés de laranja. Fechou o ano sem dar início efetivo aos trabalhos. “2009 foi o ano em que as CPIs fracassaram. O governo aprendeu a dominar, amarrar as investigações e, com isso, impedir que o congresso exerça função fundamental, que é a fiscalização”, avaliou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que propôs a criação da CPI da Petrobras.

Para a senadora tucana Lúcia Vânia (GO), que participou da CPI criada em 2008 para investigar a destinação de recursos para organizações não governamentais, é preciso reformular as regras que norteiam essas investigações. “Nós não temos instrumentos para concluir essas apurações. Não somos maioria, o que dificulta o trabalho. É preciso mudar o regulamento que estipula o funcionamento das CPIs”, afirmou. A CPI das ONGs não foi encerrada. Os trabalhos foram abandonados ao longo deste ano, e devem ser finalizados em 2010.

1 - Otimismo
O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), filiado a partido aliado do governo, sai em defesa das investigações e cita como exemplo os resultados da comissão que presidiu este ano, a CPI das Tarifas de Energia. Para ele, a conquista de apoio popular é fundamental para as apurações. “Fizemos audiências públicas em sete estados do país. Os parlamentares se comprometeram com suas bases. A pressão foi muito importante para que eles não perdessem o estímulo”, resumiu.

Modelo atual questionado

Mesmo especialistas divergem sobre a eficiência do modelo das comissões parlamentares de inquérito do Congresso. Apesar dos resultados limitados das CPIs, o cientista político João Paulo Peixoto defende o atual modelo. Já para o professor de Ética da Unicamp Roberto Romano, o boicote da base aliada às investigações representa uma renúncia à função fiscalizadora do parlamento.

“Quando os governistas alegam que têm que apoiar o governo e por isso não podem investigar, eles estão abrindo mão do poder Legislativo”, afirma o filósofo. Romano argumenta, no entanto, que a criação das comissões não pode ser vista como negativa, pois a simples formação de um grupo já denota o funcionamento do parlamento.

Já Peixoto acredita que as CPIs são fundamentais para manter a legitimidade do poder Legislativo. “A CPI é um instrumento fundamental para uma das funções do Legislativo, que é fiscalizar o Executivo. Ele não tem a prerrogativa de condenar, punir. Isso cabe ao Judiciário”, afirma João Paulo, que é professor da Universidade de Brasília (UnB).

Fato é que, em 2009, o Congresso escolheu não investigar. Mas não foi por falta de CPIs. Só este ano seis comissões de inquérito foram instaladas — quatro na Câmara e duas no Senado. Na opinião dos próprios parlamentares, o excesso de escândalos envolvendo as duas casas do Legislativo contribuiu para a escassez de resultados. “Eles retiraram energia e autoridade do Congresso, e isso tem um peso”, reconheceu o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Mesmo diante do naufrágio das investigações mais aclamadas pela oposição, as CPIs acumulam êxitos pontuais. A CPI das Tarifas de Energia, da Câmara, constatou que remuneração ilegal, feita pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) às concessionárias, provocou o pagamento de “valores indevidos” pelos consumidores. O relatório final da comissão pede ao Ministério Público Federal uma apuração sobre suposto ato de prevaricação por parte de integrantes da Aneel e solicita ao órgão a criação de um mecanismo para compensar o consumidor pelos valores indevidos. “Se não for cumprido o prazo (de 60 dias), vamos pedir a criação de uma CPI mista para apurar porque se opõem a devolver o dinheiro aos consumidores”, ameaça o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE).

No Senado, a CPI da Pedofilia, que ainda está em andamento, também tem o que comemorar. Foi com a pressão dos parlamentares que o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para combater a exploração sexual de menores na internet.

Réquiem legislativo: Veja como o governo consegue enterrar as CPIs:

Demora na instalação
As investigações são criadas, mas demoram a sair do papel. O governo conseguiu prorrogar por meses a instalação da CPI da Petrobras, por exemplo. A apuração só vingou quando o PMDB resolveu usar a comissão para pressionar o PT a apoiar publicamente o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no meio da crise deflagrada pela descoberta dos atos secretos.

Composição amigável
Para delimitar o poder de fogo das CPIs, a base do governo aposta na composição do colegiado. Cargos importantes sempre são ocupados por parlamentares que gozam da confiança do Executivo. Na investigação criada para apurar o repasse de recursos para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por exemplo, o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) ficou com a relatoria, e o senador Almeida Lima (PMDB-SE), com a presidência.

Investigação a perder de vista
Em fevereiro de 2008 os membros da CPI dos Grampos, instalada na Câmara dos Deputados, elencaram os principais focos da apuração. Iriam se debruçar sobre o excesso de autorizações de escutas concedidas pela Justiça, a atuação de detetives particulares e das operadoras de telefonia. Terminou, em 2009, interrogando o banqueiro Daniel Dantas e o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, protagonistas da Operação Satiagraha. Moral da história: sem foco nas investigações, fica difícil alcançar resultados concretos e relevantes. Correio Braziliense

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